Dinheiro Rural

Marfrig quer trazer seu sistema de padronização implantado nos EUA

Gigante brasileira vai importar dos EUA modelo de verticalização de produção com parceiros para evitar grandes variações no preço do gado em viradas de ciclo

Crédito: Marco Ankosqui

Empresa de Marcos Molina quer aumentar o controle da oferta de animais para garantir qualidade da carne (Crédito: Marco Ankosqui)

Por Allan Ravagnani

Baseada em um modelo de sucesso implementado nos Estados Unidos, a Marfrig Global Foods (uma das companhias líderes em carne bovina, suína e de aves e a maior produtora de hambúrguer no mundo) estuda importar para o Brasil um modelo de verticalização no fornecimento de gado para a indústria. A ideia é fazer uma integração, como a que existe com os frigoríficos de aves e suínos, por meio de algumas adaptações, mas com o objetivo de padronizar os cortes, tamanho e qualidade.

Para implementar o modelo no Brasil, a Marfrig planeja investir até R$ 3 bilhões para cobrir 25% de sua demanda no País.
Eles devem fornecer os bezerros aos pecuaristas que farão o trabalho de recria e engorda, além de touros para garantir a melhoria genética do rebanho.
A companhia já utiliza esse sistema em sua controlada norte-americana, a National Beef, onde os pecuaristas são acionistas minoritários e responsáveis por garantir 25% dos animais abatidos pela empresa, via contratos de fornecimento de longo prazo.

Alcides Torres, analista de mercado e fundador da Scot Consultoria, especializada em boi gordo, afirmou que para o sistema dar certo no Brasil a Marfrig precisaria garantir a margem ao criador, que deixaria de depender da volatilidade do mercado. “Assim o produtor deixaria de sofrer com a oscilação das cotações. A empresa combina um preço antes, a quantidade de bois, e o produtor não precisa se preocupar com os preços”, afirmou.

(Marco Ankosqui)

Marfrig planeja investir até R$ 3 bilhões para garantir 25% da demanda de sua indústria no brasil e chegar ao mesmo patamar dos EUA

Torres, no entanto, diz que a implantação do sistema não é tarefa simples. “Importar um modelo não é fácil, pois a pecuária nos Estados Unidos é bem diferente da brasileira. Lá o bovino é desmamado e já vai para o confinamento, tudo feito em ambiente controlado. Já por aqui, a característica é deixar o gado no pasto, e somente nos últimos meses confinar parte do gado para mandar para o abate”, completou.

Durante a teleconferência de resultados do primeiro trimestre, o fundador e presidente do conselho da companhia, Marcos Molina, afirmou que o projeto visa funcionar como “um pulmão de equilíbrio de oferta” quando a disponibilidade for menor e o ciclo da pecuária virar no Brasil.

A MFG Agropecuária, que abastece 10% da companhia, também tem planos de elevar sua oferta para 25% dos gados abatidos pela Marfrig. Hoje, podem abater até 5.100 unidades por dia, mas com os novos investimentos podem chegar a 7.600 em 2025 e até 8.400 em 2025.

(Marco Ankosqui)

Molina afirmou ver uma oferta saudável no Brasil para 2025, mas acredita que o ciclo de 2026 pode ser mais desafiador. Essa é uma maneira de enfrentar a baixa na oferta de gado em uma mudança de ciclo. Segundo Molina, ter esse controle dá maior tranquilidade e estabilidade na operação, além de melhorar a produtividade das fábricas, elevando a produção do parque fabril para acima dos 90%, além de aumentar a rastreabilidade dos animais. O empresário não deu um prazo para concluir a operação, mas afirmou que o momento de baixa no mercado do boi gordo é favorável para realizar tal investimento, avaliado entre R$ 1,5 bilhão e R$ 2 bilhões.

Torres afirmou que o modelo de integração foi muito bem-sucedido na produção de suínos e aves, que padronizou e deu maior qualidade. “A pecuária brasileira se desenvolveu muito nos últimos 25 anos, estamos nos superando cada vez mais, então talvez essas medidas para verticalizar a produção não sejam tão necessárias, talvez em parte da produção”, completou.

