Mais um voo de galinha?
Apesar dos recentes dados favoráveis na economia, o governo Lula desperdiça oportunidades e investe em políticas que já deram errado
Por Marcos Strecker
Os números relativamente favoráveis do PIB (alta de 1,4% em junho, pelo IBC-Br), os recordes seguidos do Ibovespa (acima dos 136 mil pontos) e o recuo do dólar nos últimos dias (ensaiando voltar à faixa de R$ 5,40) deram um alívio para o clima de pessimismo que vinha tomando conta do mercado. Com a cada vez mais provável queda dos juros americanos, em decisão a ser sacramentada pelo Fed no próximo mês, já há, ao contrário, quase um cenário de discreta euforia. Mas até que ponto esse otimismo vai se manter?
O ministro Fernando Haddad sapeca comentários à boca pequena para jornalistas dando conta de um crescimento irrefreável que afinal vai redimir o governo Lula de tanta incerteza. É da natureza do cargo e da função política. Faz parte da “job description”, por assim dizer. Já a opinião dos operadores do mercado, resumida no Boletim Focus, do Banco Central, aponta que persistem os velhos problemas: a inflação não cederá (o IPCA deve acumular 4,22% este ano) e a Selic, como consequência, deve permanecer em 10,50% até o final do ano, frustrando a expectativa governista de queda de juros e mais espaço para a economia decolar.
“A ambição é o último refúgio do fracasso”, dizia Oscar Wilde. Aos poucos, o governo Lula vai reacomodando as forças políticas que estavam em convulsão, atraindo o centro de gravidade do poder de volta para o Executivo, turbinando um STF cada vez mais alinhado ao Planalto e domando a fúria dos parlamentares por emendas e verbas. Como uma metamorfose ambulante, Lula começa a realizar novamente sua mágica de converter os contrários e fortalecer seu grupo político, reabilitando políticas fracassadas e normalizando práticas reprováveis.
Tome-se o caso da Petrobras. A petroleira que simbolizou a megalomania intervencionista e o aparelhamento político deslavado (alô, Nicolás Maduro) hoje está novamente abrigando petistas à farta em suas diretorias, recomprando refinarias recém-privatizadas e investindo em projetos que foram símbolo de desperdício e irracionalidade econômica, como a notória Abreu e Lima (PE). Até a volta do investimento no exterior já entrou no radar, pois a lição da aquisição estapafúrdia de uma refinaria inviável no Texas já foi esquecida. Ou tome-se o solapado Marco do Saneamento, que finalmente tiraria o País de índices vexatórios e medievais de atendimento à saúde do cidadão. Foi um dos primeiros alvos da nova gestão, e só sobreviveu (deformado) depois de muita pressão, ainda que permaneça ameaçado.
O talento de ilusionista do presidente já conseguiu dar ares de responsabilidade fiscal para uma gestão que promove gastos públicos sem freios, e que se escora em um Arcabouço Fiscal cada vez mais desacreditado. O truque agora é raspar o tacho de todas as verbas disponíveis para fechar as contas este ano, inclusive de depósitos judiciais, mesmo sendo claro para todos que não há equilíbrio à vista.
Diferentemente do discurso oficial, há uma enorme boa vontade com o governo Lula. Mas quem olha friamente para o rumo econômico do País tem razões para enxergar nuvens carregadas no horizonte, ao invés de uma pista livre para alçar voo. As reformas que deram mais otimismo e destravaram os negócios nos últimos anos estão em risco: autonomia do Banco Central, gestão profissionalizada das estatais, estímulo à concorrência, agências reguladoras fortalecidas, abertura para os investimentos privados e mercado de trabalho mais moderno. Para ficar nos exemplos mais recentes, a histórica Reforma Tributária, aprovada com festa há pouco mais de seis meses, está emperrada e corre um risco cada vez maior de ser desfigurada, eternizando vícios e privilégios. E o novo PAC, panaceia de investimentos dos governos petistas para levar o Brasil ao mundo desenvolvido, vira em sua nova encarnação um símbolo da incapacidade gerencial anacrônica e da miopia desenvolvimentista.
Há pouco mais de dois anos, o economista Marcos Lisboa escreveu um interessante artigo na Folha de S.Paulo sobre essa incapacidade de o País aprender com os seus erros. O título: “Compromisso com o atraso”. Na mesma época, Lisboa estimulou a publicação de um importante livro organizado pelo economista Marcos Mendes: “Para não esquecer – Políticas públicas que empobrecem o Brasil”. É um compêndio do que não se deve fazer. Ou melhor, das oportunidades que o País desperdiça, já que deixa de aprender e superar os obstáculos que impedem o desenvolvimento. Infelizmente, esquecer os grandes equívocos do passado parece ser uma sina. Mas tudo vai bem e futuro está logo aí, como dizia Oscar Wilde.
Marcos Strecker é jornalista, diretor do Núcleo de Negócios da Editora Três (ISTOÉ DINHEIRO, DINHEIRO RURAL e MOTOR SHOW)