Educação

“As empresas estão mais preocupadas em não fazer o errado do que em fazer o certo”, diz David Plink, do Top Employers Institute

Pesquisa global realizada pela consultoria identificou as cinco principais tendências na relação entre corporações e funcionário e constatou que reter talentos não é mais suficiente. As companhias precisam abraçar o senso de pertencimento e inclusão

Crédito: André Lessa

David Plink, CEO do Top Employers Institute: "As pessoas hoje em dia esperam que a empresa tenha um propósito autêntico e incrível" (Crédito: André Lessa)

Por Alexandre Inacio

O holandês David Plink, CEO do Top Employers Institute, esteve no Brasil na semana passada para participar de um evento voltado para a área de recursos humanos de empresas. Em sua palestra, falou sobre o futuro do mercado de trabalho e apresentou as principais tendências envolvendo a relação entre corporações e seus funcionários, identificadas no relatório World of Work Trends 2024. Em entrevista à DINHEIRO, o executivo apresentou os cinco principais tópicos que as maiores multinacionais do mundo estão adotando em seu dia a dia. Em janeiro de 2025, a DINHEIRO divulgará com exclusividade a relação das empresas Top Employers do Brasil, uma lista preparada anualmente pelo instituto que certifica as boas práticas de recursos humanos adotadas pelas companhias.

DINHEIRO — Quais foram os principais insights que vocês identificaram no último relatório sobre as tendências do mercado de trabalho no mundo?
DAVID PLINK — Bem, o que é importante entender primeiro é que o relatório é baseado em auditorias que realizamos com as áreas de recursos humanos em cerca de 2.500 empresas anualmente em todo o mundo. Aqui no Brasil temos 71 participantes. A partir de todas essas conversas que temos na validação, chegamos a conclusões que levam ao relatório de tendências do universo do trabalho. Agora, se olharmos para os principais pontos que surgiram este ano, percebemos uma espécie de aprofundamento de algumas tendências que já vimos anteriormente. A primeira é que as empresas estão se empoderando e empoderando seus funcionários através da IA. A segunda é avançar a empresa através de seu propósito. O propósito tem sido um fator importante ao longo do tempo, vem surgindo há muitas décadas. Mas agora você realmente vê que estão se aprofundando, estão se comunicando mais sobre isso e, essencialmente, incentivando seus funcionários a abraçarem o propósito e, assim, dar o melhor de si para a empresa. Em terceiro lugar, há uma tendência em torno do bem-estar, em praticamente todas as áreas do trabalho, como emocional, mental, física, financeira, espiritual. Agora, as empresas estão fazendo escolhas mais refinadas para garantir que ofereçam apenas aquelas práticas de bem-estar que são realmente usadas e necessárias.

E quais as outras duas tendências?
A quarta tendência é em torno da escuta, escutar seus funcionários. Mas isso está indo mais para um diálogo real. Então, não é apenas enviar uma pesquisa e ouvir, mas realmente entrar em diálogo também sobre a estratégia da empresa e seus valores. Portanto, há uma mudança de escuta para o diálogo. E, finalmente, a quinta tendência é a ampliação da diversidade, equidade e inclusão. Não é apenas olhar para demografia, idade, gênero, orientação sexual, deficiência e outros aspectos. Na verdade, é ampliar isso e, por exemplo, olhar para elementos como neurodiversidade, como atrair pessoas que veem o mundo e processam informações de maneira diferente. Então, isso é algo que também vemos com mais ênfase.

“A Inteligência Artificial sozinha não vai substituir seu trabalho. Seu trabalho será substituído por alguém usando a Inteligência Artificial. Sempre haverá um componente humano nesse processo’’

Entre todas essas tendências, a IA talvez seja o mais novo dos tópicos. Ela pode ser considerada a que se desenvolve mais rapidamente?
Acredito que a IA é o tópico mais recente, porque comunicação, inclusão e diversidade também podem ser novos. Mas, sim, falando sobre tecnologia, a IA é o nome. Definitivamente é a novidade, o que também a torna um dos elementos mais empolgantes do ponto de vista de RH. O que vemos é que as empresas estão colocando mais estruturas éticas em prática. Então, o que é ético? Moralmente certo em termos de IA? Sabemos que a IA muitas vezes tem viés de gênero, de etnia. Temos visto um esforço para garantir que a aplicação da IA seja feita de forma ética. Além disso, algo que vemos é o foco na experiência do funcionário, porque se a tecnologia está substituindo alguns dos papéis, tornando as coisas mais fáceis, você também tira um senso essencial de realização. As melhores pessoas para julgar a IA são aquelas que a utilizam. Vemos isso acontecendo em muitos dos melhores empregadores. Nós mesmos incentivamos isso em nossa empresa, para que nossos funcionários, ao usarem essas ferramentas, sejam proficientes nela, a fim de entender o impacto e suas ramificações. A IA pode ajudar as pessoas, mas você não pode acreditar que essa tecnologia funciona sozinha. É necessário o contato humano para fazer essa seleção, para conversar com as pessoas. A IA não substituirá seu trabalho. Alguém usando IA substituirá seu trabalho. Sempre haverá um componente humano.

