A volta da contabilidade criativa
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Marcos Strecker: "A atual gestão tem conseguido manter as expectativas e as contas razoavelmente equilibradas por meio de um grande esforço de arrecadação, muitas vezes com créditos que não se repetirão" (Crédito: Diogo Zacarias)
Por Marcos Strecker
O ministro Fernando Haddad merece todo o mérito por ter conseguido conquistar credibilidade para o seu Arcabouço Fiscal. A confiança na política econômica depende, antes de mais nada, da coerência e transparência com que o Orçamento é tratado. E o titular da Fazenda tem sido didático, previsível (no melhor sentido) e racional ao apontar os passos que sua equipe adota para manter as contas públicas organizadas. Mas precisaria fazer menos esforço se essas ações fossem seguidas como um todo pela administração.
A atual gestão tem conseguido manter as expectativas e as contas razoavelmente equilibradas por meio de um grande esforço de arrecadação, muitas vezes com créditos que não se repetirão. Valem medidas como o repasse de depósitos judiciais represados na Caixa, o Desenrola de dívidas de contribuintes com agências reguladoras, a repatriação de ativos no exterior, o repasse de depósitos judiciais em processos encerrados e os dividendos do BNDES. Além disso, conta com o vento a favor da economia, que cresce acima da expectativa. Mas, além de discursos vagos e promessas mirabolantes de diminuição de despesas sem que a tesoura do governo precise agir, não se vê disposição real de disciplinar os gastos. Isso é agravado pelas inúmeras declarações de autoridades que desdenham da responsabilidade fiscal (para não mencionar o próprio presidente Lula).
Isso se traduz, naturalmente, em desconfiança com a política fiscal. Esse foi um dos fatores que levaram o Banco Central a aumentar a Selic no último 18, na contramão das maiores economias. E foi uma das explicações para a reação frustrante que ocorreu desde então no mercado cambial, quando o dólar subiu – deveria ter caído, já que no mesmo dia o Fed havia diminuído as taxas de juros americanas, depois de quatro anos.
Uma das explicações para essa suspeição permanente está na forma como as contas públicas são tratadas. Quem viveu os anos pré-Plano Real sabe como os dados eram manipulados e como essa maquiagem alimentava a ciranda inflacionária. Depois de um período de maior rigor com os números, houve novamente a volta da “contabilidade criativa” nos anos Dilma. Agora, ainda que bem menos pronunciada, essa prática parece se insinuar novamente nas planilhas oficiais, com o objetivo de ampliar os gastos sem que estes precisem cumprir a regra fiscal. Na segunda-feira (23), após uma extenuante demonstração dos números de execução do último bimestre, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, confessou que há um incômodo na equipe econômica com a percepção do mercado sobre a trajetória fiscal e reagiu às críticas de quem vê contabilidade criativa nos números oficiais. Para ele, o governo segue fazendo ajustes nas projeções para cumprir as regras fiscais “sem nenhum tipo de criatividade e artifício”. Citou questões de “nomenclatura” e “ajuste redacional” para dúvidas que ainda serão dirimidas.
Teria sua vida facilitada, sem necessidade de malabarismos semânticos, se o governo mostrasse claramente como prevê reduzir as despesas em caso de frustração de receitas. Uma fonte de ruídos partiu da própria Casa Civil, que sugeriu um drible no Arcabouço ao propor a expansão do auxílio-gás sem que recursos bilionários passassem pelo Orçamento. Isso irritou a equipe de Haddad, que tentou desarmar a armadilha para reafirmar seus propósitos. Mas é apenas mais um exemplo de como o titular da Fazenda parece o tempo todo justificar o injustificável. No próximo ano, começa a pressão pelos gastos visando as eleições de 2026. O ministro conseguirá fazer o Arcabouço atingir a maturidade?