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Mundo em transformação: como o mapa do caos afeta a economia do Brasil

Crédito: Freepik

Um mundo em transformação e o Brasil depende de várias soluções, internas e exeternas para continuar avançando (Crédito: Freepik)

Por Paula Cristina

RESUMO

• Guerras que mudam o equilíbrio geopolítico
• Emergências climáticas
• Dificuldades crescentes da China, que foi o motor do crescimento mundial nas últimas décadas
• Esse cenário desafia a economia global
• Como o Brasil pode driblar essas adversidades? Ou melhor, beneficiar-se delas?

Determina a teoria do caos que, em sistemas complexos, pequenas mudanças acabam em grandes transformações. Se ela já serviu para explicar a formação do universo, desastres climáticos e até o movimento do trânsito em grandes cidades, também é capaz de definir a situação do mundo hoje. Mas, que fique claro: o caos nunca é aleatório. Muito pelo contrário, ele resulta de estruturas que possuem regras bem precisas. Com isso em mente, é possível olhar para muitas reviravoltas em curso.

Para alguns, trata-se de uma tempestade perfeita. Quem diz isso é o economista-chefe do FMI, Pierre-Olivier Gourinchas. Segundo ele, pequenas práticas adotadas ou aprofundadas durante a pandemia, em 2020, começam a mostrar seus efeitos globais: protecionismo, descaso com o meio ambiente e tensões políticas dentro e fora das fronteiras territoriais. Nesse cenário, saem-se pior os países que possuem dependência de exportações primárias, instabilidade política interna e desvalorização acentuada da moeda corrente. São fatores que caracterizam o Brasil. “As oscilações do petróleo, a falta de confiabilidade na recuperação chinesa e as guerras na Europa são reflexos de decisões tomadas no passado. A forma como os países lidam individualmente e coletivamente com elas vai definir como será o futuro”, disse. Para mostrar os pontos de atenção, e como o Brasil precisa lidar com eles, a DINHEIRO preparou um mapa do caos. Vamos a eles:

América

O desempenho dos Estados Unidos, maior economia do mundo, tem reflexos diretos ao redor do planeta. As incertezas sobre a eleição que definirá o próximo presidente, Donald Trump ou Kamala Harris, tornaram-se um Fla x Flu no xadrez da geopolítica global. Os riscos, por assim dizer, envolvem os dois lados da disputa. “Ambos são protecionistas. Inclusive o governo Biden foi marcado por isso, então é possível esperar uma manutenção de parte dessas medidas. Ainda que Trump seja mais explícito e Kamala mais contida, há, com toda certeza, uma perpetuação de políticas econômicas mais protecionistas”, disse a economista Monica de Bolle. Segundo ela, essa virada de chave dos Estados Unidos se deu em 2016, antes da Covid-19, mas se fortaleceu durante todo o período pandêmico e se arrasta até aqui. “Hoje os Estados Unidos questionam o livre comércio e a integração global. Isso é um fato”, afirmou. A diferença entre os dois candidatos, no entanto, reside na diplomacia. E isso pode definir como o Brasil se encaixará nesta equação.

Para J.Bradford DeLong, professor de macroeconomia na Berkeley Economics, faculdade da Universidade da Califórnia, em Berkeley, o olhar do mundo para as eleições americanas é grande, mas os principais impactados serão os vizinhos das Américas do Sul e Central. “Brasil e México sentirão, sem dúvida, os maiores reflexos no retorno de Trump, até pela diferença explícita na condução política destas nações”, disse.

Mas este não é o único desafio prestes a estourar, e que remonta ações do passado. Há atualmente nas Américas uma série de pequenos furacões políticos que podem se desdobrar mais para a frente.
As eleições contestadas na Venezuela e a crescente tensão do país com a Guiana, a tentativa de golpe em Honduras e os constantes conflitos entre o governo colombiano e as Farc são apenas alguns dos pontos políticos de atenção.
Na economia, a Argentina lida com uma crise sem precedentes,
enquanto o México, que acaba de empossar sua nova presidente, luta para garantir apoio do mercado.

Tudo isso forma um cordão de tensão com diversas pontas e, se uma delas puxar, estoura para todos”, disse DeLong.