O relatório de vocês destaca a importância das relações humanas no trabalho, denominador que se perdeu um pouco com o chamado trabalho remoto. Caminhamos para um retorno ao presencial?
Eu acho que há diferentes empresas que estão voltando para um ambiente exclusivamente de escritório. E vemos grandes casos e, às vezes, exemplos muito ruins também de empresas que estão aplicando isso. Acho que os benefícios do trabalho remoto não podem mais ser ignorados, mas é preciso encontrar um equilíbrio entre a interação humana, a interação face a face, que é combinada com o trabalho remoto. Acho que sempre precisa haver um equilíbrio e também, mais uma vez, justiça. Na nossa empresa, empregamos quase 2.500 pessoas, e acho que cerca de 20% a 25% trabalham em um local bem distante de um dos nossos centros. Para tornar isso justo, precisamos dar a elas a oportunidade também de interagir com pessoas no mundo real. Uma coisa que vimos durante o primeiro ano e meio da pandemia é que as pessoas que entraram na nossa empresa e trabalharam apenas remotamente tinham uma taxa de rotatividade maior. Nós as perdemos mais rapidamente porque havia menos conexão. Se você trabalha online o tempo todo, tem menos conexão com as pessoas. No final, acredito que temos que buscar um equilíbrio saudável, e isso é algo difícil de alcançar. Por outro lado, encontramos ótimas pessoas em locais que não considerávamos antes. Passamos a ter um pool adicional de talentos. Mas também cabe a nós garantir que elas sintam esse mesmo senso de pertencimento. Nós, como humanos, somos criaturas sociais, gostamos de estar juntos.

Você falou em propósito. Encontrar pessoas que tenham o mesmo propósito que a empresa é utópico?
As pessoas hoje em dia esperam que a empresa tenha um propósito autêntico e incrível. Que não seja apenas um slogan na parede, no relatório anual, em seu site. Quando o propósito começou a se tornar mais relevante, a Apple foi boa nisso com o “Think Different”. Era a campanha deles, mas também o propósito da empresa: ser realmente diferente. E eles garantiram que isso fosse vivido por todos, que fosse visível. Isso atraiu certas pessoas, e aí os dois propósitos, o pessoal e o da empresa, começaram a se sobrepor. Não acho que você deva dizer às pessoas: “Ei, este é o nosso propósito, você tem que adotá-lo e segui-lo”. Acho que se você for claro sobre o seu propósito, se ele é autêntico, isso é comunicado por líderes, gerentes e todos na empresa. Isso atrai pessoas. Vimos isso em nossa própria experiência ao longo do tempo, quando nos tornamos mais vocais sobre o nosso propósito. Atraímos um tipo diferente de pessoas, de maior qualidade, que vieram de grandes organizações e que, na verdade, disseram: “Não quero trabalhar apenas para aumentar o valor para os acionistas, quero fazer algo que realmente ressoe comigo, e por isso quero me juntar”.

“Você vê que os jovens empregados da geração Z esperam fazer parte das decisões. Lá atras, quando nós entravámos nas empresas, não havia como influenciar a política e a estratégia da companhia’’

Recentemente, grandes empresas anunciaram mudanças em suas políticas ESG, revendo alguns aspectos relacionados especialmente à inclusão. Existe o risco de vermos retrocessos nessa área?
Elas receberam uma reação negativa de seus clientes fiéis, que as acusaram de serem “woke” e estarem ficando diversificadas demais. Acho que é uma dinâmica estranha. Isso se encaixa na tendência que vemos, em que as empresas estão mais preocupadas em não fazer algo errado do que inclinadas a fazer algo certo. Isso, na discussão sobre diversidade e inclusão, é bastante arriscado, porque as empresas estão realmente focadas em “precisamos ter um banheiro neutro em termos de gênero, porque, caso contrário, estamos fazendo algo errado”. Precisam marcar caixinhas em vez de realmente abraçar o senso de pertencimento e inclusão, independentemente de qual seja a orientação sexual ou qualquer outra característica demográfica envolvida. No passado, os funcionários estavam mais inclinados a aceitar a cultura e as regras da empresa e simplesmente seguir em frente. Mas agora, com mais opções de trabalho, especialmente com o trabalho remoto, os funcionários estão mais propensos a exigir que as empresas atendam às suas necessidades e valores. E isso inclui diversidade, flexibilidade e equilíbrio entre vida pessoal e profissional. As empresas que não se adaptarem a isso verão uma diminuição na retenção de talentos. Aquelas que optarem por não promover essas práticas podem enfrentar uma reação negativa dos clientes e, eventualmente, isso pode afetar suas vendas. No entanto, o impacto exato disso pode variar dependendo de muitos fatores, como o tipo de produto que oferecem e o perfil dos seus clientes.

É possível dizer que a expressão “reter talentos” está superada, que o foco agora seja fazer esse talento “pertencer”?
Acho que é importante lembrar que as mudanças culturais nas empresas levam tempo. Não é algo que acontece da noite para o dia. Com o tempo, as empresas que se dedicam a essas mudanças verão os benefícios em termos de engajamento dos funcionários, inovação e, eventualmente, sucesso comercial. E para fazer isso da maneira certa, você precisa manter o indivíduo empoderado para fazer suas próprias escolhas. Acho que esse senso de pertencimento, novamente impulsionado pelo propósito, vai ser algo muito importante nos próximos anos. Você vê que os jovens empregados da geração Z esperam fazer parte das decisões. Quando nós entramos nas empresas para as quais trabalhamos, quando eu entrei no mercado de trabalho, não havia como eu influenciar a política e a estratégia da empresa. Tinha que ouvir e executar. Mas, agora, as gerações mais jovens esperam fazer parte dessa conversa. E o fato é que elas provavelmente tornarão a estratégia mais eficaz, a inovação mais rápida e o processo melhor. Mas isso requer um estilo de liderança diferente.