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“O Brexit tem sido muito bom para a economia brasileira”, diz Nicholas Burridge, da Britcham

O executivo afirma que a aprovação do fim da bitributação entre os dois países pelo Congresso brasileiro será fundamental para criar um ambiente de negócios mais favorável

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Britânico Nicholas Burridge, da Câmara Britânica de Comércio e Indústria no Brasil: "Pelo tamanho e dinamismo das duas economias, os números poderiam ser exponencialmente maiores do que os de hoje" (Crédito: Divulgação)

Por Hugo Cilo

Nas últimas duas décadas, o executivo britânico Nicholas Burridge vem se especializando em negócios no País. À frente da Câmara Britânica de Comércio e Indústria no Brasil (Britcham) no Rio de Janeiro, ele atua junto a empresas de energia, como a Vast Infraestrutura – antiga Açu Petróleo. Em vez de projetos em fontes fósseis, Burridge põe foco em fontes renováveis, como eólicas offshore, setor que alimenta seu entusiasmo pelo Brasil. “O potencial de geração de energia no mar é imenso no Brasil e, nesse contexto, o Reino Unido pode ser um importante parceiro”, afirmou à DINHEIRO. Na avaliação do executivo, o desembarque dos britânicos da União Europeia fez com que o país buscasse novos parceiros comerciais estratégicos, o que turbinou a relação com o Brasil. Desde 2020, pelos cálculos da entidade, houve um crescimento de impressionantes 65%. Confira, a seguir, sua entrevista:

DINHEIRO — Como está a relação comercial entre Brasil e Reino Unido. Houve alguma mudança antes e após o Brexit? O que podemos entender dessa relação atualmente?
NICHOLAS BURRIDGE — O Brexit realmente impactou bastante. Mas foi um impacto positivo. Se observarmos os dados de 2020 para cá, veremos que o comércio bilateral entre Brasil e Reino Unido aumentou significativamente. Isso ocorreu porque, após o Brexit, o Reino Unido buscou novas parcerias fora da União Europeia, o que resultou em um crescimento contínuo no comércio entre nossos países. Sob o ponto de vista do comércio, podemos afirmar o Brexit tem sido muito bom para a economia brasileira.

E como esse crescimento se traduziu em números? Você mencionou que houve um aumento expressivo, certo?
Exatamente. Para você ter uma ideia, o Reino Unido já é o segundo maior investidor no Brasil, atrás apenas dos Estados Unidos. Nos primeiros oito meses de 2024, o Reino Unido trouxe R$ 75 bilhões em investimentos diretos no Brasil, o que representa um aumento de mais de 10% em relação ao mesmo período de 2023. Ou seja, o investimento direto do Reino Unido no Brasil é maciço e tende a continuar crescendo nos próximos anos, já que os britânicos têm grande interesse em ampliar investimentos em áreas em que o Brasil é muito forte, como energia limpa.

E antes do Brexit, como era essa relação? Pode fazer uma comparação?
Claro. Embora eu precise buscar os números exatos para te passar, posso afirmar que houve um crescimento expressivo. Antes do Brexit, o volume de comércio era consideravelmente menor. O Reino Unido, por razões lógicas, priorizava a troca comercial com os parceiros da União Europeia. Mas isso mudou. Desde 2020, houve um aumento de cerca de 65%. Só entre 2022 e 2023, o comércio bilateral cresceu 17%, alcançando 10,4 bilhões de libras, algo em torno de R$ 60 bilhões.

E quais setores atraíram mais investimentos britânicos no Brasil em 2024?
É difícil eleger alguns poucos setores porque o investimento tem sido bem diversificado, desde alimentos e bebidas até setor financeiro. Ainda não temos muitos dados consolidados para te passar com precisão. Mas é seguro afirmar que esse crescimento está espalhado por várias indústrias. O que posso te adiantar é que a relação Brasil-Reino Unido tem muito potencial para crescer ainda mais. E com certeza vai crescer.

Atualmente, o Brasil é o 28º maior parceiro comercial do Reino Unido. Isso parece baixo, considerando o tamanho das economias de ambos. Por que a posição brasileira é tão ruim?
Concordo que o Brasil deveria estar mais bem posicionado. Pelo tamanho e dinamismo das duas economias, os números poderiam ser exponencialmente maiores do que os de hoje. Embora o Reino Unido seja a sexta maior economia mundial e o Brasil a nona, o País ainda está classificado como o 28º parceiro comercial do Reino Unido. Isso mostra que, apesar do crescimento recente, há muito espaço para expandir essa relação. E nos últimos anos o Reino Unido tem se esforçado para atrair empresas e investimentos brasileiros, dado o potencial de geração de novos negócios entre os dois países.

E sobre os produtos, o que o Reino Unido mais tem exportado para o Brasil e vice-versa?
As exportações britânicas para o Brasil incluem principalmente medicamentos, produtos farmacêuticos, bebidas alcoólicas, além de produtos químicos e geradores de energia mecânica. O uísque britânico, por exemplo, é bastante popular no Brasil. E as importações estão crescendo de forma acelerada, ano após ano. Do lado brasileiro, os principais produtos exportados para o Reino Unido são carne, produtos agroindustriais, sementes e frutos. A base do comércio é, essencialmente, agrícola. Isso também mostra que se houver um pequeno avanço nas exportações brasileiras de produtos industrializados, os números podem saltar muito mais rapidamente.

