A ambição embriaga mais do que a glória

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Luís Guedes: "A cultura organizacional, já há muito se sabe, modula o que pode ou não ser alcançado com a estratégia" (Crédito: Divulgação)

Por Luís Guedes

O título dessa coluna faz alusão à obra célebre de Marcel Proust e sugere que o canto da sereia do desejo de alcançar um objetivo é mais sedutor do que o som da realização. Penso ser assim a jornada da implementação da estratégia, que parece continuar tendo algo de profundamente errado, uma vez que as estimativas correntes sugerem que uma em cada quatro empresas se perde ao transformar planos em realidade.

Tudo começa com a formulação da estratégia, que costuma ser tratada com status de estrela. Apresentações incríveis, gráficos impressionantes e muitas frases de efeito, além de várias promessas e offsites em hotéis bacanas. Até aí, nada de errado… É que somente quando a turma da execução assume que se costuma perceber que a realidade é cheia de percalços e, em muitos casos, permeada de falhas silenciosas, que desafiam a tenacidade dos gestores.

E por que falham? Bom, geralmente o problema não é o planejamento em si. Estruturas bem desenhadas, análises de mercado minuciosas, KPIs meticulosamente definidos — tudo isso é importante e geralmente bem-feito, mas não costuma ser suficiente. A questão é que muitas vezes se subestima a complexidade de um mundo que teima em ser assimétrico, não linear, hiperconectado e cada vez mais tenso. A nova direção anunciada em uma live cheia de entusiasmo definitivamente não é o mesmo que se comunicar com o time. Falhas de comunicação, resistência à mudança e problemas culturais estão entre os principais vilões que impedem que a estratégia saia do papel.

“Uma organização que não promove o alinhamento entre estratégia e comportamento dos colaboradores está condenada a uma dissonância entre o que se espera e o
que realmente acontece. A cultura é antes de mais nada uma linguagem”

Os principais obstáculos estão intimamente ligados à natureza humana. Não é sobre desconfiar com a qualidade do novo plano, mas sobre as incertezas a respeito das relações interpessoais e sobre o medo de perder status ou relevância.

A cultura organizacional, já há muito se sabe, modula o que pode ou não ser alcançado com a estratégia. Uma organização que não promove o alinhamento entre estratégia e comportamento dos colaboradores está condenada a uma dissonância entre o que se espera e o que realmente acontece. Claude Lévi-Strauss nos ensinou que “a cultura é antes de mais nada uma linguagem”. Se os times não falam o mesmo “idioma” da estratégia, não há chance de sucesso. As empresas que conseguem implementar suas estratégias são aquelas que fazem um trabalho cuidadoso de comunicação, onde cada colaborador e colaboradora entende não somente o que precisa ser feito, mas também o porquê.

A execução não é uma extensão do planejamento, mas uma disciplina própria, cheia de nuances, desafios e incertezas. O segredo está na atenção aos detalhes: comunicação clara, papéis bem definidos, incentivos corretos e uma cultura que acolha a mudança.

Proust em seu monumental Em busca do tempo perdido elabora uma visão sobre a natureza fragmentada e subjetiva da realidade, sugerindo que a essência da vida reside na nossa capacidade de reinterpretar o passado, celebrando o novo, mas a partir daquilo que vivemos. O caminho para a execução eficiente da estratégia é sobretudo um caminho pavimentado pelo aprendizado e pela perseverança de gestores e equipe, que precisam ser celebrados, reconhecidos, recompensados. A estratégia não cabe em um slide.

Luís Guedes é professor da FIA Business School