A difícil batalha das aéreas brasileiras para continuar operando; confira
Com crise de liquidez, alta do dólar e problemas operacionais, empresas enfrentam prejuízos recorrentes. Enquanto governo apresenta pacote de auxílio, Gol, Latam e Azul buscam soluções
Por Allan Ravagnani
O céu das companhias aéreas brasileiras está fechado. Em meio a uma tempestade formada pelo câmbio desfavorável, o aumento dos custos e a falta de aviões, Azul, Gol e Latam buscam maneiras de manter suas operações no ar. O cenário é marcado por quedas acentuadas no valor das ações, rebaixamentos de ratings e prejuízos acumulados. Enquanto o governo tenta aliviar a pressão com pacotes de financiamento, as empresas enfrentam o desafio de equilibrar receitas e despesas em diferentes moedas e renegociar dívidas bilionárias com arrendadores.
Diante dessa ameaçadora cumulus nimbus, Azul, Gol e Latam lutam para equilibrar suas operações em meio a uma combinação de fatores que incluem a alta dos custos com combustíveis e leasing de aeronaves, que são atrelados ao dólar, enquanto têm receitas em real. O impacto da desvalorização da moeda brasileira, além de problemas logísticos e operacionais, pressiona ainda mais o setor.
Recentemente, as agências de classificação de risco Fitch e Moody’s rebaixaram os ratings da Azul, destacando a dificuldade da empresa em acessar novos financiamentos para melhorar seu fluxo de caixa.
Gol e Latam também passam por desafios operacionais, embora com desdobramentos distintos.
• A Latam, por exemplo, conseguiu renegociar suas dívidas após passar por um processo de recuperação judicial nos Estados Unidos, o Chapter 11. A Latam também trouxe uma boa notícia aos seus investidores na última terça-feira (1), ao anunciar uma oferta de títulos de dívida com garantia no mercado internacional no valor de US$ 1,4 bilhão, a uma taxa de juros anual de 7,9%, com vencimento no ano de 2030, que gerou uma demanda de mais de cinco vezes o valor da oferta. Com esse refinanciamento, o grupo reduzirá seu custo de dívida a uma taxa de juros significativamente menor que a atual, gerando economias anuais de US$ 83 milhões em pagamento de juros menores.
•Já a Gol ainda está no meio desse processo, com a expectativa de sair da recuperação judicial até o final deste ano, enquanto busca renegociar contratos com arrendadores para garantir a continuidade das operações.
Para Hayson Silva, analista da Nova Futura Investimentos, essa situação cria uma “bola de neve” financeira, pois as companhias precisam renovar suas frotas, mas enfrentam uma cadeia de suprimentos comprometida e dificuldade na rolagem de dívidas. “As aéreas têm uma alta demanda por voos, mas não conseguem acompanhar a expansão do setor por conta da falta de aeronaves no mercado”, comentou Silva.
Além disso, o ajuste global no setor de fabricação de aeronaves, forçado pela pandemia e pelos problemas enfrentados pela Boeing, afeta diretamente a capacidade das companhias em aumentar suas operações. “Hoje há uma deficiência no suprimento de aeronaves, o que gera uma disputa entre as concorrentes por novas unidades e piora as condições de financiamento e rolagem das dívidas”, complementa o especialista. A falta de aviões e a necessidade de renegociar contratos de leasing têm pressionado o caixa das empresas, que, além de lidar com a desvalorização do real, precisam lidar com a alta do preço do combustível de aviação, influenciado pelo Brent, outro fator fora de controle.
Latam conseguiu refinanciar e alongar parte da dívida, que vai gerar economia de US$ 83 milhões ao ano com o menor pagamento de juros
Segundo Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, a situação é delicada, mas ainda há alternativas para a Azul além da recuperação judicial, como a renegociação de contratos com credores. “O principal ponto hoje é a negociação com os credores. Grande parte da dívida das empresas aéreas vem do leasing de aeronaves. Antes de partir para uma recuperação judicial, sempre existe a possibilidade de uma negociação bilateral com esses parceiros”, explicou Arbetman.
A Gol viu suas ações caírem 86% em 2024. A empresa negocia com credores para melhorar suas condições financeiras. No segundo trimestre deste ano, a companhia registrou prejuízo e uma queda de 5% na receita líquida em relação ao mesmo período do ano anterior, impactada pelas enchentes no Rio Grande do Sul e pelos custos não recorrentes relacionados ao Chapter 11. Ainda assim, a empresa conseguiu renegociar contratos de leasing com a AerCap, um de seus principais fornecedores de aeronaves, o que pode ajudar a aliviar parte de suas obrigações financeiras.
