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Mercado fitness vive explosão, com mudança de comportamento; confira

Crédito: André Lessa

O empresário Edgard Corona na unidade da avenida Paulista da sua nova rede focada em musculação e fisiculturismo (Crédito: André Lessa)

Por Marcos Strecker e Viviane Monteiro

RESUMO

• O grupo Smart Fit, do empresário Edgard Corona, está presente em quase toda a América Latina, aproxima-se de 5 milhões de clientes, ultrapassa 1,5 mil unidades e já registra receita de R$ 4,84 bilhões
• O sucesso pega carona na explosão de academias no Brasil e no exterior, com mudança de hábitos pós-pandemia, barateamento de serviços e maior diversificação

 

A trajetória de Edgard Corona está ligada à história das academias no Brasil. Depois de fundar a Bio Ritmo em 1996, o empresário remodelou o mercado com a criação da rede Smart Fit, focada em musculação e preços baixos. Depois veio a aposta no exterior. Hoje, já está presente em 15 países da América Latina, sendo líder nos cinco maiores países de atuação: Brasil, México, Colômbia, Chile e Peru. Depois de Portugal, inicia atividades no Marrocos.

Já são 4,94 milhões de clientes em todas essas praças, em 1.553 unidades.
No Brasil estão 726 delas, que atendem 2,14 milhões de alunos.
E a expansão não para. Depois de abrir a rede Nation, especializada em musculação e fisiculturismo, Corona está em negociação para adquirir o grupo Velocity, de spinning.
O empresário de 68 anos garante que não enxerga os concorrentes como inimigos e comemora a expansão do mercado, que chega a 25% ao ano.

Esse boom acontece depois de um momento de pânico: a pandemia, de 2020. O setor foi um dos mais atingidos pela Covid. Foram muitas dúvidas se haveria uma recuperação do setor, inclusive pela mudança de hábitos, com a expansão do home office. Hoje, o sentimento não é apenas de alívio com a recuperação, mas de euforia pela expansão acelerada do segmento e as novas oportunidades que se abrem a um público mais diversificado e atento aos benefícios da malhação à saúde.

Para Corona, também há uma transformação. Hoje se valoriza mais a musculação e menos exercícios cardiorespiratórios o que, segundo ele, tem respaldo entre os especialistas. Além da geração Z beber menos e valorizar mais o bem-estar, a geração que se habituou a puxar ferro na juventude hoje frequenta as academias também, mesmo acima dos 60 e 70 anos.

E há ainda os nichos, que não geram o grosso do faturamento, mas o empresário acha fundamental explorar para ficar antenado às mudanças do mercado, que são rápidas e frequentes. Por isso, investe no segmento de estúdios, com as marcas:
Race Bootcamp (corrida indoor e treinos funcionais),
Tonus Gym (musculação),
Jab House (boxe),
e Vidya (yoga).

A Bio Ritmo recebe o público premium. Para se adaptar à exigência do cliente, que quer mais liberdade para escolher suas atividades ou academias, lançou o Totalpass para concorrer com o Gympass, com um sistema de créditos e que também compreende outras redes. O número de lojas próprias está entre 80% e 85%. Em praças menores ou já com players consolidados, ele busca franqueados.

A Smart Fit cresceu com o modelo High Value Low Price (HVLP), com valores mais acessíveis e aposta na musculação que está em alta (Crédito:Divulgação)
(Divulgação)

ADAPTAÇÃO E REINVENÇÃO

“Obcecado por processos”, Corona transformou seu grupo em uma máquina bem azeitada, com mais eficiência, custos menores e dinamismo para acompanhar as transformações do segmento. O tropeço da pandemia foi um susto, mas ele conseguiu dar a volta por cima como poucos.

Com receita de R$ 4,84 bilhões, seu grupo comemorou uma variação anual de receita de 33% no trimestre encerrado em junho passado e consegue margens raras em qualquer segmento: 30,8%, com Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de R$ 1,49 bilhão.

Essa performance explica a facilidade com que conseguiu realizar seu IPO em 2021, quando a economia ainda estava enfrentava a Covid e havia dúvidas sobre um possível efeito rebote pós-pandemia (que de fato veio: naquele ano, o PIB subiu 4,8%, após levar um tombo de 3,3% em 2020).

Ao lançar ações na B3, ele na verdade sofreu com um excesso de apetite do mercado. Acabou ofertando pacotes de ações de forma mais pulverizada, desagradando alguns players.

“Virou um case”, ele brinca hoje. “Nós quase morremos de congestão. Tem muita história, dá para escrever um livro.” O valor de mercado da companhia no último dia 21 era R$ 12,6 bilhões.

