Regenerar é desafio central em ESG

Crédito: Divulgação

Ricardo Voltolini: "Regenerar significa exceder o estágio do 'deixar de prejudicar'" (Crédito: Divulgação)

Por Ricardo Voltolini

Esqueça os rótulos, deixe de lado as siglas. Concentre-se no essencial. A esta altura do campeonato da humanidade, a empresa que não compreendeu dois pontos ainda não aterrissou no século XXI. Primeiro, em tempos de emergência climática, escasseamento de recursos naturais e aumento de desigualdade, o esforço de perenizar negócios passa por ser percebida como parte da solução (e não do problema) para os grandes dilemas socioambientais da humanidade, produzindo valor para os stakeholders, não apenas acionistas. Segundo, de acordo com essa nova lógica, o lucro cada vez mais admirado será aquele que derivar de uma ação empresarial ética, transparente, íntegra, respeitosa em relação às pessoas e ao meio ambiente.

Não importa se você acredita mais ou menos em sustentabilidade/ESG. É fato incontestável que o modelo do business as usual está gastando mais recursos do que a natureza é capaz de repor. Neste 2024, não por acaso, o chamado Dia da Sobrecarga do Planeta (momento em que o uso pela humanidade dos recursos naturais excede a capacidade da Terra de renová-los)chegou no dia 1º de agosto, um dia antes do que no ano passado. Até mesmo os investidores mais céticos já entenderam que abusar do “cartão de crédito ambiental” comprometerá o futuro das próximas gerações.

A esta altura do jogo, importa pouco se as empresas se casaram com o ESG, sem amor e por interesse, apenas para agradar investidores. Conta mais se, querendo fazer alguma diferença, elas assumam compromissos de mudanças compatíveis com a extensão de suas pegadas socioambientais. Se estiverem mesmo dispostas a reduzir impactos, elas precisarão levar em conta as novas recomendações da ciência: apenas eliminar externalidades não será o bastante para controlar o curso da emergência climática e do esgotamento de recursos. É urgente adotar medidas regenerativas que resultem em impactos positivos para ecossistemas e comunidades.

Nova peça no tabuleiro de saídas para a crise planetária, a “economia regenerativa” reconhece o valor real dos ativos da natureza. Diferentemente da economia convencional, que ainda serve de mapa à maioria das empresas, ela propõe um respeitoso equilíbrio entre os diferentes ciclos dos sistemas vivos. Inspirada na natureza, orienta-se por dois princípios básicos: não usar recursos que não podem ser resgatados e não se servir de recursos mais depressa do que podem ser recuperados.

A uma empresa regenerativa não bastará economizar energia, usar menos água ou reduzir o volume de resíduos destinados a aterros. Ela precisará substituir as fontes de energia fóssil por alternativas renováveis, preservar mananciais de rios e implantar um sistema de economia circular que reaproveite o lixo como insumo no seu processo ou em outros processos produtivos.

A uma empresa regenerativa não será suficiente apenas reflorestar. O seu desafio será criar sistemas agroflorestais que conjuguem florestas plantadas para fins industriais com áreas designadas à produção de pequenos agricultores. Não será o bastante apenas deixar de emitir carbono na atmosfera. Idealmente, ela deverá usar tecnologia para transformá-lo em produtos úteis para a sociedade. Investir em projetos sociais não será satisfatório. A empresa impactará mais e de forma mais profunda se criar, em conjunto com as comunidades, um modelo de desenvolvimento econômico sustentável local.

Regenerar significa exceder o estágio do “deixar de prejudicar”. Virar a chave será possível se, daqui por diante, todas as decisões de negócios tomarem como base ética o desafio de saldar uma dívida socioambiental contraída desde a revolução industrial. A tarefa exigirá um olhar sistêmico e uma visão de interdependência. Demandará compromissos firmes mais do que intenções, colaboração mais do que competição. Implicará fazer surgir nas empresas um outro tipo de liderança, com espírito de estadista, domínio de virtudes cardeais, vontade de gerar impacto positivo e amor pela vida em todas as suas formas.

Ricardo Voltolini é CEO da Ideia Sustentável, Fundador Da Plataforma Liderança com Valores, Mentor e Conselheiro de Sustentabilidade