Economia

“Crescimento econômico tem de ser inclusivo e sustentável”, diz Constanza Negri, do B20

Líderes do setor privado se reuniram no B20 para dar recomendações aos países do G20, que se reúnem no Rio

Crédito: Divulgação

Constanza Negri, coordenadora do B20 e gerente de Comércio e Integração da Confederação Nacional da Indústria (CNI) (Crédito: Divulgação)

Por Regina Pitoscia

O Business-20, ou simplesmente B20, um fórum empresarial e internacional que dialoga com os líderes de governo do G20, composto pelas principais economias do mundo, foi realizado em São Paulo este ano. O papel do B20 é discutir e recomendar medidas, estratégias e políticas, que servirão de pauta para a reunião do G20 e permitam aos países enfrentar os grandes desafios globais. É um processo que envolve várias etapas, uma tarefa complexa, em que primeiro são definidos os temas, para então seguir na elaboração de propostas, sendo que as definições precisam passar pelo consenso dos participantes. Este ano foi implementado mais um estágio, o de garantir a continuidade, o legado, dos trabalhos, independentemente de comandos ou participantes desses grupos. Balizado pela pauta “Crescimento inclusivo para um desenvolvimento sustentável”, o B20 se debruçou sobre questões da agenda econômica global como segurança alimentar, transição energética, combate à fome, pobreza, desigualdades, diversidade, aumento de produtividade pela inovação e valorização do capital humano. No Brasil, à frente da coordenação do B20 esteve Constanza Negri, a gerente de Comércio e Integração da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Ela relata a saga dos debates do B20 Brasil, desde seu início, em janeiro deste ano.

DINHEIRO — O que foi exatamente o B20 deste ano?
Constanza Neri — Foi um momento de discutir e debater as recomendações elaboradas por 1.200 representantes do setor privado dos países que formam o G20. Por um lado, foi reavaliar essas recomendações, que já tinham sido entregues ao presidente Lula, como presidente do G20, e vinham sendo discutidas com os diferentes ministérios, que coordenam os grupos do G20, além de ampliar as temáticas. Mas pela primeira vez, apresentamos estratégias que garantam o legado do B20. Existe uma rotatividade nos grupos, a estrutura não é permanente, e o objetivo garantir a continuidade ao impacto, ao que é discutido e também a essa agenda do setor privado no âmbito do G20.

E o que foi criado para preservar e dar andamento às propostas discutidas ou já implementadas?
Criamos uma estratégia de legado que se organiza em três pilares: o primeiro é do B20 para o B20. A próxima presidência dos fóruns será da África do Sul e de maneira inédita, elaboramos um manual e materiais para eles, além de já estarmos discutindo questões de governança, que não olha o ciclo ano-calendário, mas sim os países que têm a presidência no momento, o que vai receber a presidência e ainda o seguinte. Com isso, temos um olhar mais estratégico de médio prazo para esse trabalho. O segundo pilar é sobre o legado do B20 para a sociedade, e o terceiro pilar é do B20 para o Brasil, em que levamos discussões e recomendações de âmbito global que devem ser mantidas.

“Edição do fórum no Brasil inovou ao criar estratégias que mantém o legado do B20, mesmo diante da mudança de líderes e participantes do grupo”

E qual o legado do B20 para a sociedade?
Fomos buscar projetos que defendam interesses coletivos, então não é um projeto específico de uma empresa em determinado país, é coletivo do ponto de vista da temática e também do aspecto geográfico, que ele envolva mais de um país. É importante ressaltar que essas iniciativas não estão no papel, elas já existem, não estamos criando promessas de legados, eles já estão vivos e funcionando. Entre as sete temáticas escolhidas, duas se referem à participação da mulher. Em nossa edição brasileira, conseguimos melhorar bastante em relação a outras edições. Ao mesmo tempo, temos compromisso assinado com a África do Sul para que eles aumentem essa participação, sem recuo. E trabalhamos para que em 2030, ou antes, chegar a 50% de participação das mulheres, na liderança ou de participação nos grupos. A presença de mulheres em posição de liderança passou de 24% no B20 da Índia para 39% no Brasil. E de um total de 1.200 representantes do setor privado no B20, 43% eram mulheres, com um salto de 14 pontos porcentuais. O outro tem a ver com o aumento da participação da mulher no comércio e da busca de e que o tema entre na pauta do G20 de maneira estrutural.

Além desse legado inclusivo, o que mais foi tratado no B20 Brasil?
Há 2 legados mais conectados com a agenda de sustentabilidade. Construímos 2 plataformas, uma focada em políticas climáticas, e baseada na agenda de mudança climática de sustentabilidade, e outra com foco maior no mercado de carbono, que traz de forma ditática, ao setor empresarial, informações relevantes sobre a questão de mercado de carbono, precificação, e os diferentes aspectos do estabelecimento das metas de emissão de carbono no mundo.

Além de inclusão e sustentabilidade, quais os outros legados?
Temos um que olha a questão de integridade e compliance, em que olhamos as ações coletivas no âmbito público-privado pra combater os problemas ligados à agenda de integridade e compliance. E aqui temos Instituto de Governança de Basel, uma referência nessa área. Nessa plataforma inserimos exemplos de melhores práticas de ações coletivas nessa agenda, e depois uma premiação com base nos cases apresentados. Temos muitas questões de hubs de inteligência, eu gosto de dizer que essas iniciativas são uma espécie de bem público.

