Robôs invadem as lavouras do Brasil
Por Alexandre Inacio
RESUMO
• Equipamentos estão ganhando espaço em áreas de cana-de-açúcar, após um primeiro ano bem-sucedido na produção de grãos
• Máquinas conseguem substituir parte do trabalho feito por humanos
• Elas reduzem custos de produção e geram dados que podem levar a uma nova revolução no mercado de máquinas agrícolas
Seja quando começou a atuar na atividade agrícola na década de 70, com o cultivo de café, pinus e pecuária, ou quando entrou no negócio de cana-de-açúcar, no início dos anos 80, a família Gastão Mesquita não imaginava que um dia veria robôs autônomos movidos a energia solar percorrendo suas terras. A realidade começou a mudar no início de julho deste ano, quando as duas primeiras unidades do robô Solix desembarcaram em Jussara, no norte do Paraná, para iniciar uma nova revolução na forma de trabalho nos canaviais da maior unidade da Cia. Melhoramentos Norte Paraná (CMNP).
Capazes de fotografar e reconhecer pragas, fazer medições de solo e gerar uma infinidade de informações sobre a saúde das lavouras, os robôs se movem de forma autônoma, seguindo a programação previamente definida.
Movidos pela energia gerada a partir de painéis solares, os equipamentos possuem baterias que são carregadas durante o dia, o que permite seu uso também durante a noite.
A Melhoramentos é uma das primeiras empresas a utilizar os robôs em canaviais no Brasil. A safra iniciada em abril é a primeira em que os equipamentos serão utilizados de forma comercial. Até então, apenas testes haviam sido realizados em áreas pequenas de algumas usinas.
“Estamos ensinando os robôs a identificar as ervas daninhas mais comuns da nossa região. Por enquanto, já foram tiradas pouco mais de 4 mil fotografias que estão servindo para ensinar o que deve e o que não deve ser combatido”, disse Marcos Gentili, chefe de manutenção da Melhoramentos, que, junto junto a Raphael Monteiro (agrônomo) e Reinaldo Perez de Oliveira (plantio e tratos), formam o time responsável por gerir o desempenho dos equipamentos.
Ainda que a aplicação de novas tecnologias, automação e telemetria façam parte do dia a dia da Melhoramentos, a capacidade de gerar dados e ser efetivo no uso colocam a robotização no campo em uma prateleira muito mais alta. “Se assemelha ao impacto que a revolução verde teve para a agricultura”, diz Monteiro.
Para ele, cada robô é capaz de substituir dois funcionários no trabalho conhecido como “catação”, em que o trabalhador percorre as áreas de plantio, devidamente equipado e com um pulverizador manual, aplicando o herbicida nas pragas que disputam espaço com a cana.
Conhecida por ter um grande apetite por tecnologias disruptivas, o grupo francês Tereos também entrou na onda da robotização. A empresa recebeu sua primeira unidade em novembro do ano passado e desde abril o equipamento está em regime operacional nos canaviais do grupo.
“A cana está começando esse processo de robotização. Os dados que vamos coletar nessa primeira safra serão fundamentais para determinar a velocidade da adoção. Em dando tudo certo, a tendência é que isso ganhe escala muito rapidamente. Por aqui, acreditamos que em 2026 todo o trabalho de catação seja feito por robôs”, disse à DINHEIRO RURAL Carlos Martins, diretor- executivo da Tereos no Brasil.
Tanto Tereos quanto Melhoramentos estão iniciando os trabalhos com o Solix na safra 2024/25. Na mesma toada, a Raízen já está com suas unidades em operação e a Adecoagro acaba de assinar seu primeiro contrato para aquisição dos robôs.
MADE IN BRAZIL
A tecnologia de robôs autônomos usada pela Tereos e Melhoramentos tem origem nacional.
• Perto de se transformar em unicórnio – termo usado quando uma startup alcança um valor de mercado de US$ 1 bilhão –, a brasileira Solinftec deu, curiosamente, seus primeiros passos longe do Brasil e dos canaviais.
• A primeira versão de seu robô foi testada em lavouras de soja nos Estados Unidos, no final de 2020.