Diante desse cenário, o governo federal aprovou um pacote de R$ 5 bilhões em crédito para o setor aéreo, a ser distribuído através do FNAC (Fundo Nacional de Aviação Civil).
• A medida, sancionada pelo presidente Lula, tem como objetivo ampliar o crédito para as companhias aéreas, permitindo que elas financiem a compra de aeronaves e outros investimentos.
• Além disso, o governo autorizou o uso desses recursos para subsidiar a compra de querosene de aviação em rotas na Amazônia Legal, uma região que depende fortemente do transporte aéreo para a mobilidade e o acesso a serviços.
• No entanto, especialistas concordam que, apesar de positivo, esse pacote de auxílio não soluciona todos os problemas das companhias.
“Essa ajuda não resolve todos os problemas, mas contribui para compor o caixa das empresas”, afirma Arbetman. O analista também ressalta que a Azul tem se esforçado para evitar uma recuperação judicial, optando por negociações bilaterais sempre que possível.
Para o BTG Pactual, que acompanha de perto a situação das aéreas, o mercado está atento à evolução dessas variáveis, especialmente no caso da Azul, que viu o período de carência para a conversão de sua dívida expirar e agora busca alternativas para evitar maior pressão sobre seu caixa. Segundo os analistas, as aéreas têm enfrentado um verdadeiro “cabo de guerra” entre a alta demanda por voos e as limitações impostas pela falta de aeronaves e o aumento dos custos operacionais.
Enquanto Azul e Gol lutam para se reorganizar, a Latam, que saiu do processo de recuperação judicial, mostra uma posição mais confortável, com aumento de 7% no valor de suas ações em 2024. Todas em busca do céu de brigadeiro.
Boeing segue em turbulência
No plano de voo da Boeing, o céu fica cada vez mais encoberto. A gigante da aviação, que há tempos vinha enfrentando uma série de desafios operacionais, agora se vê diante de um cenário ainda mais delicado. A greve dos trabalhadores, iniciada em setembro, afeta diretamente a capacidade de produção da empresa. Estima-se que, a cada dia de paralisação, a Boeing esteja perdendo até US$ 150 milhões. Com a produção do 737 Max interrompida, o prejuízo já soma US$ 1,8 bilhão. Esse impacto ocorre num momento em que a empresa tenta reequilibrar seu caixa para evitar rebaixamentos de crédito. No campo organizacional, a troca de comando também adiciona uma camada de complexidade. Kelly Ortberg, o novo CEO, assumiu o cargo em meio à greve e já se viu forçado a tomar medidas drásticas, como a colocação de executivos em licença temporária para conter gastos.
Enquanto isso, a imagem pública da empresa, já fragilizada pelos problemas de segurança com o 737 Max, continua sofrendo. O apoio público à greve intensifica os problemas de reputação da companhia, que, além de lidar com os prejuízos financeiros, vê sua capacidade de entregar aeronaves prejudicada. Isso reverbera globalmente, impactando a cadeia de fornecimento e as companhias aéreas que aguardam entregas. Na bolsa, o reflexo dessa turbulência é claro. As ações da empresa de Chicago caíram cerca de 40% ao longo de 2024, e analistas divergem sobre seu futuro. O banco Goldman Sachs, apesar de ter reduzido seu preço-alvo de US$ 232 para US$ 202, ainda mantém recomendação de “compra”.
“Apesar dos obstáculos atuais, como a greve e o aumento de custos, a Boeing continua a ter um forte potencial de recuperação de longo prazo”, avalia o analista Noah Poponak. Por outro lado, o Wells Fargo adota uma visão mais pessimista. Matthew Akers rebaixou a recomendação para “venda”, ajustando o preço-alvo para US$ 119. “A duração da greve, aliada às pressões financeiras e operacionais, coloca a empresa em uma posição delicada, e os riscos não estão totalmente precificados”, explicou. As opiniões refletem a divisão no mercado quanto à capacidade da Boeing de superar os desafios atuais.
O cenário de incerteza depende, em grande parte, das negociações sindicais e da retomada da produção sem que os custos aumentem ainda mais. Por fim, a crise de confiança. Antigo orgulho americano, a fabricante se vê em meio a uma crise de confiança após os seguidos acidentes com o modelo 737 MAX, com duas quedas e uma porta ejetada em pleno voo, por falha no sistema de controle de qualidade. O Kayak, site de buscas de passagens aéreas, já notou um aumento na busca por voos nos EUA que não sejam aviões da Boeing – uma questão antes inexistente.