Para onde vai o real?

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Vitoria Saddi: "É preciso considerar o DNA do governo, sempre resistente à austeridade fiscal principalmente com a eleição de 2026 se aproximando" (Crédito: Divulgação)

Por Vitoria Saddi

A alta recorde do dólar aqui no Brasil é o tema deste artigo. As razões desta alta e sobretudo os rumos futuros do ativo. Neste sentido, há dois grandes aspectos: os fatores domésticos e o fator internacional, o dólar no mundo.

No mundo, está havendo uma alta da moeda norte-americana, medida pelo índice DXY (dólar em relação a uma cesta de moedas). Neste sentido, as principais moedas (euro, libra, dólar australiano e dólar canadense) estão se desvalorizando. E, as moedas que são usadas para carry (o iene e o franco suíço) também estão caindo (desvalorização). As moedas dos países emergentes também se desvalorizaram em outubro. O líder foi o rublo russo com uma queda de 12%, seguidos pelo real brasileiro (8%), peso chileno (7%), peso colombiano (6%), peso mexicano (5%). O movimento de alta do dólar está em curso e é causado pela euforia devido à eleição presidencial com a vitória de Trump (o chamado Trump trade).

No governo Trump, pode haver queda de impostos, aumento do déficit público, maior necessidade de emissão de títulos para financiá-lo com consequente aumento de juros longo que já está acontecendo. Como o Fed está cortando a taxa curta e o movimento descrito está ocorrendo na ponta longa, a curva de juros está ficando mais íngreme e levando à alta do dólar. Em outubro, o yieldTreasury de dez anos foi de 3,70% para 4,4%, um aumento de 70 pontos base. Eu costumo dizer que o movimento do dólar predomina sobre as histórias domésticas, no sentido que todas as moedas estão se desvalorizando frente ao dólar. As políticas macro e ‘histórias’ domésticas importam e explicam a intensidade das desvalorizações.

No Brasil, a piora fiscal tem crescido nestes dois primeiros anos de governo Lula. No início de 2023 a relação dívida-PIB era pouco acima de 70% e agora (último dado de agosto/24) atingiu 78,5%. O FMI estima que ao final do mandato do atual presidente tal relação venha a atingir 90%. De modo análogo aos Estados Unidos, a piora fiscal cria uma expectativa da necessidade de maior venda de títulos, pressionando as taxas de juros. Neste sentido, a taxa pré-fixada para dois anos (LTN) já passou de 13% enquanto os cupons das NTN-B com vencimento em agosto de 2026, dois meses das eleições, ultrapassou 7%, patamar visto anteriormente apenas no governo Dilma. Tal aumento de risco, além de afetar a taxa de juros também pressiona a taxa de câmbio levando a uma desvalorização adicional do real (USDBRL bateu 5.89), com claros impactos inflacionários. Este movimento vem ocorrendo apesar da alta dos juros promovidas pelo Bacen.

A pergunta que não quer calar é: para onde vai o real? Bate 6 ou volta para níveis próximos de 5? Diante deste quadro o governo prepara o lançamento de um pacote de corte de gastos para acalmar as expectativas, visto que é de conhecimento geral que melhorar o resultado primário através de aumento de impostos é uma opção esgotada.

Em primeiro lugar é preciso considerar o DNA do governo, sempre resistente à austeridade fiscal principalmente com a eleição de 2026 se aproximando. É curioso que do dia para noite, tal austeridade tenha se tornado crucial dentro do governo.

Em segundo lugar, seria importante que o pacote de corte representasse uma mudança de regime e não um conjunto de ações isoladas com credibilidade duvidosa. Das despesas do governo, 95% são de caráter obrigatório, sendo apenas os 5% restantes discricionários. Cortes nesta segunda parcela não farão diferença significativa. Para ter impacto tais cortes deveriam se concentrar nas despesas obrigatórias, o que vai exigir mudanças de regras e/ou um conjunto de reformas. Tem sido mencionada a intenção de desvincular os reajustes dos benefícios previdenciários da variação do salário-mínimo além de redução dos gastos com educação e saúde. É difícil conceber tais medidas de alto grau de impopularidade no cenário político atual.

A resposta sobre a direção do real irá depender de como o pacote afetará as expectativas do mercado. Caso se confirme a máxima de que a expectativa é a mãe da decepção o dólar certamente caminhará para mais perto de 6, sendo provável um misto de intervenções do Banco Central no mercado de câmbio, aliada a uma política monetária mais restritiva em função dos impactos inflacionários. Caso o pacote seja visto de forma positiva — que irá depender do caráter permanente dos cortes anunciados — o real irá se valorizar ao mesmo tempo que a ponta longa da curva de juros irá cair.

*VITORIA SADDI é estrategista da SM Futures. Dirigiu a mesa de derivativos do JP Morgan e foi economista-chefe do Roubini Global Economics, Citibank, Salomon Brothers e Queluz Asset, em Londres, Nova York e São Paulo. Também foi professora na California State University, na University of Southern California e no Insper. É PhD em economia pela University of Southern California.