O grupo Smart Fit é um símbolo da pujança do setor, que fatura nacionalmente cerca de R$ 12 bilhões e tem academias ativas em 42% das cidades.

No mundo, esse é um segmento que movimentou US$ 112,2 bilhões (R$ 641,4 bilhões) em 2023 e tem previsão de crescimento global de 8,83% ao ano até 2023, segundo a Fortune Business.

No Brasil, com um mercado altamente competitivo, a expansão das marcas ocorre em todos os estados e também em cidades medianas e pequenas. O fenômeno disparou no pós-pandemia, avaliam especialistas. Em meio às consideráveis mudanças do setor nos últimos quatro anos, o tradicional modelo de academia, que oferecia uma ampla gama de serviços, como musculação, aulas coletivas, natação e spinning, vem cedendo espaço para academias especializadas em nichos, focadas em atividades específicas.

Um exemplo dessa tendência é Brasília, que tem a terceira maior concentração de academias do País. É uma região em que a Bodytech cresce no disputadíssimo segmento premium. Nascida em 2005 no Rio de Janeiro, a rede conta 79 unidades nas principais cidades brasileiras. Assim como todo o setor, sentiu os impactos negativos do período pandemia, quando amargou prejuízos de R$ 240 milhões ao longo de 2020, 2021 e 2022.

O gerente regional de Operações da rede, Allysson Dantas, avalia que as mudanças no mercado, com o surgimento de atividades físicas diversificadas, demonstram que há também clientes mais exigentes em busca de saúde. “O público agora quer não apenas segurança e bem-estar, mas também flexibilidade e serviços personalizados”, diz.

O grupo se adaptou rapidamente investindo em tecnologia para integrar experiências digitais e presenciais, como treinos on-line e acompanhamento remoto. O executivo observa um crescimento expressivo na demanda por treinamento de força, impulsionado pelas recomendações da classe médica e por evidências científicas que mostram seus benefícios para a saúde, longevidade e até mesmo para o emagrecimento. “A força deixou de ser apenas um componente de performance e se tornou fundamental para envelhecer com saúde e manter autonomia.”

(Divulgação)

“Vemos uma tendência em reduzir o treino cardiovascular. Mas um bom condicionamento é essencial para a qualidade de vida.”
Maurício Peixoto, especialista em fisiologia

Outro serviço em expansão é o crossfit, especialidade da brasiliense TAI Crossfit. Criada em 2015, seus negócios ganharam musculatura no pós-pandemia. O fundador e gestor da rede, Lucas Americano, disse que o grupo precisou se reinventar no decorrer da crise sanitária, quando viu cair o número de clientes de 400 para 100 alunos. “A Covid-19 mudou o nosso jogo”, diz.

No processo de reinvenção, a rede criou um conceito de All-in-One Place, um pacote completo de serviços oferecendo ao aluno, no mesmo espaço, opções como a fisioterapia e outras modalidades. Em seis meses, o número de matriculas subiu de 100 para 680 alunos e a missão hoje é alcançar 10 mil vidas.

“Em quatro anos, crescemos duas unidades por ano e dobramos de tamanho a cada ano”, afirma. “Ficou evidenciado, no pós-pandemia, que o esporte é o novo remédio, é a nova medicina que vai trabalhar na prevenção de possíveis doenças, uma vez que não sabemos os efeitos que o mundo globalizado trará em relação a vírus, bactérias ou outras doenças. E o melhor remédio é uma vida com alimentação saudável e atividade física regular.”

ACIMA DE 60 ANOS

Professor de MBAs da FGV, Roberto Kanter observa uma reação positiva em todas as categorias de serviços, compreendendo desde as academias menores até as concorrentes mais consolidadas. “Esse é um mercado que apresenta taxas de crescimento de dois dígitos desde 2022, o que é bastante significativo”, aponta.

Embora o avanço econômico do País tenha alguma contribuição sobre o boom do fitness, o especialista avalia que a pujança desse mercado é puxada mais pela inclusão do público acima de 60 anos que, até então, tinha participação pífia nesse bolo.

Além disso, houve uma melhora da renda do trabalhador, que subiu 11,7% em 2023, o maior salto desde o Plano Real, segundo cálculos do Ipea. “É claro que, quando temos um PIB positivo e ganho real de renda, isso facilita. Mas o grande motor desse mercado fitness é a inclusão da faixa etária pós-60 anos que, segundo estudos, representava 5% do público frequentador e subiu três vezes, para 15%”, destaca.