Olhando para o cenário internacional, com o aumento das tensões no Oriente Médio, há algum impacto previsto para o comércio entre Brasil e Reino Unido?
Excelente questão. É difícil prever com precisão quais serão os desdobramentos das guerras sobre a economia mundial nos próximos anos. Mas olhando sob a perspectiva de hoje, acredito que o Brasil, por sua posição neutra em termos de conflitos geopolíticos, pode se beneficiar muito nesse ambiente internacional mais tenso, mantendo-se como um parceiro confiável. Além disso, em momentos de crise, o comércio tende a se intensificar com países neutros e estratégicos, como o Brasil. Avalio que o Brasil poderá se tornar um natural fornecedor substituto de países que tiverem restrições por causa da guerra.

Você mencionou que o comércio bilateral ainda pode crescer. Onde estão as maiores oportunidades para isso?
Sem dúvida, o setor de transição energética é um dos mais promissores. O Reino Unido é um líder global em descarbonização e energia renovável, com projetos em hidrogênio e eólica offshore. Há muitas oportunidades para o Brasil explorar essa área, especialmente com sua abundância de recursos naturais. Recentemente, participei de um seminário no Rio de Janeiro que discutiu exatamente isso: como o Brasil pode se beneficiar da expertise britânica nessas áreas. Como o próximo passo do Brasil no segmento eólico deve ser a geração de energia em alto mar, as empresas britânicas têm muito a contribuir com o País, tanto no fornecimento de conhecimento para a instalação dos equipamentos quanto no próprio fornecimento de equipamentos.

Essa expertise britânica em energia renovável vem do Mar do Norte, certo?
Exatamente. O Reino Unido transformou sua infraestrutura, que antes era focada em petróleo e gás, para apoiar a energia eólica offshore. Isso é algo que o Brasil pode replicar, aproveitando suas próprias condições naturais e o conhecimento acumulado pelo Reino Unido. Nos últimos anos, o País está avançando em produção de energia limpa pelos ventos, mas todas com produção em terra. Quando avançar para o offshore, o mercado pode se multiplicar em tamanho e capacidade.

Sobre a descarbonização, o que o Brasil pode aprender com o Reino Unido, que desde a Revolução Industrial é um grande poluidor e que, agora, tenta se vender como referência em energias limpas?
Sim, durante décadas a indústria britânica dependeu de fontes fósseis de energia, como carvão. Mas isso mudou. O Reino Unido está liderando a transição para uma economia de baixo carbono, com políticas voltadas para a criação de hubs industriais que utilizam energias renováveis, como hidrogênio verde. O Brasil, por outro lado, tem um grid energético muito limpo, graças à sua dependência de hidrelétricas e, mais recentemente, os grandes investimentos em solar e eólica. Nos próximos anos e décadas, o desafio para o Brasil será regularizar os créditos de carbono, o que pode fazer do País um grande fornecedor para o mundo todo.

No campo comercial, o Brexit trouxe uma postura mais protecionista do Reino Unido, enquanto o Brasil está buscando abrir sua economia com novos acordos, como a tentativa de livre comércio do Mercosul com a União Europeia. Você vê a possibilidade de um acordo de livre comércio entre Brasil e Reino Unido?
Não considero que o Brexit represente uma postura protecionista do Reino Unido. A decisão se baseou em muitas variáveis, que vão além das questões comerciais. Mas sobre a possibilidade de um acordo de livre comércio entre os dois países, acho que ainda não estamos nesse ponto. Há passos importantes sendo dados. Por exemplo, o acordo de dupla tributação entre os dois países, que já foi aprovado pelo Reino Unido, mas ainda precisa ser ratificado pelo Brasil. Isso, por si só, facilitaria muito o comércio e o investimento entre nossos países. A bitributação por parte do Brasil é hoje um obstáculo para um crescimento mais rápido dos negócios.

E a reforma tributária no Brasil, em sua opinião, ajudará a fortalecer essa relação comercial nos próximos anos?
Com certeza. A reforma tributária simplificará o ambiente de negócios no Brasil, tornando-o mais atraente para investidores estrangeiros e para os próprios empresários brasileiros. Todos nós sabemos que a complexidade tributária do Brasil é, historicamente, um entrave para atrair empresas e investimentos de fora. Até conseguir entender como o sistema funciona, muitas empresas decidem por investir e se instalar em outro lugar. Isso é muito ruim para a economia. Essa é, sem dúvida uma das grandes barreiras hoje, e sua resolução com a nova reforma pode impulsionar ainda mais o comércio bilateral e abrir novas oportunidades de negócios em todas as áreas.

Para fechar, você sabe quantas empresas britânicas operam no Brasil atualmente?
Não tenho o número exato em mãos, mas posso buscar essa informação e te passar depois. O que posso te adiantar é que há uma forte presença britânica no setor financeiro e, com o aumento dos projetos de transição energética, esse número tende a crescer ainda mais.