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Susto nas bolsas, pânico no trumpismo

A virada pessimista na economia acontece no mesmo momento em que o cenário político ganha novo ímpeto com o fenômeno Kamala Harris

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Marcos Strecker: "Assim como a economia, a política também parece viver de ciclos" (Crédito: Divulgação)

Por Marcos Strecker

Há apenas poucas semanas, a confiança na eleição de Donald Trump era tamanha que os analistas se preocupavam apenas em calibrar o grau das mudanças que ocorreriam na política econômica a partir do seu segundo mandato – basicamente, uma aceleração da escalada protecionista, dólar fortalecido e mais benesses tributárias para os ricos e as grandes corporações. O boom do mercado acionário nos últimos meses e a confiança de que haveria um “pouso suave” na economia, a partir do relaxamento cauteloso do aperto monetário pelo Fed, também aumentavam o cenário de previsibilidade e segurança.

Tudo virou de cabeça para baixo em pouco mais de duas semanas. A entrada triunfal de Kamala Harris na corrida presidencial abalou os alicerces do trumpismo. Ela varreu do mapa os possíveis rivais do seu partido, energizou a base de sua legenda, multiplicou a arrecadação de fundos para a candidatura democrata e colou nas costas do adversário republicano as pechas que Donald Trump despejava à vontade em comícios populistas contra o presidente Joe Biden – idoso, antiquado, arriscado e incompetente. Ela pescou em um dos estados-chave que vão de fato decidir o pleito, no “cinturão da ferrugem” do Nordeste do país, seu candidato a vice: Tim Walz, o governador de Minnesota. Ainda que pareça ser “excessivamente low profile”, ou pouco ameaçador para Kamala (o que pode ter justificado a escolha), Walz é um problema adicional para Trump. É espirituoso, de classe média, patriota, ex-militar e se vira bem no vale-tudo retórico do bilionário enrolado na Justiça. Foi Walz quem tascou o apelido de “gente esquisita” para o republicano e seu vice J.D. Vance, que viralizou nas redes sociais. Ponto para Kamala.

Assim como o panorama político mudou, as previsões para a maior economia do mundo ganharam uma reviravolta dramática na última segunda-feira (5), quando as bolsas pelo mundo derreteram contagiadas por uma queda inesperada no mercado acionário japonês. Em um dia, evaporou a confiança na economia global, já que o motor americano começou a dar sinais e fadiga. A visão de um ajuste brando na economia dos EUA foi substituída pela previsão de uma recessão, que, aliás já se desenhava nas entrelinhas das planilhas macroeconômicas. Se de fato a economia americana levar um tombo, as consequências serão globais. A Europa, que mal começava a se recuperar, vai enfrentar uma nova travessia do deserto após a pandemia e a crise energética pela invasão da Ucrânia. A China, que tropeça nos seus próprios problemas internos, vai enfrentar ainda mais dificuldades para retomar a expansão acelerada.

O choque que sacudiu as bolsas na última semana tem várias explicações, mas uma é especialmente preocupante para os otimistas que apostavam na revolução tecnológica da Inteligência Artificial (IA). As ações das gigantes tecnológicas foram especialmente punidas pelas dúvidas com a nova ferramenta. Alphabet (Google), Microsoft, Amazon, Apple e Meta (Facebook, Instagram) vivem um inferno astral após seus investimentos bilionários em IA terem mostrado poucos resultados concretos para os acionistas. O mercado de chips também está em polvorosa, e a exuberância da Nvidia, que atingiu o estratosférico valor de mercado de US$ 3,3 bilhões como maior estrela da IA, parece estar com os dias contados. Para piorar, o Google foi atingido por uma decisão judicial que pode abalar o oligopólio das big techs. Um juiz federal tomou uma decisão histórica contra o maior buscador do mundo, acusado de monopólio e práticas desleais. Essa decisão, junto com a decepção com a nova era prometida pela Inteligência Artificial, pode abalar as gigantes do Vale do Silício, que eram um dos motores, ou o principal motor, do crescimento americano no último período. Tudo isso poucos dias depois de Warren Buffett, um dos “oráculos” do mercado, ter se desfeito de boa parte de suas ações da Apple.

Assim como a economia, a política também parece viver de ciclos. A bolha da internet estourou há pouco mais de 20 anos, mas o avanço da tecnologia digital nunca foi interrompido. O colapso dos mercados financeiros em 2008 não gerou o cenário catastrófico que se imaginava nem impediu a renovação das maiores economias. Espelhando esses movimentos, as próprias democracias liberais, que pareciam com os dias contados pela ação de populistas imitadores de Trump, parecem ganhar novo ímpeto com o otimismo gerado pelo inesperado fenômeno Kamala.

*Marcos Strecker é jornalista, diretor do Núcleo de Negócios da Editora Três (ISTOÉ DINHEIRO, DINHEIRO RURAL e MOTOR SHOW)