Mercado de crédito de carbono está em xeque no Brasil
Projeto de lei que regulamenta o tema passou pela Câmara e está no Senado. Investidores desconfiam do rigor do texto em relação a fraudes, o que causaria impacto em mercado com potencial de movimentar US$ 120 bilhões
Por Alexandre Inacio
O mercado de crédito de carbono surgiu como uma solução inovadora para lidar com as mudanças climáticas e uma nova fonte de receita para o Brasil e empresas interessadas em atuar nesse segmento. No entanto, a complexidade de criar um sistema eficiente e a falta de uma regulação clara no País ainda limitam a comercialização dos créditos gerados por aqueles que já se arriscaram na atividade. Para o agronegócio, a emissão dos créditos foi inicialmente vista como uma forma de o produtor remunerar as áreas preservadas e até mesmo evitar que novas áreas fossem abertas para a produção agrícola, ainda que estivessem legalmente passíveis de serem desmatadas.
Hoje, existem dois tipos de mercado.
• O voluntário, em que os emissores dos créditos negociam livremente com empresas interessadas em abater suas emissões.
• Já o regulado ficará vinculado ao Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), que será desenvolvido em cinco fases ao longo de seis anos e terá os títulos ali registrados devidamente regulamentados pelo Estado.
Em dezembro do ano passado, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei (PL 2148/15), que regulamenta o mercado de carbono no Brasil e o texto foi enviado para o Senado.
Em junho, a Subcomissão do Mercado de Ativos Ambientais realizou a primeira audiência e viu os especialistas presentes apoiarem as discussões.
Basicamente, a legislação em análise cria limites de emissões de gases do efeito estufa para empresas.
• As que mais geram emissões deverão compensar essas emissões com a compra de títulos.
• Já aquelas que não atingirem o teto de emissões, terão autorização para venderem esses créditos de carbono para o mercado em geral, no mundo todo.
Os investidores também desconfiam da celeridade da regulamentação do mercado de carbono no Brasil e de como será o texto final do projeto de lei. O principal temor é que a regulamentação em pauta não crie regras rígidas o suficiente para evitar fraudes, o que colocaria em xeque um mercado que tem potencial de movimentar US$ 120 bilhões no País até 2030, conforme estimativas da ICC Brasil (Câmara de Comércio Internacional). Vale lembrar que em junho a Polícia Federal deflagrou a operação Greenwashing em cinco estados. A ação mostrou como o crime organizado está se aproveitando do interesse de grandes empresas em abater suas emissões, oferecendo créditos para compensação sem qualquer tipo de lastro.
Segundo a PF, foi desarticulada uma rede suspeita de ter comercializado R$ 180 milhões em créditos de carbono gerados a partir de duas áreas públicas griladas.
A própria B3 reconhece que a integridade dos créditos é o maior desafio do mercado de carbono no Brasil hoje em dia. Para Cesar Sanches, superintendente de Sustentabilidade da B3, a bolsa poderia impulsionar o setor, oferecendo a infraestrutura necessária e a segurança operacional para o sistema. Mas ainda fica na dependência da regulação. “Somos esse hub e temos a oportunidade de assumir o papel que vai permitir um volume maior de capital nesse mercado com segurança para projetos tão relevantes”, disse.
Mas os problemas vão muito além do Brasil. Uma investigação do jornal britânico The Guardian descobriu falhas em alguns processos de certificação da Verra, maior certificadora de créditos de carbono do mundo. A análise de uma parcela significativa dos projetos da Verra indicou que mais de 90% dos créditos de compensação de florestas tropicais não representavam reduções efetivas de carbono. A situação levou a certificadora a rever seus processos, que anunciou a substituição do seu programa para florestas tropicais até 2025.
Seja no Brasil ou no exterior, o mercado de crédito de carbono ainda gera muitas incertezas, que deixam investidores de todas as partes do mundo cada vez mais afastados.