• A ideia inicial era que as máquinas fizessem apenas a coleta de dados das ervas daninhas existentes nas lavouras, permitindo que os produtores tivessem uma aplicação mais precisa de herbicidas.
“Até que perguntaram se, além de identificar e localizar a praga, a gente não conseguiria fazer a aplicação”, disse à DINHEIRO RURAL Bruno Pavão de Assis, chefe de operações robóticas da Solinftec.
Repaginada, a nova versão do Solix começou a ser testada no Brasil em 2021. Foi apenas na safra passada que a versão comercial passou a circular pelas lavouras de grãos de Goiás, Bahia e Mato Grosso.
No total, 14 robôs transitaram por pouco mais de 2 mil hectares de soja e milho, levantando dados, fotografando pragas e fazendo aplicação de herbicidas. Por dia, foram tiradas de 12 a 15 mil fotos, que servem para “treinar” a inteligência artificial responsável por reconhecer o que deve ou não ser combatido nas lavouras.
E os resultados obtidos na primeira safra deram uma injeção nos negócios da Solinftec.
Segundo Assis, nas áreas onde os robôs trabalharam no ciclo 2023/24 foi registrada:
• uma redução de 85% no uso de herbicidas,
• de 80% no uso de água,
• aumento de 9% a 10% na produtividade da soja,
• e 12% no rendimento das lavouras de milho.
“Fazendo uma aplicação localizada, apenas nas áreas onde é necessário, as plantas que não precisam do defensivo têm a chance de expressar todo o seu potencial produtivo. Isso explica o ganho de produtividade que registramos”, disse Assis.
Por enquanto, os robôs da Solinftec estão preparados apenas para o levantamento de dados e aplicação de herbicidas para controle de ervas daninhas. Mas uma solução para combater insetos e também permitir a redução do uso de inseticidas está próxima de ser disponibilizada aos agricultores, especialmente do Brasil.
Uma nova versão do Solix contará com um led, com comprimento de onda capaz de atrair apenas as mariposas de certas lagartas para armadilhas instaladas no próprio robô, deixando vivos os insetos que não prejudicam as lavouras.
Startup brasileira, Psyche vai fabricar no país o maior drone para uso agrícola do mundo, movido a etanol e bateria
“Algumas mariposas são mais ativas durante a noite. Estamos validando com a Unesp de Botucatu o comprimento de onda exato que vai atrair para as armadilhas apenas os insetos que prejudicam as lavouras, quebrando assim o seu ciclo de vida. No caso da cana, em especial, isso é fundamental, já que as usinas liberam outros insetos para controle biológico de pragas. Conseguiremos fugir do problema da resistência que temos hoje”, diz Assis.
Até agora, os números de campo e o potencial de aplicação dos robôs foram tão animadores que devem multiplicar a operação da Solinftec em um curto espaço de tempo.
Os 14 robôs operando em lavouras de grãos no Brasil e os 40 que estão rodando no território americano ganharão novos “irmãos”. A empresa acredita que entrará 2025 com 150 unidades em operação no Brasil e outras 150 nos Estados Unidos, multiplicando por cinco sua frota de robôs Solix em lavouras de grãos.
“Tudo nos leva a crer que em 2026 estaremos com 500 unidades rodando”, afirma Assis.
“Aqui na Tereos, acreditamos que o trabalho de catação será 100% feito por robôs até 2026”
Carlos Martins, diretor executivo da Tereos no Brasil
Entre os produtores de grãos que começarão a operar o Solix na safra 2024/25 está o goiano Baumgart. Serão 11 unidades que atuarão em 2 mil hectares, com a expectativa de chegar a 15 mil nos próximos anos. As primeiras desembarcarão em Goiás no final de agosto. Será a primeira vez que uma fazenda usará robôs em 100% de uma área para controle sanitário.
DRONES
Outra tendência que tem ganhado cada vez mais espaço nas lavouras do Brasil é a dos drones. Na Agrishow deste ano, pelo menos uma dezena de empresas apresentaram suas soluções e modelos de negócios. Desde pequenas companhias até tradicionais montadoras de máquinas agrícolas trouxeram diferentes novidades para tentar ganhar espaço em um mercado que comercializou no ano passado cerca de 10 mil drones, considerando apenas aqueles direcionados para aplicação agrícola.