Bodytech se destaca no segmento premium na capital federal, que registra a terceira maior concentração de academias do País (Crédito:Divulgação)

O aumento da participação do público mais velho, que geralmente possui maior poder aquisitivo, leva a mudanças significativas. Segundo o professor da FGV, o chamado período “praia-verão”, marcado pelo pico de frequência do público jovem às academias na alta temporada, vem mudando para um movimento chamado longevidade, em que parcela da população adulta busca viver mais com qualidade de vida.

As empresas tentam se adaptar ao novo cenário, oferecendo, por exemplo, atendimento especializado e investindo em novos serviços também para essa faixa etária. “A retenção média de clientes nas academias, que girava em torno de 45% a 50%, hoje chega quase a 70%”, destaca o professor. Para ele, o cenário continuará favorável nos próximos anos na esteira de mudanças de hábito, com foco na longevidade e qualidade de vida, além do cenário econômico mais estável, principalmente nas médias e grandes cidades, onde o segmento é consolidado.

No caso de cidades menores, a tendência é de melhoria nos serviços prestados, considerados ainda rudimentares.“A tecnologia vem tornando os equipamentos mais baratos, além da questão relacionada à nutrição e ao meio ambiente. Há um movimento favorável aos cuidados à saúde.” Para ele, os maiores desafios sempre serão a manutenção dos equipamentos e o equilíbrio representado pelo churn, ou taxa de rotatividade dos clientes.

Um relatório sobre o segmento, o Panorama Setorial Fitness Brasil, confirma o dinamismo. Fábio Saba, diretor de educação da Fitness Brasil (plataforma especializada no mercado que realiza pesquisas, cursos e palestras), chama a atenção para o aumento da frequência diária no pós-pandemia. Conforme o estudo, 30% dos entrevistados afirmam que praticam atividades entre 4 e 5 vezes por semana, mostrando que as pessoas passaram a organizar melhor o tempo e reservar mais espaços nas agendas diárias.

“As pessoas têm mais tempo para praticar atividade física, principalmente aquelas que passaram a fazer home office e que trabalham no formato híbrido. Elas conseguem gerenciar melhor o seu tempo e se exercitar mais vezes.”

Comparando os dados de três edições do Panorama Fitness, a avaliação confirma que a musculação tem ganhado destaque entre as modalidades, considerando os benefícios que proporciona a todas as faixas etárias, principalmente ao público adulto e às pessoas acima de 60 anos. A partir de 2020, a musculação e a corrida/caminhada crescem de forma contínua e lideram, com 24% e 19%, respectivamente, como opção entre o total das modalidades mais praticadas.

BRASIL E EUA

Segundo o Panorama Fitness, na última década o número de academias quase triplicou.
São Paulo lidera o ranking (8% do total),
depois o Rio de Janeiro (3%),
seguido por Brasília (2,2%).

O consultor independente Guilherme Torelly Ferrari da Costa diz que o Brasil é o segundo país do mundo em números absolutos de unidades, com cerca de 14% do total global. Ele concorda que as expectativas são de crescimento para os próximos cinco anos, pelo menos.

Com base em dados da plataforma on-line Statista, ele acredita que o mercado brasileiro deve seguir o modelo dos EUA, onde a taxa média de crescimento anual de academias tradicionais deve ser de 6,9% entre 2023 e 2030, enquanto as chamadas academias boutique, que cobram preços mais altos, mas entregam serviços diferenciados, devem expandir 17% no mesmo período.

Apesar de robustez do segmento, o economista considera modesto o número de brasileiros que frequentam as academias, somente 10%. Já nos EUA, esse número pode chegar a 22% em alguns estados. “Isso evidencia uma grande demanda reprimida. Explorá-la requer um esforço colaborativo entre concorrentes, com o objetivo de aumentar o mercado em geral. Somente com mais pessoas aderindo a um estilo de vida saudável será possível expandir o mercado e, então, dividir essa fatia entre os players”, avalia.

Já o especialista em fisiologia, reabilitação de lesões e treinamento funcional da Studio Clínica FuncionALL Maurício Peixoto recomenda equilíbrio nos exercícios. “Vemos uma tendência crescente entre frequentadores em reduzir o tempo do treino cardiovascular e focar mais na musculação. No entanto, embora o foco na musculação traga ganhos significativos de força e definição muscular, é o coração que sustenta todo o corpo. Ele é, afinal, um dos músculos mais importantes que temos. Um bom condicionamento cardiovascular é essencial para a qualidade de vida, desde a prevenção de doenças até a melhora da capacidade de recuperação durante os treinos”, finaliza.

