Guerra pelos dados no campo vem das estrelas
Enquanto o sinal 4G ainda caminha a passos lentos em regiões agrícolas, grandes empresas de máquinas correm para desenvolver soluções de conectividade que passam pelos satélites da Starlink e Intelsat
Por Alexandre Inacio
A guerra para conectar máquinas agrícolas à internet não acontecerá nas lavouras, mas sim, no espaço. Enquanto o sinal 4G e 5G ainda chegam de forma tímida às regiões mais distantes dos centros urbanos e menos populosas, as maiores fabricantes do mundo aceleram o passo para buscar alternativas e entregar a seus clientes soluções que garantam não apenas a conexão entre os equipamentos, mas também a transmissão desses dados para as sedes das fazendas e centros de controle. Entre as alternativas está o uso de constelações de satélites de baixa órbita de algumas empresas, que permitem aos agricultores utilizar integralmente as tecnologias agrícolas de precisão, desbloqueando oportunidades até então indisponíveis.
A primeira a embarcar nesse segmento foi a americana John Deere. A empresa anunciou no início do ano uma parceria com a SpaceX, do empresário Elon Musk, que fornecerá o serviço de conectividade via satélite aos agricultores brasileiros por meio de sua rede Starlink. No final de abril, a empresa apresentou o equipamento que será instalado nos tratores e colheitadeiras e alguns modelos que sairão de fábrica com a tecnologia embarcada. A empresa iniciará a venda dos kits no Brasil a partir de outubro de 2024, colocando o Brasil na vanguarda da conectividade rural.
Segundo Marcela Guidi, gerente de desenvolvimento de novos negócios e parcerias da John Deere, o Brasil será o primeiro país do mundo a usar a conexão via satélite da Starlink nos equipamentos da montadora. “Isso ajudará a fechar o gap de conectividade existente no País atualmente”, diz a executiva. A expectativa é que a solução apresentada pela Deere&Co potencialize o pacote de tecnologia da marca para os agricultores, atendendo a uma demanda do momento e as que ainda estão por vir. Globalmente, a John Deere lidera há cerca de 20 anos o mercado global de máquinas agrícolas e tecnologia de precisão.
“O valor da conectividade para os agricultores é mais abrangente do que qualquer ação individual já realizada. A conectividade desbloqueia enormes oportunidades que antes eram limitadas ou estavam indisponíveis”, disse Aaron Wetzel, vice-presidente de sistemas de produção e agricultura de precisão da John Deere, quando a parceria com a empresa de Elon Musk foi anunciada.
John Deere e CNH disputam o mercado de dados agrícolas: querem conectar tratores e colheitadeiras em satélites estrangeiros
Na mesma toada, outra gigante das máquinas também anunciou a entrada no mercado de internet via satélite para máquinas. A CNH apresentou durante a Agrishow a parceria global que fechou com a americana Intelsat. Até setembro, um lote de 100 máquinas da empresa que reúne as marcas Case e New Holland estará rodando com as antenas da nova parceira, que atua nesse mercado há 60 anos com forte experiência na área militar e gestão de frotas marítimas, utilizando tanto o sinal dos satélites de baixa órbita quanto o dos satélites estacionários. O volume de máquinas conectadas tende a crescer a partir de outubro e se acelerar a partir de 2025, com a experiência dos clientes já devidamente validada.
‘A relação de custo entre o 4G e o satélite é algo que ainda precisa ser equacionado.’
Gregory Riordan, diretor da CNH
A aposta da CNH é tão grande que até mesmo Carlo Lambro, presidente global da New Holland, disse que os próximos investimentos da empresa no Brasil não serão em infraestrutura fabril, mas em serviços de conexão. O cenário demonstra que, cada vez mais, a conectividade será determinante para conectar todo o ecossistema que está sendo criado no meio rural, envolvendo drones, tratores, colheitadeiras e até mesmo caminhões que levam pessoas e recursos para executarem suas tarefas diárias. Alguns testes realizados no setor sucroalcooleiro demonstram que uma única máquina transmite cerca de 20 gigabytes de dados todos os meses.
A aposta das montadoras na internet via satélite é explicada. Dados da ConectarAgro mostram que apenas 19% da área disponível para agricultura no Brasil possuem algum tipo de conexão 4G ou 5G disponível. O percentual representa cerca de 17 milhões de hectares ou 37% dos imóveis rurais do País, com uma forte concentração nas regiões Sul e Sudeste.
