A liderança do ódio
Por Jorge Sant’Anna
A liderança do ódio ou ideologia do ódio não é de forma alguma um fenômeno contemporâneo. Desde os tempos remotos, sociedades desenvolvidas por vezes são tomadas por uma espécie de delírio coletivo e embarcam em jornadas autoritárias, onde líderes arrebanham multidões de seguidores em defesa das mais absurdas causas.
Desde o século XI, o papa Urbano II adotou esta estratégia contra os muçulmanos e promoveu uma das maiores carnificinas da humanidade: as Cruzadas.
Na sequência de líderes delirantes famosos, temos figuras como Adolf Hitler, que com seu discurso de ódio antissemita e raça pura ariana levou o mundo a vivenciar o maior desastre humanístico da nossa História.
Neste plantel de ditadores, Josef Stalin perseguiu, exilou e assassinou inimigos e aliados. Em 30 anos de poder, cerca de 20 milhões de pessoas pereceram.
Benito Mussolini na Itália perseguiu opositores comunistas e socialistas. Ao se aliar a Hitler, promulgou leis antissemitas, provocando a deportação e morte de milhares de judeus.
Líderes carismáticos, dotados de uma capacidade incomum de retórica, narcisistas, ambiciosos e comumente com histórias pregressas de sofrimento e opressão, surgem em momentos específicos da História e conseguem envolver multidões. Pesquisas realizadas durante os regimes de Chávez e de Maduro revelaram que a maioria da população tinha a percepção de viver em um regime democrático, apesar de os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário já terem sido completamente aliciados e estarem sob controle do mandatário. Fenômeno de ilusão coletiva similar ocorreu na Alemanha nazista, onde Hitler era amado incondicionalmente.
Para se estabelecer, a ideologia do ódio requer não só o surgimento de um grande líder, mas também de um ambiente favorável, que encontre seguidores abertos e prontos para serem cooptados.
Momentos de crise, incerteza e sentimento de injustiça são os elementos fundamentais para o desenvolvimento da ideologia do ódio. Punições sofridas pela Alemanha devido à derrota na I Grande Guerra, associadas às consequências danosas da crise financeira de 1929, colocaram Hitler no lugar perfeito para exercitar seu poder. Sem seguidores, não existem líderes. Especialistas classificam os seguidores em duas grandes categorias: os coniventes e os conformados.
Os coniventes percebem rapidamente o desenvolvimento e crescimento de uma nova onda, realizam os benefícios que podem obter deste processo e passam a apoiar líderes destrutivos de forma intensa. Os seguidores conformados usualmente não têm coragem de enfrentar a liderança destrutiva e acabam por aderir ao novo modelo, muitas vezes de forma fervorosa. Em seu trabalho Teoria do Desenvolvimento Moral, realizado com base na população americana, o psicólogo Lawrence Kohlberg sugere que, em média, 70% das pessoas que costumam respeitar regras sociais e morais também são capazes de comportamentos imorais e até perversos como resposta à autoridade. Ambos os perfis, na verdade, operam baseados no interesse próprio e buscam auferir ganhos com o novo regime.
Ataque a minorias, incentivo à divisão, negação da verdade e da ciência, criação de inimigos imaginários, apelos emocionais irreais e utilização massiva de informações falsas são sinais claros dos mecanismos que movem a liderança do ódio. Seja em que nível for, temos que estar atentos e combater este mal ancestral capaz de minar o espírito de tolerância, respeito e a própria democracia.
Por diversas formas, a liderança do ódio também chega às corporações. Segundo matéria no The Wall Street Journal, o todo poderoso CFO da Enron Corp., Andrew Fastow, tinha sobre sua mesa uma placa de acrílico com a seguinte frase em tradução livre: “Quando a Enron diz que vai tirar seu sangue, ela vai, literalmente, tirar seu sangue”. Não é necessário dizer como tal intimidação terminou.
Jorge Sant’Anna é diretor-presidente e cofundador da BMG Seguros e membro do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Bancos