Por uma melhor regulação
Por Marcos Strecker
São eloquentes os números do caos na grande São Paulo depois da tempestade do dia 11. Passada a chuva, 2,1 milhões de imóveis ficaram sem luz. Quatro dias depois, 158 mil ainda estavam no escuro. Pela terceira vez em menos de um ano, a cidade ficou refém da concessionária de energia local, a empresa de origem italiana Enel, que já teve problemas sérios com seus serviços em países como Chile e Peru, sem contar os protestos (e CPIs) que gerou em Goiás, no Ceará e Rio de Janeiro. Há um problema sério, evidentemente, com a operação da companhia. Mas a tragédia também é mais um sinal de que é necessário urgentemente aprimorar o arcabouço regulatório no Brasil.
Essas agências seguem os melhores modelos internacionais e foram criadas inicialmente no governo FHC, na década de 90, como forma de garantir os direitos dos consumidores em um ambiente de privatização. Normas claras, fiscalização rigorosa e estímulo à competição entre as concessionárias poderiam garantir menores preços e um atendimento mais eficiente. Quase 30 anos depois, é difícil contestar a importância dessa atuação. Mas é quase unanimidade a avaliação de que as agências regulatórias ainda deixam a desejar. Os consumidores paulistas que o digam.
O maior problema é que essa ineficiência é programada. Os governos de plantão insistem no aparelhamento político. Ou então os cargos de direção são usados como moeda de troca com parlamentares, já que o Congresso precisa referendar as cúpulas das agências, o que em tese deveria garantir a independência e isenção delas. Além disso, uma das formas mais eficazes de tirar o poder desses órgãos é enfraquecê-los financeiramente, deixando-os sem condições técnicas ou funcionários em número adequado para exercer o poder que garantiria o melhor atendimento da população.
Entre os exemplos recentes negativos está a tentativa do próprio Ministério das Minas e Energia, que atualmente critica a Enel, de interferir na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em sua atribuição de normatizar a tarifa da conta de luz para garantir a segurança no sistema elétrico. Tudo indica que a motivação foi evitar o impacto na inflação. Outro exemplo vem do próprio mandatário, que ficou inconformado com a independência conquistada pelo Banco Central em uma lei análoga aprovada no governo do antecessor. A atuação de Roberto Campos Neto, respeitada pelo mercado e pelo próprio ministro da Fazenda, era interpretada como uma interferência inadmissível na política monetária pelo presidente Lula.
Há outros exemplos do papel benéfico e fundamental das agências. No governo Bolsonaro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) barrou de forma decisiva o negacionismo na pandemia de Covid, ainda que tivesse em sua presidência um militar indicado pelo ex-presidente, que tentou sabotar a vacinação e empurrar remédios sem efeito contra a doença. O órgão seguiu a lei, cumpriu seu mandato e evitou um mal maior.
Para que esse exemplo seja seguido de forma republicana e profissional, é preciso atualizar a lei, garantir a independência, financiamento adequando e transparência de todas as agências, além de evitar o sucateamento e as pressões indevidas, que têm mais a ver com o poder de grupos políticos e econômicos do que com os interesses da sociedade. A saída não é ter menos agências. É ter agências maiores e mais fortes.