“Existem outros quase 70 milhões de hectares, dos quais boa parte estão em regiões muito remotas. Eventualmente, são áreas onde não chega a fibra óptica, onde a operadora tem dificuldade de enxergar ou onde o produtor não está disposto a fazer o investimento para colocar uma torre de telefonia celular. Nessas situações, uma conectividade via satélite faz muito sentido”, afirmou à DINHEIRO RURAL Gregory Riordan, diretor digital para América do Sul da CNH Industrial.
Segundo o executivo, hoje em dia, a conexão 4G na frequência de 700 megahertz é a tecnologia mais disseminada no Brasil. Comparativamente à internet via satélite, ela ainda possui um custo de implementação mais em conta, mas requer um investimento inicial mais elevado para instalação de torres de transmissão para suportar a instalação das antenas. “As tecnologias satelitais estão avançando rapidamente. O custo, taxa de transmissão e a latência – tempo de resposta do sinal – estão ficando cada vez mais acessíveis. A relação de custo entre o 4G e o satélite é um valor que ainda precisa ser equacionado, mas que tem se mostrado viável para grandes clientes e em regiões mais remotas como Matopiba. Vamos ter uma cenário mais claro com os resultados do lote piloto de máquinas que começará a operar”, diz Riordan, ao lembrar que, tecnicamente, não existe restrição a nenhuma das duas tecnologias.
Por mais moderna e produtiva que a agricultura brasileira seja, ainda existem muitas ineficiências no campo a serem reparadas. Hoje, as fazendas mais eficientes são aquelas que conseguem coletar e analisar os dados produzidos nas lavouras. Sem conectividade, a forma mais simples de transmitir dados de uma máquina para a central de controle de uma propriedade é pegar um carro, percorrer algumas horas a fazenda, localizar a máquina e recolher um pendrive que ficou exposto o dia todo ao sol para descarregar os dados em um computador da sede, torcendo para que não estejam corrompidos.
Startup leva antenas para regiões agrícolas
Enquanto as operadoras de telefonia tentam avançar isoladamente pelas áreas agrícolas do Brasil, uma startup nacional tenta ocupar um espaço nesse segmento. Com três anos de vida, a Sol, empresa brasileira de telecomunicação e IoT especializada no agronegócio, está perto de levar internet para quase 15% da área de grãos do Brasil. A cobertura da companhia já chega a 12 milhões de hectares dos 78,8 milhões cultivados.
A empresa está em fase avançada de instalação de um lote de 100 torres de telecomunicação em áreas agrícolas, o que levará sua infraestrutura para 450 torres. Em números redondos, 50% dos equipamentos estão distribuídos pela região Centro-Oeste. Outros 25% estão no Sudeste, ficando as regiões Sul e Norte com os 25% restantes.
Parte do Grupo RZK, do empresário José Ricardo Rezek, a startup nasceu em dezembro de 2020 a partir de uma oportunidade identificada internamente. A holding é dona de mais de 100 mil hectares de terras, onde cultiva soja, milho e arroz e ainda reúne um rebanho de 42 mil cabeças. A empresa desenvolveu um modelo de negócios onde atua como uma espécie de matchmaker entre as empresas de telecomunicação e o campo.
A companhia negocia projetos de telecomunicação e gestão de dados com grupos de produção agrícola, que incluem a instalação de antenas de internet para transmissão dos dados coletados no campo. A ideia é permitir um monitoramento em tempo real das lavouras e garantir uma visão detalhada das condições do campo.
Uma revolução tecnológica
Confira a evolução da produção agrícola, que existe desde os primórdios da humanidade. De atividade feita à mão, passou a contar com a ciência até se transformar com a explosão da digitalização no campo
Agricultura 1.0
Atividade ainda feita à mão, sem qualquer tipo de tecnologia, vista muitas vezes como de subsistência e baixa produtividade
Agricultura 2.0
Começou na década de 50, com a aplicação de pesquisa e ciência. É marcada pela chegada das primeiras máquinas mecanizadas, ganhando destaque pela produção em escala, comércio global e uso de insumos
Agricultura 3.0
Entre o fim dos anos 90 e a primeira década dos anos 2000, a agricultura começa a introduzir na atividade a automação das máquinas e os primeiros conceitos de sustentabilidade. É a partir daí que os primeiros dados que contribuem com a produtividade das lavouras começam a ser coletados, permitindo a tomada de decisões mais precisas
Agricultura 4.0
Momento atual vivido pelo setor com a explosão da digitalização. Máquinas começam a se conectar entre si, os dados gerados são transmitidos e analisados com maior velocidade. E a cada dia surgem novas tecnologias que potencializam a produtividade das lavouras e a sustentabilidade do agronegócio.