A aposta no segmento não é por acaso.
• As primeiras tentativas de usar drones na pulverização agrícola começaram há cerca de cinco anos, com a venda de apenas algumas dezenas de unidades.
• De 2022 para 2023 houve a virada de chave e o mercado começou a ganhar um pouco mais de corpo.
• Os equipamentos que começaram a atuar tinham uma capacidade de 5 a 10 litros.
• Porém, hoje já conseguem carregar tanques para 70 litros.
Atenta a esse mercado, a CNH decidiu participar. Historicamente vendendo pulverizadores autopropelidos ou de arrasto com uso de trator, com capacidades variando de 2,5 mil a 4,5 mil litros, a fabricante de máquinas decidiu incluir os drones em seu portfólio para complementar sua oferta e atacar o segmento de pequenas fazendas. No Brasil, 88% das pouco mais de 5 milhões de propriedades agrícolas têm menos de 100 hectares.
CNH criou seu drone em parceria com a chinesa XAG e iniciará vendas do equipamento em 2024 aqui no Brasil
“Seja o pulverizador autopropelido, seja de arrasto com o trator, o produtor tem menos flexibilidade em alguns contextos de aplicação, como em terrenos com declive, mais úmidos, redução de manobras e na tentativa de evitar o amassamento da lavoura”, disse Adriano Becker, gerente de tecnologia de precisão da CNH. Segundo ele, o drone tem se adaptado bem às necessidades de pequenas propriedades e já tem substituído parte do parque de máquinas de fazendas de 500 a 2 mil hectares em algumas regiões de Mato Grosso.
A fabricante firmou uma parceria com a empresa chinesa XAG, considerada uma das maiores do mundo na fabricação de drones, robôs e automação de veículos. A ideia é que a CNH importe os equipamentos para vendê-los à sua rede de concessionários brasileiros, com a possibilidade de expandir os negócios para outras regiões do mundo.
“Se na Agrishow a gente tivesse como tirar pedido já teríamos vendido uma boa quantidade. A partir do terceiro trimestre vamos começar a fazer as avaliações com algumas concessionárias em condição real de campo. No último trimestre vamos começar a vender um lote limitado, para terminar de arredondar o que falta e virar o ano com produção total, sem limite de concessionária ou área de atuação”, disse Becker, ao lembrar que a meta é dominar um terço do mercado nacional de drones nos próximos três anos.
“Drones têm se adaptado bem às pequenas propriedade e em áreas onde produtor tem menos flexibilidade.”
Adriano Becker, gerente de tecnologia de precisão da CNH
Com foco em drones de maior autonomia e pensando na produção dos próprios equipamentos, a brasileira Psyche Aerospace já conta com três galpões que, juntos, somam 7 mil metros quadrados em São José dos Campos (SP) e aposta na fabricação e desenvolvimento próprios para se consolidar. Em maio, a empresa concluiu a captação de sua rodada Série A. A startup levantou R$ 15 milhões e chegou a um valor de mercado de R$ 75 milhões. A expectativa é realizar uma prova conceito entre agosto e outubro deste ano na fazenda do agricultor Gilson Pinesso, tradicional produtor de algodão e grãos de Mato Grosso.
O drone da Psyche se posiciona entre os aviões agrícolas e os drones tradicionais. Com capacidade para carregar até 400 quilos de defensivos, o Harpia vai concorrer diretamente com os tradicionais pulverizadores do mercado, utilizando etanol e baterias para sobrevoar as áreas agrícolas do País.
Segundo Gabriel Leal, CEO e fundador da Psyche, a empresa aposta na prestação de serviços, cobrando por hectare pulverizado e não na comercialização dos equipamentos. Outro diferencial é o sistema de abastecimento desenvolvido pela startup, feito por meio das chamadas “belugas”. São contêineres adaptados com tanques capazes de armazenar até 60 mil litros de produtos químicos. Ao término das dez horas de autonomia de voo, os drones voltam às belugas, onde são reabastecidos em 30 segundos.
