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A guerra com as agências reguladoras

Crédito: Ton Molina

Carlos José Marques: "Episódios começaram há pouco mais de uma semana. Inicialmente através da voz do ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, que reclamou sem papas na língua da falta de agilidade da Aneel" (Crédito: Ton Molina )

Por Carlos José Marques

O governo resolveu abrir um novo flanco de briga, agora com as agências reguladoras de setores estratégicos para o País – até parece que o Planalto não acha suficiente a quantidade de rusgas que já coleciona junto ao Congresso, ao Supremo, ao Banco Central, com empresários, banqueiros e quetais. A nova rinha, em síntese, recai sobre o que o governo mais uma vez considera autonomia demasiada desses órgãos. É sempre assim: qualquer estrutura que tente funcionar sem a tutela do Executivo vira automaticamente alvo de críticas abertas, na maior parte dos casos manifestadas diretamente pelo presidente Lula.

Os episódios começaram há pouco mais de uma semana. Inicialmente através da voz do ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, que reclamou sem papas na língua da falta de agilidade da Aneel, responsável pelos processos contra operadoras que têm fornecido serviços precários e deficientes de energia. Logo após, Lula bateu forte na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em virtude de uma suposta demora para analisar e liberar novos remédios. Foi retrucado à altura. O almirante Barra Torres, que comanda a instituição, tomou as dores. Para o mandatário, a Anvisa só iria se mexer quando “algum parente de um companheiro de lá” morresse devido à falta de remédio que já podia estar sendo produzido aqui. Nas palavras do almirante, “equivoca-se o orador ao colocar a população contra a Anvisa”. A troca de queixas não caiu bem. O caldo segue azedo e já há nos corredores dos ministérios quem aponte que a troca de comando ali venha rápida. Para Barra Torres, a fala de Lula foi “entristecedora, agressiva e aviltante”. No mesmo tom, a Aneel emitiu um documento para contrapor as acusações do ministro Silveira. Falou da importância de sua “atuação autônoma” e concluiu alegando que quem deve fiscalizá-la é o Tribunal de Contas da União (TCU), e não a pasta do ministro.

Na soma desses entreveros, Lula & cia deixam escapar que não engolem qualquer menção à ideia da independência institucional. Comportamento habitual de pregadores do conceito de toda força ao Estado. É quase um script de reações, já adotado anteriormente sobre a propalada liberdade do Banco Central para estabelecer a política monetária conforme seus próprios preceitos. Lula não engoliu Roberto Campos Neto e, provavelmente, já nutre o mesmo sentimento pelo almirante Barra Torres. Esse comportamento sistêmico de ataques a quem contraria o modelo estatizante petista é corriqueiro. Lamentavelmente, o partido e seus gestores não evoluíram nada nesse aspecto. O líder do governo no Senado, Jacques Wagner, reiterando o mal-estar federal, apontou que “as agências reguladoras foram tomadas por interesses políticos”. Importante mostrar que tipo de interesses seriam esses. Avançando um passo além, Lula resolveu estabelecer decreto que representa um passo a mais na sua estratégia de rever a regulação no País. A medida trouxe temores fundamentados de que estão sendo abertos caminhos para interferir na autonomia. O decreto estabeleceu a chamada “Estratégia Regula Melhor”, com o argumento de difundir boas práticas. Já se sabe no que isso vai dar.