A revolução dos livros nas empresas
Assistimos a um despertar de interesse por abordagens heterodoxas que possam trazer subsídios para o enfrentamento da pandemia de transtornos psíquicos que vivemos. O reconhecimento da literatura como um remédio se firma de maneira poderosa
Por Dante Gallian
Já faz mais de uma década que venho, por meio da metodologia do Laboratório de Leitura, usando os clássicos da literatura como ferramenta para sensibilizar líderes, gestores e colaboradores no ambiente corporativo. A partir de uma experiência que surgiu há mais de vinte anos na Escola Paulista de Medicina da Unifesp, como recurso humanístico para promover a humanização na saúde – iniciativa, aliás, que gerou uma robusta linha de pesquisa que já produziu quase uma centena de trabalhos publicados em revistas científicas nacionais e internacionais de alto impacto –, não tardou para que se percebesse a pertinência de expandir a sua aplicação para outros territórios, sobretudo o do mundo empresarial. A justificativa na ocasião foi a demanda por humanização, temática muito propalada na área da saúde, mas que muito rapidamente foi adotada pelo meio corporativo. Desde então, fomos, não com pouca dificuldade, convencendo líderes e gestores de recursos humanos sobre o quanto a leitura e a discussão de livros de ficção – especialmente os clássicos – poderiam ser um instrumento eficaz para gerar reflexão sobre temas mais profundos e abrangentes; temas que, para além do técnico, desaguavam nas questões essenciais do ser humano.
Na fase inicial do nosso projeto, anterior à pandemia, logramos conquistas muito significativas, principalmente em empresas onde lideranças estratégicas, sensibilizadas com o poder transformador da leitura, compreenderam a importância e constataram a eficácia da proposta. Por meio do apoio e acolhimento de uma importante escola de negócios, tivemos a oportunidade de chegar em organizações de renome e alcançar um significativo impacto. Entretanto, é indiscutível que depois da pandemia algo mudou. A exacerbação dos problemas da saúde mental que se seguiu à traumática experiência da Covid fez com que muitos líderes que antes não se preocupavam tanto com a temática “humana” no ambiente de trabalho começassem a rever suas prioridades. Assim, assistimos a um verdadeiro despertar de interesse por abordagens heterodoxas que possam trazer subsídios para o enfrentamento dessa nova pandemia de transtornos psíquicos que vivemos. Neste contexto, o reconhecimento da literatura como um remédio vai se firmando de maneira poderosa.
O principal indicador de que a literatura chegou para ficar e ocupar cada vez mais espaço no âmbito da formação e cuidado no ambiente corporativo, contudo, não é tanto a maior compreensão e adesão por parte das lideranças, mas sim a postura cada vez mais acolhedora, sensível e, por que não dizer, emocionada dos colaboradores que participam desses encontros que discutem as questões essenciais da humanidade a partir dos livros. Percebe-se que a literatura apresenta-se como um recurso incomparável para trazer à tona muitos dos dramas, medos, vulnerabilidades, assim como sonhos, ideais e desejos que de outra forma não pareciam possíveis de serem compartilhados no ambiente de trabalho. De repente, vai-se descobrindo que o espaço de trabalho, presencial ou online, pode também ser um espaço promotor de saúde, ao mesmo tempo em que amplia a cultura pessoal e suscita o autoconhecimento. Estamos assistindo a uma verdadeira revolução existencial no mundo corporativo, e a grande arma desta revolução são os livros.
Dante Gallian é doutor em História pela USP, coordenador do Laboratório de Leitura da Escola Paulista de Medicina e autor de “Responsabilidade humanística — uma proposta para a agenda ESG” (Poligrafia Editora)