ENTREVISTA
Edgard Corona, fundador do grupo Smart Fit

(André Lessa)

“O mundo assiste a uma explosão de crescimento de atividade física”

O mercado vive um boom?
Deve ter crescido entre 20% e 25% no último ano. Teve muita abertura de unidades. E existe a participação das pessoas que estão com 60, 70 anos, as primeiras que começaram a frequentar academias. Hoje, há os mais velhos treinando e os muito jovens também, da geração Z, que bebem menos e treinam mais. O pós-Covid mostrou como é importante se cuidar. A musculação dá resultados. O mundo assiste a uma explosão de atividade física. Um número enorme de pessoas quer abrir franquias,há fundos investindo. Se você tenta comprar equipamentos para as academias, há uma espera de seis meses. Está difícil achar professores de educação física…

A pandemia mudou o setor?
Mudou o ambiente no pós-Covid. Todos passaram a ofertar preços menores. Isso criou um mercado gigante. E há os agregadores [plataformas onde é possível agendar diferentes academias], o Gympass e o TotalPass, que é nosso. Isso trouxe o dinheiro das empresas para o mercado. Quando elas pagam parte do valor do colaborador, isso faz o tíquete ficar ainda menor. Em vez de você pagar R$ 100 por mês para a Smart Fit, vai pagar R$ 70. Isso traz mais gente para o mercado. É a realidade do Brasil, mas acontece nos outros países também.

Os hábitos são diferentes?
Depois da Covid mudou o perfil do consumidor no Brasil e nas Américas. Você ia para a academia fazer bastante cárdio. Usava muito a esteira. Hoje, o pessoal descobriu que o mais importante não é o cárdio. É a musculação. Isso é amparado por médicos. Ao andar na esteira, você gasta 300 calorias por hora e não ganha músculo. No final do mês, não tem uma mudança perceptível no corpo, no ego…. O cliente acha chato e acaba desistindo. Na musculação, qualquer exercício de aumento de carga dá uma dorzinha, mas o cara percebe que está melhorando.

Como está o momento de expansão da Smart Fit?
Fundei a Bio Ritmo nos anos 1990. Em 2008, o mercado brasileiro era basicamente de academias de bairro. Em 2009, lançamos a Smart Fit, focada apenas em musculação, que era 80% do público das academias, com valores de R$ 49 e R$ 69. As lojas encheram e começamos a ganhar dinheiro. Quatro ou cinco anos depois, o mercado viu que estava dando certo. Começaram a surgir outras redes, até de ex-funcionários meus. Isso é ótimo, o Brasil é muito grande. Nos EUA, 22% da população está nas academias. No Brasil, eram 4%. Lá, uma só empresa, a Planet Fitness, tem 20 milhões de alunos e cobra entra US$ 10 e US 20 de tíquete médio. Aqui, abaixamos o custo para o aluno praticar a atividade. Isso acabou mudando a modelagem do mercado. Em 2019, já estávamos com 180 lojas, com fundo de investimento de fora. Em 2020, chegamos em 210. Tínhamos 120 obras de lojas contratadas na América Latina, mas em março surgiu a Covid. O que fazer? Continuamos as obras. Não mandamos os funcionários embora. Suspendemos as cobranças. Queimamos R$ 1 bilhão de caixa em um ano. Daí teve o IPO em 2021.

Como foi a internacionalização?
Pensamos: será que o Brasil tem espaço para 700, 1.000 academias? Desembarcamos no México em 2011. Hoje, já são perto de 400 lojas e 1,1 milhão de clientes. Fomos com essa cultura de aprender como se opera fora do Brasil. O trabalho no México não é simples. Fomos para a América Latina inteira. Só não estamos na Nicarágua, Venezuela, Bolívia e no Suriname. Na Colômbia, já temos 500 mil alunos. No Peru, 220 mil.

E a abertura da unidade no Marrocos?
Tem um motivo de orgulho, né? O Marrocos tem um islamismo leve, moeda estável, governo estável, a língua francesa, a população concentrada em quatro, cinco cidades. O nosso CEO do Peru morou no Marrocos. Então decidimos abrir 4 lojas nos próximo seis, oito meses para ajustar o produto. O país tem potencial para umas 100 lojas.

A rede Nation foca também em fisiculturismo. Qual é o projeto?
Isso é um laboratório, tá? Estou treinando todo dia nela, experimentando o produto. Vendo como é que se faz atendimento e tal. Pega uma turma que não está na Smart Fit, não está nos estúdios. Você melhora a experiência de construir músculos.