CICLO DO GADO

Durante o ano 2023 a Marfrig teve dificuldades no balanço, reportando um prejuízo líquido de R$ 1,52 bilhão, diante de uma receita de R$ 136,5 bilhões no período.
• A turbulência se deu diante do custo das operações na América do Norte, que enfrenta uma oferta menor de gado devido ao ciclo negativo nos países da região, aumentando o preço da matéria-prima e pressionando as margens. Para entender o que é o ciclo do gado, precisa-se levar em consideração o volume ofertado.
• Por exemplo, quando o pecuarista está com muito gado disponível para abate, seja nos pastos ou nos confinamentos, o preço do produto fica menor, e ele começa a abater, além dos bois, também as fêmeas que não emprenharam.
• O baixo preço da arroba também desestimula o criador a investir em reprodução por inseminação artificial, emprenhando ainda menos vacas.
• O resultado aparece alguns poucos anos à frente, fazendo o ciclo virar, pois a oferta de bezerros vai diminuindo, os preços se ajustam e o oferta começa a não dar conta da demanda, diante da menor capacidade de reprodução. É neste momento que está o mercado nos Estados Unidos, com pouca oferta e altos preços.
O Brasil, no entanto, está com a situação inversa, mas já existem projeções de uma nova virada.

BEZERRO SUSTENTÁVEL

Em paralelo ao projeto de verticalização, a Marfrig lançou um programa de produção sustentável de bezerros, atendendo inicialmente 106 criadores no Mato Grosso, orientando sobre gerenciamento, manejo, regularização e rastreabilidade individual dos animais.

O estado tem o maior rebanho do País, com 34 milhões de animais. O programa resulta de uma parceria entre a Marfrig e a IDH, fundação holandesa que financia projetos de produção sustentável de commodities. No primeiro semestre de 2024, aderiram ao programa 106 propriedades de cinco municípios de Mato Grosso. A meta é alcançar 365 fazendas até 2026.

“O objetivo da Marfrig, ao investir no programa de produção sustentável de bezerros, é ajudar a promover a oferta de matéria-prima de origem sustentável desde o nascimento dos animais. A iniciativa faz parte do Programa Verde+, que a empresa lançou há quatro anos para tornar sua cadeia de fornecimento 100% rastreada e livre de desmatamento. O programa de bezerros contribui para mudar a dinâmica de produção e comercialização da cadeia da pecuária por meio da melhora de resultados do segmento de cria nos aspectos econômicos, ambientais e sociais”, afirmou Paulo Pianez, diretor de Sustentabilidade da Marfrig e da BRF.

Segundo a companhia, um dos grandes desafios da indústria é dar suporte e monitorar os fornecedores, principalmente os indiretos. Por isso, investir em iniciativas como essa é uma alternativa para alcançar produtores que estão, muitas vezes, em áreas muito remotas e vulneráveis.

O programa também tem compromisso para ampliar práticas sustentáveis promovendo adequação ambiental, aumento de produtividade do rebanho e, ainda, conservação e recuperação de florestas. Entre as metas estão a conservação de mais de 53.000 hectares de florestas e a recuperação florestal de mais de 1.600 hectares.

(Marco Ankosqui)

“Ter controle da oferta dá maior tranquilidade e deixa a operação da indústria mais estável.”
Marcos Molina, fundador da marfrig

“Temos um programa com impactos significativos que nos credencia a estabelecer novas parcerias, impulsionando a evolução e ampliando os resultados visando a transformação da cadeia pecuária desde a sua origem”, afirmou Manuela Maluf Santos, diretora-interina da IDH Brasil.

Este programa de produção sustentável de bezerros é desenvolvido desde 2019 e já beneficiou mais de 600 produtores no Mato Grosso, sendo recentemente expandido para o estado do Pará, segundo maior rebanho do país, com mais de 26 milhões de animais.