Computação neuromórfica: o início da jornada das máquinas pensantes

Os sistemas neuromórficos prometem levar a IA ao próximo nível. A tecnologia, que parece ter saído de um livro de Asimov ou Bradbury, está deixando o laboratório e logo deve estar por aí, com potencial de transformar o mundo como o conhecemos

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Luís Guedes: "A computação neuromórfica está se desenvolvendo sobre conjuntos integrados de hardware e software que emulam as redes neurais do cérebro" (Crédito: Divulgação)

Por Luís Guedes

Imagine um mundo onde o seu smartphone não apenas responde aos seus comandos de voz, mas os antecipa, pois se adaptou aos seus hábitos e até aprendeu com seus erros, afinal você não fica quase nunca longe dele (isso hoje, não no futuro…). A semelhança intencional com o que o cérebro faz não é enredo de ficção, mas para onde aponta uma tecnologia que vem sendo desenvolvida há algum tempo e tem nome imponente: computação neuromórfica. A tecnologia, que parece ter saído de um livro de Asimov ou Bradbury, está deixando a bancada do laboratório e logo deve estar por aí, com potencial de transformar (mais uma vez) o mundo como o conhecemos.

Afinal, o que é exatamente isso? Em essência, essa tecnologia se inspira no que a natureza produziu de mais complexo até hoje: o cérebro humano. Tradicionalmente, os computadores operam a partir de um conjunto limitado de instruções, tratadas pelos processadores uma a uma. Esse arranjo é eficiente para muitas tarefas, mas pouco adaptável. Nossos cérebros, por outro lado, são processadores massivamente paralelos, incrivelmente eficientes, que lidam com padrões complexos, aprendem com a experiência e tomam decisões em tempo real, mesmo quando bombardeados com uma quantidade muito grande de informações.

A computação neuromórfica está se desenvolvendo sobre conjuntos integrados de hardware e software que emulam as redes neurais do cérebro. Esses sistemas utilizam neurônios e sinapses artificiais e, ao contrário dos chips convencionais, neles os processadores neuromórficos não executam instruções fixas, mas são constituídos para evoluírem, adaptando-se ao contexto e aprimorando sua performance ao longo do tempo. Não sei você, mas isso me assusta um pouco.

Em dando certo, as aplicações são praticamente ilimitadas. Considere os sistemas de IA atuais que, embora impressionantes, são devoradores vorazes de energia. Eles podem reconhecer rostos, vencer campeões mundiais de xadrez e ajudar articulistas de revistas de negócio a escrevem seu texto, mas o fazem de uma maneira fundamentalmente diferente da cognição humana. No entanto, os sistemas neuromórficos prometem levar a IA ao próximo nível, onde as máquinas aprendem com pequenas quantidades de dados, reconhecem padrões em ambientes caóticos e operam com uma eficiência energética que rivaliza com a do cérebro humano.

Uma IA neuromórfica poderá analisar imagens médicas com o conhecimento e a intuição de um radiologista experiente, mas com a velocidade e precisão de um Fórmula 1. Para além da necessária discussão ética, um sistema como esse poderia identificar sinais precoces de doenças em escala impossível se dependesse somente de olhos humanos.

Construir um hardware que replique a operação do cérebro é uma tarefa monumental e, para além disso, o desenvolvimento de algoritmos neuromórficos exige uma mudança sísmica na forma como pensamos sobre programação e computação.

Sejam quais forem os obstáculos, o impulso da computação neuromórfica é gigante e já foi dado. A corrida para construir o primeiro computador neuromórfico totalmente funcional é um dos desafios tecnológicos mais importantes do nosso tempo.

Luís Guedes é professor da FIA Business School