A expectativa é tão positiva que Leal já pensa em diversificar seu negócio e apostar na fabricação de baterias. “Pensamos em construir a primeira fábrica de baterias de lítio do Brasil. Apenas para atender a demanda dos drones, temos uma necessidade de 3 mil células de energia”, disse o jovem empresário à DINHEIRO RURAL. Segundo ele, seriam necessários R$ 40 milhões em investimentos, e a construção poderia começar já no primeiro semestre de 2025.
Seja com drones ou robôs, a agricultura brasileira tem passado por um processo de modernização sem precedentes. A quantidade de dados gerados pelo setor traz para o debate um novo agente: a conectividade. Ainda que as fazendas estejam cada vez mais conectadas, os vazios de internet em áreas rurais ainda são enormes e podem ser o fiel da balança na velocidade de adoção dos nos equipamentos agrícolas. Se tudo caminhar bem, o impacto que robôs e drones podem causar na produtividade das lavouras já tem sido comparado com a chegada dos tratores e colheitadeiras no campo.
Um pouco de história
● Em 1923, desembarcou no Rio de Janeiro Lord Montagu, chefe da missão econômica inglesa que tinha o papel de auxiliar na consolidação da dívida brasileira com os britânicos e reformular o sistema tributário vigente à época.
● No grupo estava o Barão Lord Lovat, representante dos acionistas da Sudan Plantations, que tinha o interesse de estudar as oportunidades de investimentos em terras no Brasil. O alvo era a produção de algodão, de forma a garantir boa parte do suprimento da pluma à florescente indústria têxtil que se desenvolvia na Inglaterra.
● O engenheiro Gastão Mesquita Filho, que trabalhava na construção da estrada de ferro Ourinhos-Cambará, foi encarregado de apresentar aos ingleses a região Norte do Paraná. Foi o jovem engenheiro que apontou para a oportunidade de adquirir terras férteis que o governo paranaense oferecia a preços baixos, devido às dificuldades logísticas e de transporte na região à época.
● Contudo, Gastão Mesquita lembra aos potenciais investidores que o prolongamento da ferrovia que ele estava construindo garantiria o escoamento dos produtos cultivados ali e, consequentemente, traria uma forte valorização às terras.
● Visionários, os ingleses decidem investir no Brasil. Nascia então, em 1925, a Companhia de Terras Norte do Paraná, com a aquisição de 515 mil alqueires – aproximadamente 1,3 milhão de hectares.
O advento da Segunda Guerra Mundial obrigou os ingleses a buscar formas de fazer dinheiro rápido. Um dos caminhos seguidos foi se desfazer de alguns investimentos. Entre eles estava a Companhia de Terras Norte do Paraná. É aí que volta à cena aquele jovem engenheiro, Gastão Mesquita Filho.
Ao lado do amigo e fundador do Banco Mercantil, Gastão Vidigal, ele reúne um grupo de investidores para arrematar a empresa dos ingleses, em 1944, e segue na estratégia de colonização do norte paranaense até meados do século passado.
Diante da dificuldade de continuar expandindo seus negócios por meio de novas aquisições, a Companhia de Terras Norte do Paraná decide diversificar sua atuação. Em 1951, a empresa compra um grupo que produzia cerâmica e tinha uma serraria chamado Companhia Melhoramentos, que, na época, se propunha a fazer construções para facilitar a vida das pessoas que chegavam à região. Diante da incorporação, a empresa ganha um novo nome e passa a se chamar Companhia Melhoramentos Norte do Paraná.
A partir daí, a nova empresa passa a viabilizar a construção de cidades. Investidores e empreendedores interessados em instalar indústrias, escolas e hospitais teriam condições especiais na compra dos lotes urbanos. O poder público doaria terrenos para construir edifícios com o objetivo de abrigar prefeituras, delegacias, escolas, correios, e estações ferroviárias e rodoviárias.
Com esse modelo de negócios, a Cia. Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP) participou da fundação de 63 cidades, entre elas, Londrina, Arapongas, Apucarana, Maringá, Cianorte, Umuarama e Jussara, onde daria início a uma nova atividade.