De novos modelos de negócios para novos modelos de negociação
Por Beatriz Luz
Estamos chegando no ponto de inflexão, a partir do qual ou mudamos a atual cultura de produção e consumo ou vemos o planeta ser destruído. A economia circular assume um papel-chave nessa transformação, trazendo um novo olhar não só para o desenvolvimento de negócios, mas também para os modelos de negociação, a partir de diferentes medidas de valor, investimento e retorno.
Olhar para novos negócios e materiais sem uma visão sistêmica, que considere a integração da cadeia e uma demanda diferenciada do mercado, é um meio de posicionar a circularidade apenas como um ativo de marketing. Se mantivermos os mesmos KPIs e o foco em redução de custo, a economia circular será apenas um novo tema a ser trabalhado pelas áreas de inovação, sustentabilidade e P&D.
Nada muda se não mudarmos a mentalidade dos negócios, a experiência do consumo e o financiamento. A transição circular depende de processos e relações comerciais diferenciadas, com uma governança de rede para a tomada de decisões. O produto vira serviço, o consumidor vira usuário e o fornecedor, parceiro na construção de soluções de forma integrada.
Se limitarmos a economia circular às “quatro paredes” de um departamento, dificilmente atingiremos seu potencial para reduzir resíduos, regenerar a biodiversidade e minimizar os impactos das mudanças climáticas. Esse modelo deve ser prioridade em todas as áreas do negócio, e cabe à empresa redefinir papéis e responsabilidades, ter lideranças e colaboradores engajados, para ultrapassar as fronteiras do seu próprio negócio.
Nesse contexto, precisamos pensar nos novos modelos de negociação, e não somente nos modelos de negócios. Quem financia os projetos de economia circular? Qual é o papel do poder público para alavancar práticas circulares na indústria? Como estimular um consenso entre diversos setores sobre o melhor modo de desenvolver soluções em escala? Será o blended finance o instrumento ideal? O que falta para avançarmos? Tudo envolve a estruturação de parcerias, a redefinição de contratos e garantias, outro modelo de precificação de produtos e as cadeias reversas de novas matérias-primas.
Nós não temos um checklist que englobe tudo sobre economia circular. Estamos criando essa economia e precisamos de times multidisciplinares, bancos e especialistas trabalhando para definir dados e indicadores. As grandes empresas precisam olhar para seus fornecedores como parceiros; afinal, não é sobre dar dinheiro nas mãos dos pequenos negócios, mas sobre dar as mãos a eles e apoiá-los nos novos processos e sistemas. A partir da decisão de trabalhar em rede, será possível acessar informações e estabelecer alianças, a fim de garantir transações financeiramente viáveis e rentáveis e benefícios à sociedade.
Em agosto, mais de 50 empresários e economistas brasileiros assinaram o “Pacto Econômico pela Natureza”, que reforça a urgência de uma agenda econômica adaptada à nova realidade climática e de um plano nacional de descarbonização. A iniciativa privada reconhece que deve acelerar a adaptação da economia, considerando que uma “mobilização de conformidade ambiental dará acesso a mais recursos e mercados”.
Na mesma época, o governo brasileiro, a partir do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), começou a estruturar o Fórum Nacional de Economia Circular, que vai reunir especialistas para desenhar o Plano de Ação para a Economia Circular no Brasil.
O momento requer bases sólidas de confiança e trocas. Os empresários que assinaram o “Pacto Econômico pela Natureza” estão no caminho certo. O governo busca garantir diretrizes nacionais em linha com o contexto global. Nós, orquestradores desse modelo econômico, acreditamos que o olhar associado a novos modelos de negociação trará inúmeros benefícios, colocando o Brasil num caminho viável, efetivo e transformador.
Beatriz Luz é fundadora e diretora da Exchange 4 Change Brasil e do Hub de Economia Circular Brasil