“Galípolo está pronto para assumir a presidência do BC”, diz Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC
Para o ex-diretor do Banco Central, o indicado para o comando da autarquia é tecnicamente qualificado e tem fala conciliatória, requisitos importantes para o cargo
Por Allan Ravagnani
Voz influente no cenário econômico brasileiro, Luiz Fernando Figueiredo oferece uma análise crítica sobre os atuais desafios da economia. À DINHEIRO, destacou o forte crescimento econômico, superior ao potencial sustentável de longo prazo, e alertou para os riscos inflacionários decorrentes desse aquecimento. Ele apontou também que a inflação está resistente à queda devido à atividade intensa, e criticou a política fiscal do governo, mencionando práticas como contabilidade criativa e exclusão de despesas do arcabouço fiscal. Figueiredo ressaltou a desvalorização dos ativos brasileiros e a interferência governamental em estatais como fatores que afetam negativamente a economia. Além disso, abordou a influência das políticas econômicas dos Estados Unidos no Brasil, especialmente no contexto de possíveis políticas inflacionárias e protecionistas do próximo governo americano.
DINHEIRO — A eleição nos EUA trouxe de volta ao poder Donald Trump. O que esperar? Será muito diferente de um governo de Kamala?
Luiz Fernando Figueiredo — Não. Não são governos muito diferentes um do outro, pelo menos para nós. Ambos têm projetos muito inflacionários, questões com imigração e são favoráveis a taxação para importação. Então, a plataforma dos dois, cada um do seu jeito, são inflacionárias, protecionistas, nenhuma delas trata da questão fiscal, que também está ruim nos Estados Unidos. Existe um risco real de o Federal Reserve abortar o processo de queda nos juros, como aconteceu no Brasil. A região que está indo muito bem é a Europa, e vai continuar. A Europa já desacelerou e está reduzindo os juros. Nos EUA, os dados mostram que a atividade não está desacelerando como se imaginava, e como o novo presidente virá com uma agenda inflacionária, que não vai dar conta de acalmar a expansão fiscal. Isso tudo vai acabar afetando os mercados brasileiros.
O sr. foi diretor do Banco Central. O que acha da nomeação de Gabriel Galípolo? E se pudesse, qual conselho daria a ele?
O Galípolo passou quase dois anos no BC e teve um processo de aprendizado muito grande. Hoje ele está tecnicamente capacitado para cuidar da política monetária. Ele tem o desafio de liderar o Copom e o BC. Eu gosto, ele tem tido uma narrativa dura, mas ao mesmo tempo conciliatória com o governo Lula, alegando que terá autonomia na cadeira. Além disso, terão três novos diretores, que se forem técnicos, de indicação do Galípolo, não haverá problemas, mas se for político, eu já não sei. E por fim, ele vai ter o desafio de continuar essa agenda maravilhosa de aumento da tecnologia bancária, competitividade, moeda digital, open banking, toda essa revolução bancária.
E qual o seu conselho?
Meu conselho seria: fique distante do governo. A aprovação dele no Senado, com a maior margem de votos positivos dos últimos 20 anos, mostrou que ele tem respaldo político para a função. Foram 56 votos a favor e apenas 3 contra, uma votação que até mesmo veteranos da política, do mercado e da academia raramente conseguem. Mas depois do apito final da sabatina, a partida começa de verdade, e ele vai precisar equilibrar uma política monetária firme. A pressão do governo por cortes de juros e a necessidade de manter a credibilidade do Banco Central intacta. E, não só isso, espera-se que a agenda do BC+, muito importante para as reformas microeconômicas e para a melhora do ambiente de negócios brasileiro, tenha continuidade ao longo de seu mandato como presidente.
O senhor já disse que teme pelo fim da independência do Banco Central, onde há tal risco?
Quando o presidente da República é muito vocal em relação aos juros, é uma pressão enorme sobre o BC, e quando o presidente indicado diz que o governo está deixando o BC ser independente, ele mostra uma certa submissão. O BC é um órgão de estado, não de governo. Nesse sentido ele deveria estar a uma certa distância do governo. Não pode pairar essa dúvida em relação a independência. O fato de o governo ainda poder definir o orçamento do BC é uma forma de pressão, é só ver o que acontece hoje com a CVM, que está com o orçamento baixo demais, o órgão está com vários problemas, falta de capacidade de fiscalizar por conta do orçamento curto.
Qual o principal legado do Roberto Campos Neto?
Houve importantes avanços. O BC implementou uma agenda de modernização iniciada ainda na gestão de Ilan Goldfajn, que floresceu, trazendo o Brasil para a vanguarda dos sistemas financeiros globais. Além disso, por mais que críticas existam, não dá para negar que ele conseguiu avançar em direção à independência da instituição. Outro ponto alto foi a implementação do Pix e tudo que tem sido feito nessa área de pagamentos. O Pix bancarizou milhões de brasileiros que, antes, estavam à margem do sistema financeiro tradicional. É uma revolução tecnológica que tirou o Brasil da retaguarda e colocou-o na linha de frente global quando se trata de métodos de pagamento.
O boletim Focus elevou a perspectiva de inflação para o teto da meta deste ano e as expectativas para 2025 estão bem acima do centro da meta. O que deve pressionar a inflação daqui para frente?