Ex-primeiro-ministro da Itália e ex-presidente do BCE, Mario Draghi diz que chegou a hora de a Europa deixar a arrogância no passado (Crédito:Andreas Böttcher)

• No Brasil, ainda que a economia esteja reagindo bem com o suporte do mercado interno, é impossível sustentar o crescimento se não houver um clima geopolítico mundial mais promissor, o que envolve incremento de mercado e demanda maior dos países parceiros.

“Ainda que Lula tenha se colocado como mediador de grandes questões mundiais, como taxação das grandes empresas multinacionais, o Brasil ainda não é um grande negociador na mesa e, principalmente, é uma economia volátil o bastante para se abalar com alterações no mercado externo”, afirmou o professor.

Europa

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O cenário europeu:
Uma guerra que se arrasta no continente há 31 meses, a inflação que não baixa, os juros que permanecem em patamares elevados.
O alto custo energético, a baixa capacidade de absorver mão de obra.
O cenário na Europa não está bom, e as projeções também preocupam.
Com a menor capacidade produtiva em 40 anos, estacionada desde a pandemia em 75%, a avaliação é que, desde o Brexit (a tumultuada saída do Reino Unido da União Europeia), o continente perdeu parte de seu vigor.
É vulnerável às disputas políticas globais, como a guerra na Ucrânia e as recentes ameaças nucleares vindas da Rússia. A falta de capacidade de reação das economias europeias tem sido objeto de estudo.

Por ser o maior bloco comercial do mundo, e um dos principais parceiros do Brasil, em especial para produtos agrícolas, seu destino afeta diretamente o País. Se a economia bambeia por lá, estremece por aqui. Para Stephen Machin, professor de macroeconomia da London School of Economics (LSE), os países que formam o continente não têm mais coordenação econômica, objetivo comum nem força para negociação. “A indústria automobilística foi varrida pelos chineses, não há desenvolvimento local de tecnologia, não há contribuição relevante para a ciência há anos. O poder de barganha se tornou apenas a arrogância e cidades envelhecidas”, disse.

De opinião similar partilha Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu, que assinou um relatório, em setembro, sobre a importância de repensar a forma como a Europa se coloca no mundo. “Não é sobre investir trilhões, é sobre entender que não estamos mais na mesma posição de prestígio e riqueza de outros tempos. A história da economia não é mais contada pelo olhar eurocêntrico”, disparou. Uma das soluções, segundo o italiano, é avançar em acordos comerciais como o que envolve o Mercosul. “Ele não pode ser tratado como uma derrota para a Europa. O continente precisa de novos mercados e também de commodities.”

Pierre-Olivier Gourinchas, economista-chefe do FMI, cita efeitos da Covid e garante que decisões isoladas dos países vão prejudicar a economia global no curto prazo (Crédito:Genevieve Shiffrar)

Segundo Machin, a abertura comercial poderia incrementar o PIB na Zona do Euro em pouco mais de 0,4 ponto percentual. “O resultado poderia ser a diferença entre recessão e crescimento do bloco”, disse. Na lista de preocupações também aparece o abastecimento energético, seja por petróleo ou gás. Com o maior fornecedor sendo a Rússia, o prolongamento da invasão da Ucrânia tem cobrado seu preço na Europa e influenciado na capacidade de reação econômica do bloco. A perspectiva piorou, inclusive, após a Ucrânia afirmar não ter planos de estender um acordo de trânsito de gás com a Rússia após seu vencimento no final do ano, no dia 31 de dezembro. Áustria, Eslováquia e República Tcheca também avaliam a interrupção, o que pode ter um efeito significativo na economia local e nos preços de petróleo pelo mundo.

Ásia e Oriente Médio

(Divulgação)

O preço do petróleo e seus efeitos globais também têm marcado presença no Oriente Médio, e isso vai além do boicote ao produto vindo da Rússia. Há um ano integrantes do Hamas invadiram Israel e assassinaram cerca de 1.200 pessoas, e desde então começou a mais duradoura de todas as guerras contra o grupo terrorista em Gaza. De lá para cá, o conflito espalhou-se e inflamou a hostilidade entre Israel e o grupo libanês Hezbollah no Líbano. Agora, o risco é envolver diretamente o Irã. Além da tragédia humanitária, essa escalada provoca reflexos diretos na economia. Com o aumento da tensão, o preço do petróleo, que estava em queda, bateu em quase US$ 80 por barril.

