Conta de luz: seca deve pesar no bolso do consumidor
Apagões, secas, estiagem. O cenário não é nada bom e, além do bolso do consumidor, a conta também será cobrada na inflação de setembro
Por Paula Cristina
Vivendo a pior seca da história recente, o Brasil atravessa um período complicado quando o assunto é energia. Com forte estiagem em todas as regiões do País, a estimativa de baixa nas águas deve seguir até, pelo menos, novembro, e acendeu o sinal vermelho para a capacidade de manutenção do atual sistema de abastecimento energético. E ainda que apagões permaneçam fora do radar até o momento, a crise energética pode ter um efeito bastante significativo na economia nacional — e no bolso dos contribuintes. Em 2021, última crise energética grave, a seca provocou um aumento de 21,21% na energia elétrica residencial e jogou o IPCA a 10,06%, maior nível desde 2015. Diante de tal histórico, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou à DINHEIRO que as situações são diferentes. “Nem este ano, nem em 2025, vamos viver algo semelhante ao visto em 2021. As condições de abastecimento são distintas.”
Ainda que à época o Brasil atravessasse a pandemia, e a demanda energética estivesse alta, os efeitos econômicos de um aumento da tarifa hoje pode ser a diferença entre fechar o ano, ou não, dentro da meta inflacionária. A estimativa do economista da FGV André Braz, é que, com a bandeira vermelha 1 confirmada, a pressão na inflação do Brasil gire em torno de 0,2 ponto percentual (ante aos 0,4 ponto percentual estimado caso entrasse em vigor a bandeira vermelha 2).
Com isso, o encarecimento na conta de energia no bolso dos brasileiros deve girar em torno de 5%, ante aos 10% estimados com a bandeira vermelha 2. A estimativa é que tarifa coloque um peso na de 0,25 ponto percentual ao IPCA deste mês. Se confirmado, a inflação fecharia setembro em algo em torno de 0,56% — o que poderá ser decisivo para o Copom, em novembro, elevar a Selic e controlar a atividade econômica em prol da política monetária.
Antecipando tal cenário, um peso enorme recai nos ombros de Silveira, que foi o primeiro a dizer, quando a bandeira vermelha 2 foi anunciada, que caberia uma reavaliação da decisão. O ministro se referiu a uma inconsistência notificada pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) no último dia 31 e que, no dia 4 de setembro, resulvou na revisão de bandeira vermelha 2, para 1. A CCEE entendeu que houve erro no cálculo de despacho de uma usina.
5%
é a previsão de aumento do valor da energia no brasil, com a confirmação da bandeira vermelha 1
84%
da oferta de energia no Brasil é proveniente de fontes renováveis, a maior parte hidrelétrica
28%
da energia no mundo vem de fontes renováveis, meta para 2030 é subir o número para 50% até 2030
Silveira reforçou ainda que a conta que recebe os valores pagos a mais na conta de luz está superavitária — o que também permitiria uma revisão para níveis menores de cobrança. “Se quisermos usar os recursos da conta bandeira, nós podemos inclusive adiantar e manter a bandeira verde ou amarela por algum tempo.” Mas ele sabe que não é possível arriscar demais. “O equilíbrio é fundamental porque ninguém tem segurança da duração da baixa. É importante que a gente tenha o equilíbrio entre o saldo da conta bandeira, e entre a recepção e o despacho das nossas térmicas”, declarou.
Ele, no entanto, disse que ainda não há cogitação de ser necessário acionar usinas termelétricas mais caras que as que já estão sendo despachadas atualmente. “Todos os instrumentos para manter a segurança energética têm que estar disponíveis ao Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico [CMSE]. Hoje, não há nenhuma necessidade de nenhum despacho que venha a aumentar a conta de energia do Brasil”, declarou.
IMPACTOS
Seja pela seca, ou por questões técnicas de empresas estatais e privadas, o fato é que há um problema generalizado na condução do abastecimento de energia no Brasil. Ainda que haja por aqui uma ampla oferta de energia renovável, com 84% da oferta, contra 28% na média mundial, o tamanho continental do Brasil é um grande desafio. Silveira, inclusive, reconhece. “Nosso desafio é encontrar o equilíbrio entre modicidade tarifária e segurança energética”.
Para Emerson Carvalho, especialista em transição energética e professor da Unicamp, o problema é que o Brasil não consegue avançar de forma contundente com as alternativas à energia gerada por hidrelétricas. “As energias eólicas, ou solar, ainda são ridiculamente incipientes”, disse. Pelas pesquisas do acadêmico, no ritmo atual, seriam necessárias três décadas de crescimento para que tais modalidades possam representar algum nível de segurança. “Pelas projeções climáticas, até lá, a viabilidade de mais de 80% da matriz ser hidráulica é próxima de zero”, disse.
Sobre o comportamento da geração renovável, Alexandre Silveira reconheceu que, apesar do “custo acessível”, essas alternativas “ainda não dão segurança” que o sistema precisa. “Há trabalhos consistentes do governo de médio e longo prazo, e eles serão importantes no futuro. Mas agora precisamos resolver os problemas que se impõem”, disse.
Para explicar a dificuldade com as energias renováveis, um exemplo prático. A geração solar deixa de entregar repentinamente, ao pôr-do-sol, cerca de 30 GW, momento em que o sistema registra pico de consumo, por volta das 18h, em dia útil. O mesmo vale para os ventos e, talvez em um futuro não tão distante, para a água — basta olhar para a seca que assola Manaus hoje.