Prisão do fundador do Telegram gera turbulência internacional; entenda
Fundador da plataforma é preso sob acusação de cumplicidade com pornografia infantil, tráfico de drogas, entre outros delitos. Sua possível condenação representa o aumento do cerco mundial contra app a serviço do crime
Por Jaqueline Mendes
Seja para divulgação de decapitações do Estado Islâmico, para propaganda de kit-Covid a base de vermífugo no Brasil, para propagação de ideologias neonazistas ou para crimes eleitorais nos cinco continentes, o Telegram se tornou uma eficiente ferramenta. E tudo isso não foi sem querer, segundo investigações no mundo todo. No sábado (24), o milionário russo Pavel Durov, fundador do app, foi detido logo após aterrissar com seu jatinho no aeroporto Le Bourget, em Paris. Durov tem uma longa história de recusar colaborar com investigações, o que levou à sua prisão sob a acusação de não fornecer informações sobre atividades criminosas que ele mesmo pode estar envolvido – ou por supostamente fazer vistas grossas. Aos 39 anos, Durov tem uma fortuna estimada pela revista americana Forbes em US$ 15,5 bilhões, aproximadamente R$ 85 bilhões. Ele criou o Telegram em 2013 com o irmão Nikolai Durov, que é matemático e programador.
A prisão de Durov gerou controvérsia, com críticas vindas de figuras como Elon Musk e Edward Snowden, que veem o ato como uma violação da liberdade de expressão. A repercussão foi tão grande que o presidente francês, Emmanuel Macron, precisou esclarecer que a detenção não foi motivada por razões políticas, mas sim por uma investigação judicial em curso. “Nas redes sociais, como na vida real, as liberdades são exercidas dentro da lei para proteger os cidadãos e respeitar seus direitos fundamentais”, escreveu Macron no X, denunciando informações falsas espalhadas sobre a prisão de Durov.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, também comentou o caso, afirmando que a medida contra Durov exige “evidências sérias” para não ser vista como uma violação à liberdade de comunicação. Dependendo das provas apresentadas pela França, o caso pode se tornar um marco no direito internacional, reforçando a ideia de que a liberdade tem limites, especialmente quando o crime está envolvido. “A prisão de Durov dias depois da saída do X [ex-Twitter] do Brasil reforçam o conflito de visões existentes nos limites da liberdade de expressão”, afirmou o cientista político e doutor em direito internacional Daniel Borges.
Durov adota um conceito de liberdade irrestrita, especialmente em relação aos chats privados do Telegram, que são criptografados de ponta a ponta e onde a empresa não interfere no conteúdo. Essa postura gerou críticas, especialmente em casos envolvendo crimes como pornografia infantil.
Após a prisão de Durov, o Telegram declarou que segue as leis da União Europeia e que culpar o CEO pelo conteúdo transmitido na plataforma é descabida. “É absurdo afirmar que uma plataforma ou seu proprietário são responsáveis pelo abuso dessa plataforma. Estamos aguardando uma resolução rápida desta situação”, disse a nota divulgada.
ATRITOS NO BRASIL
Com 950 milhões de usuários, o Telegram não é apenas um serviço de mensagens, mas uma rede social com receita proveniente de assinaturas premium e publicidade. No Brasil, a versão premium custa R$ 15,90 por mês. A natureza híbrida do Telegram tem sido o ponto central dos conflitos com autoridades, como no caso do Brasil em 2023, quando o ministro Alexandre de Moraes ameaçou bloquear o aplicativo após uma mensagem publicada no canal oficial da empresa criticar o projeto de lei das fake news.
Não bastasse os problemas que Durov terá de enfrentar na Justiça da França, uma mulher que estava com o CEO do Telegram durante o fim de semana desapareceu após a detenção do empresário na França. Supostamente namorada de Durov, a investidora Juli Vavilova, de 24 anos, despertou curiosidade nas redes sociais depois de compartilhar várias fotos ao lado de Pavel Durov. No entanto, após a prisão de Durov, a família de Vavilova relatou que não teve mais notícias da jovem.
Apesar da reputação negativa do Telegram, a plataforma também tem um lado bom. O app tem sido uma ferramenta importante para a resistência ucraniana contra a invasão russa. Durov se apresenta como um defensor das liberdades, e a criação do Telegram em 2013 surgiu em meio à pressão das autoridades russas para que ele entregasse informações de opositores que usavam o Vkontakte, uma rede social russa também fundada por ele.