Primeiro, quando a gente olha conjuntura de curto prazo, a gente vê uma economia crescendo bastante, um potencial de 2,5% crescendo a 3%. Então, a economia está mais forte que o nível sustentável de longo prazo. Além disso, o nível de desemprego em recorde de baixa, mercado de trabalho mais apertado do que frouxo, do ponto de vista do balanço de pagamentos o País, está ok. Ele é muito saudável mas está menos exuberante que no ano passado. Já a inflação, até por conta da atividade mais forte, está com dificuldade de ficar em trajetória de queda, até por isso a interferência do Banco Central. É um ambiente bastante razoável, investimento crescendo, ainda baixo, mas crescendo. No entanto, quando a gente olha para os ativos brasileiros, eles estão na contramão do mundo, muito underperformando na comparação ao restante do mundo, por exemplo, o EWZ, um índice brasileiro na bolsa de Nova York (NYSE), está caindo 18% e a bolsa americana subindo 22% neste ano, as bolsas europeias subindo 9%. O real desvalorizando 17% este ano, a curva de juros em alta. Títulos de longo prazo no início do ano pagava 1 ponto percentual a menos do que pagam hoje.
E por que os ativos brasileiros estão ruins, se o ambiente está ok?
Porque o conjunto de políticas colocado tem sido em sua maioria equivocados. Isso vale para política fiscal. Por mais que o ministro Haddad esteja se esforçado, está fazendo água a percepção sobre essa política, com a narrativa do governo está sendo frouxa, com a discussão sobre a política monetária e com a narrativa da ingerência do governo na Petrobras e estatais de maneira geral. O que apareceu de insegurança jurídica é muito importante. Esse conjunto de coisas. Uma política muito insustentável, utilizando de uma certa contabilidade criativa, tirando coisas do arcabouço fiscal, fazem com que a perspectiva seja negativa, daí os ativos brasileiros sofrerem tanto. E o BC tendo que subir juros, apesar de que 10,50% já era alto.
Qual a questão da insegurança jurídica?
Outro fator que reduz o investimento em relação ao consumo é a insegurança jurídica trazida por decisões recentes do STF. Como dizia o ex-ministro Pedro Malan, ‘No Brasil, até o passado é incerto.’ As decisões de caráter tributário, oriundas da tese do século, têm um potencial destrutivo para o investimento no País, retroagindo para anos anteriores, independentemente da jurisprudência da época.
O que mais aflige o mercado?
A questão é quanto o governo está comprometido com uma agenda fiscal sustentável e a percepção é que o governo não tem esse compromisso. Quando o gasto é grande, ele tira do arcabouço, como o Vale Gás por exemplo, ou os gastos para reconstruir o Rio Grande do Sul. Por que não coloca esses custos dentro do arcabouço? Sempre tem subterfúgios para se tirar do teto de gastos. A questão fiscal não é um objetivo em si, ela é um problema que tá causando um monte de coisas, como um aquecimento da economia que tem que ser corrigido por alta de juros. O custo disso está sendo altíssimo. Um gasto excessivo que tem impulsionado o PIB e uma percepção que o governo não está comprometido com a sustentabilidade.
O governo está preparando um corte de custos, deve ser anunciado nesta semana, o que o sr acha?
Eu já ouvi falar em R$ 50 bilhões. Quando se fala nessa cifra, soa como uma brincadeira. Uma parte disso é raspar a conta corrente de quem não for buscar o dinheiro, mas qual é a qualidade dessa receita, não é recorrente, é uma vez só. É um assunto importante e que não há uma perspectiva que precisa se tratar isso como deve ser tratado. O anúncio do Haddad, se for de R$ 50 bilhões, é insuficiente, mas o nosso problema é de R$ 200 a R$ 250 bilhões. Acho R$ 50 bilhões até pouco. Do outro lado aprovaram coisas fora do teto de até R$ 100 bilhões. Está todo mundo olhando, não dá pra esconder, no final a política fiscal está frouxa.
Quais são os outros riscos para inflação?
Por que o BC tem que subir juros? Porque a atividade está muito forte, além de a taxa de câmbio estar depreciada, houve problemas climáticos que geraram uso das usinas termoelétricas, que encarecem o custo da energia. Mas, no final, existem diversos fatores. O mais relevante é o que o processo inflacionário não arrefece por um excesso de aquecimento econômico. O setor mais afetado é o de serviços. O País não tem capacidade de acompanhar o aquecimento econômico.
E diante da última disparada, para onde vai o dólar?
Taxa de câmbio além de refletir o que acontece no balanço de pagamentos, não deixa de ser um ativo, e nesse sentido os ativos brasileiros sofreram muito. Por isso o câmbio está mais depreciado, se comportando como os outros ativos, muito sofrido. Não acho que o governo vá trabalhar de maneira a aumentar a incerteza fiscal. Se eu estiver certo disso, a incerteza não vai aumentar muito, o governo vai segurar, e se for verdade, é possível que o real aprecie um pouco com os juros mais altos aqui e mais baixos nos Estados Unidos.
Qual a projeção da JiveMauá para a Selic?
Com relação à taxa Selic, nossa projeção é que o ciclo de alta vai terminar entre 12% e 12,5%. Mas não agora. Neste ano deve terminar em 11,75%.