A instabilidade deixa o mercado de capitais pelo mundo em grande oscilação, inclusive o brasileiro, com ganhos e perdas diárias para a Petrobras. Além disso, a perspectiva de aumento no barril preocupa empresários. Se o petróleo passar de US$ 90, o impacto na inflação brasileira fica na casa dos 0,27 ponto percentual, cifra altíssima em um país que já encostou na meta inflacionária do ano.

A economista Monica de Bolle afirma que, seja com Trump ou Kamala, o protecionismo norte-americano já venceu as eleições de 2024 (Crédito:Divulgação)

E o Brasil tem mais um ponto de atenção vital na Ásia: os tropeços da economia chinesa. O presidente Xi Jinping tem adotado pacotes de estímulo à economia local para garantir liquidez às empresas. Desde 2023 foram três reformas. Uma para o mercado imobiliário e financeiro, depois para empresas da indústria e tecnologia e a última, lançada este mês, junta tudo isso a um programa de promoção de bem-estar social.

O sucesso da retomada no principal parceiro comercial do Brasil pode afetar diretamente os negócios por aqui. Segundo Pierre-Olivier Gourinchas, do FMI, a parceria Brasil-China é uma das mais bem-sucedidas dos últimos anos. Mas o panorama é menos otimista. A desaceleração chinesa pode diminuir o valor de produtos exportados pelo Brasil, como minério de ferro e itens agrícolas. Uma saída seria avançar na agenda verde. “O Brasil tem liderado a discussão sobre o clima porque entende que os desastres afetam diretamente a economia local. Além disso, a busca por melhores práticas do agronegócio também se tornou determinante para novos acordos”, diz Gourinchas. Mas a parceria com a China ainda é determinante.

Mesmo que o Brasil possa se beneficiar, a descrença no pacote chinês é preponderante. Pelo mundo, as bolsas de valores caem em resposta às últimas medidas. Segundo Gabriel Villas Sato, especialista em mercado financeiro e ex-diretor de novos negócios do NDB (o Banco do Brics), o temor do mercado reside “na sensação de que a economia chinesa não está tão bem quanto o governo tenta apresentar”. A falta de relatórios auditados e confiáveis sempre foi uma preocupação do mundo, mas não era tão notada quando a economia global recebia os benefícios de uma nação crescendo dois dígitos ao ano. “Agora o momento é outro. Se a China não for capaz de sustentar o ritmo de crescimento com o consumo interno, e o mercado externo se mostrar receoso de investir por lá, o mundo todo estremece”, avaliou.

África

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Visto antes da pandemia como o continente que prometia um novo mercado global, a África enfrenta desafios tão grandes quanto sua história milenar. Por lá, pipocam tensões internas, com países que não conseguiram se recuperar da pandemia. Houve aumento da fome e de situação de vulnerabilidade extrema, além da redução de empregos, casos de corrupção que se multiplicam. A reação dos governos tem sido opressora, com 9 países com tensões sociais caminhando para a violência em 2024. Com tudo isso, a promessa de desenvolvimento, melhor condição de vida e um novo mercado emergente, fica na berlinda. “Não há como contar com a África, neste momento, como um grande mercado em potencial. É preciso olhar para África e se perguntar, como podemos ajudar?”, afirmou Stephen Machin, professor de macroeconomia da London School of Economics (LSE). Segundo relatório publicado em agosto da ONU, a falta de acesso, moderada ou grave, a alimentos atinge 57,7% da população do continente.

Oceania e Antártida

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Nos dois continentes, o desafio climático é urgente. Estudo do FMI revelou que, a cada ano, com o derretimento das calotas polares, a economia mundial perde 0,34% de crescimento, com um custo trilhardário para, literalmente, enxugar gelo. “Os efeitos climáticos são devastadores e precisam ser evitados, não só combatidos. O FMI tem trabalhado nesta frente com os países desenvolvidos”, defende o economista-chefe do FMI. Na Oceania, os efeitos climáticos são devastadores.

Um levantamento da Oxfam, de julho, revelou que as ilhas locais já perderam 25% de sua capacidade agrícola em cinco anos, pela infertilidade de áreas devastadas por tufões, tempestades e tornados. Na Nova Zelândia, 675 mil pessoas moram em áreas que precisarão ser desabitadas nos próximos anos, pelo aumento do nível do mar. Na Austrália, incêndios queimaram 8% das áreas agrícolas em 2023 e os preços dos grãos subiram 14%. É assim que saímos da simples entropia e entendemos que caos não é o oposto de complexidade, e sim o preço a se pagar por ela.