E quais as demais iniciativas?
São mais duas. Uma delas ligada à agenda de transformação digital e Inteligência Artificial, com foco para a educação e o emprego, e questões relacionadas à mulher, à diversidade, e inclusão nos negócios. O tema de inteligência artificial perpassou todos os grupos de trabalhos do B20 Brasil. Não é uma promessa de uma plataforma que vai ser criada, ela já existe e a partir de agora, começamos a dar vazão ecolocar os conteúdos. A segunda prevê ações para evitar o desperdício de alimentos em parceria com a Câmara Internacional de Comércio. Vamos desenvolver uma competição para identificar os principais desafios e premiar as melhores práticas, para apresentá-las no congresso internacional da FAO.

Com tudo o que relatou, foi uma jornada de muita discussão e definições, mas em termos mais práticos, quais foram as recomendações que serão encaminhadas ao G20?
Essa é a etapa das recomendações. O grupo de transição energética e clima, liderado pelo Ricardo Mussa, CEO da Raízen, contribuiu com três recomendações. Elas estão relacionadas às soluções energéticas sustentáveis, em que a prioridade é garantir o acesso à energia a preço acessível, além de triplicar a capacidade de energia renovável até 2030 e ampliar o portfólio global com diversificação das soluções de biomassa para energia. Isso deve possibilitar a expansão de outras soluções de emissões líquidas zero. Outra recomendação refere-se a soluções baseadas na natureza, promovendo a economia circular, garantindo o uso eficiente dos recursos e um mercado global para o setor até 2030.

“Temáticas sobre sustentabilidade, inclusão, compliance e transformação digital permearam a discussão para a formatar as recomendações ao G20”

E os recursos para as ações de transição?
O grupo de finanças de infraestrutura é o outro lado moeda. De um lado discutimos preço, transição e de outro, nesse grupo olhamos o que é preciso para viabilizar essa transição. Nesse sentido, houve três recomendações: a primeira está ligada aos instrumentos de financiamento climático, e a questão é como eu alavanco o fluxo de um capital privado, temos a ciência de que sem ele a transição não tem como acontecer. Ao mesmo tempo, discutimos a revisão do papel do financiamento do setor público para que alcance uma maior eficiência, e também a alocação do capital privado sobretudo com foco nos países emergentes, menos desenvolvidos. A solução passa por reformas regulatórias, práticas das próprias agências classificadoras de risco, para a criação de um ecossistema que garanta e atraia mais a participação do capital privado.

Além dos recursos, como se espera superar outras dificuldades no setor de infraestrutura?
Há muita burocracia envolvendo os processos de aprovação de projetos de infraestrutura. O desafio é saber como acelerar esses processos de licenciamento e investimentos em infraestrutura, reduzindo ou retirando a burocracia.

Você destacou o tema de IA que passou por todos os grupos de discussão. Explique melhor.
Não foi um olhar meramente tecnológico, mas muito mais ligado à sociedade, ao indivíduo, à empresa e economia. A questão é como abordar a inclusão digital de indivíduos e empresas, mas que olhe de maneira responsável para a inteligência artificial, reconhecendo seus desafios e oportunidades, e como fortalecer a colaboração internacional. A ideia é fomentar a parte de inovação da inteligência artificial, com base na gestão de risco para o desenvolvimento, implementação e a governança responsável. Se falamos do futuro do trabalho, por exemplo, o desafio é aumentar o acesso não só da qualidade da educação básica e da habilidades tradicionais, mas tudo isso diante dessa transformação digital. As recomendações são para governos, mas passam pela própria atuação da empresa para requalificar e melhorar as competências.

Além da IA, qual outro destaque do fórum?
O equilíbrio e um olhar mais balanceado entre a agenda de comércio e sustentabilidade. O comércio internacional, a indústria do setor privado, o B20, todos apóiam e promovem esse equilíbrio e não tem como voltar atrás, é uma prioridade. Ao mesmo tempo, algumas práticas de políticas de países na agenda de comércio e de sustentabilidade vêm com essa designação, mas que criam muitos desafios do ponto de vista da integração dos fluxos de comércio e das economias dos países. E aí o grupo, pela primeira vez, e de maneira inédita, fez um apelo cuidadoso, chamando a atenção para medidas unilaterais de mecanismos de ajuste de carbono na fronteira, questões de desmatamento, onde essas medidas criam distorções e colocam a perder o alcance dos objetivos. No caso da agenda de descarbonização, alguns países tentaram sozinhos dar suas respostas, o que acaba gerando muitos problemas. Então é preciso ter uma cooperação regulatória do ponto de vista da pegada de carbono do cálculo disso.

Quais o próximos passos?
Vamos começar a trabalhar nesse legado do Brasil e haverá a cúpula do G20 e G20 Social, e vamos elaborar um relatório que mostre completo quanto das nossas recomendações acabaram entrando nas declarações do G20, e dos chefes de Estado, de ministros. Em paralelo, daremos continuidade a esse trabalho com a África do Sul.

Qual seu recado final?
Os objetivos do Brasil de avanço, de crescimento econômico, inclusivo e sustentável, são também as prioridades da indústria brasileira. Então, esse projeto tem sido transformador ao permitir que o Brasil e seu próprio setor privado tenham a liderança, que lhes é própria, em diferentes temáticas nessas discussões globais, ao mesmo tempo que possamos absorver e enriquecer com diversos pontos a nossa agenda doméstica.