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“A burocracia ainda é um obstáculo para a transição energética no Brasil”, diz Flávio Roscoe, da Fiemg

Executivo defende que a mineração seja considerada uma ferramenta de distribuição de riqueza em pequenas cidades brasileiras e afirma que o potencial para a economia é imenso

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Flávio Roscoe, presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) (Crédito: Divulgação)

Por Letícia Franco

Os minerais críticos, como as terras raras, são químicos vitais à transição energética por serem utilizados em ímãs, eólicas, baterias e celulares. Por isso, estes elementos são considerados importantes pelas grandes potências econômicas, como os Estados Unidos, a China e a União Europeia, para viabilizar essa transição. E não há como negar que, nessa corrida por minérios, o Brasil se destaca. Só o País possui 94,12% das reservas globais de nióbio, 22,42% das de grafite, 16,15% das de terras raras e 16% do níquel de todo o mundo, segundo dados do Serviço Geológico do Brasil. E este cenário rico em recursos pode melhorar ainda mais para o Brasil. Isso porque, a partir de 2025, a China, responsável por mais de 90% da produção de ímãs feitos a partir de metais raros, vai interromper essa exportação e só vai comercializar os produtos prontos.

Para Flávio Roscoe, presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), o Brasil tem nas mãos a oportunidade tanto de avançar na transição energética quanto para se tornar um dos principais exportadores de imãs e assim atender parte da demanda global gerada depois da decisão do governo chinês. Mas, para isso, precisa fazer a “lição de casa”, que, segundo ele, consiste em em mais investimentos no setor e na desburocratização de licenças ambientais. Na última semana, a instituição, que possui o único laboratório de produção de ímãs de terras raras no Hemisfério Sul, localizado em Lagoa Santa (MG), atraiu R$ 2,5 bilhões em investimentos para o desenvolvimento e exploração de terras raras em acordos firmados durante missão estratégica na Austrália.

DINHEIRO — Qual o potencial de Minas Gerais e do Brasil no segmento de mineração, em comparação com outras regiões do mundo?
FLáVIO ROSCOE — O Brasil tem grande potencial como fornecedor global, especialmente com a descoberta de grandes depósitos de terras raras de alta qualidade. Uma das vantagens é que esses depósitos no Brasil são de argila, com uma concentração de elementos quatro vezes maior que outros depósitos de argila no mundo. A extração de elementos de terras raras é mais eficiente em argila do que em rochas, onde o custo é bem mais alto. Além disso, o Brasil possui tecnologia de extração de baixo impacto ambiental, como a usada na fábrica de Terras Raras em Lagoa Santa (MG), e consegue produzir lítio de forma mais barata e sustentável.

As licenças ambientais são obstáculos?
Sim, esse é um ponto crítico. Atualmente, um processo de licenciamento para mineração no Brasil pode levar dez anos, o que atrasa o desenvolvimento. Países como a Austrália avançam mais rápido, e, se o Brasil não tiver uma legislação específica para minerais críticos, perderá oportunidades de destaque no mercado global. Outros irão resolver o problema do mundo, não será o Brasil.

“O Brasil tem uma chance única de se tornar competitivo no mercado global, promovendo sua independência tecnológica e industrial’’

Qual a importância dos minerais críticos para a transição energética no Brasil?
A transição energética é um processo para diminuir as emissões de carbono e mitigar as mudanças climáticas. Para isso, precisamos usar fontes de baixo carbono e recursos energéticos de forma eficiente. Nesse processo, os minerais certificados são fundamentais, sem eles não há transição energética. Os ímãs são muito relevantes porque eles vão em equipamentos de altíssima tecnologia. Estão presentes no carro elétrico, nas usinas eólicas e em vários aparelhos do dia a dia. Para ter equipamentos modernos, alinhados com esse objetivo de transição energética, o Brasil precisa aproveitar sua riqueza natural, que é muito grande, para largar de fato com vantagem. São janelas de oportunidades únicas, que burocracias específicas, que levam anos para serem aprovadas, e outros obstáculos podem dificultar, afastando investidores e o próprio desenvolvimento. A burocracia ainda é um obstáculo para a transição energética no Brasil.

A Fiemg buscou investimentos de R$ 2,5 bilhões durante o acordo firmado na Austrália, realizado na última semana. Como isso vai contribuir para o desenvolvimento e exploração de terras raras?
A Fiemg assinou um memorando com a St. George Mining Limited para um investimento de R$ 2 bilhões no Projeto Araxá, focado em nióbio e terras raras. Um segundo acordo com a Perpetual Resources prevê R$ 400 milhões para três projetos de exploração de terras raras, lítio e estanho em Minas Gerais. Além disso, a Fiemg firmou parcerias com três mineradoras australianas para compartilhar o laboratório brasileiro de produção de ímãs de terras raras, que entrará em operação em janeiro próximo. O laboratório permitirá ao Brasil corrigir gargalos tecnológicos na separação desses elementos, um ponto essencial para o setor. Mesmo ainda não operando, o laboratório está impulsionando os investimentos em terras raras no Brasil. Hoje, a gente tem equipamentos que faltavam para a correção da rota, que está basicamente na separação de todos os elementos. Esse era o nosso principal problema. Lembrando que alguns elementos são mais fáceis de serem separados, outros nem tanto. Esses mais difíceis requerem desenvolvimento tecnológico mais profundo, e estamos caminhando para ter essa capacidade e crescer.

Como expandir o setor sem comprometer o compromisso ambiental?
Segundo dados que apresentamos durante a COP29, Minas Gerais possui 35% de seu território preservado, sendo o maior estado com áreas protegidas fora da Amazônia, e nas propriedades de mineradoras esse índice sobe para 53,28%. Segundo levantamento, para cada hectare minerado, oito são preservados. Municípios com atividades mineradoras apresentam PIB per capita e índices de desenvolvimento superiores aos que não possuem essa atividade. Além disso, estamos promovendo energias renováveis e propondo substituir termelétricas não renováveis por fontes renováveis até 2035, o que reduziria em 53% as emissões de carbono no setor elétrico nos próximos 26 anos e reduziria os custos de energia.

A decisão da China de parar de exportar ímãs de metais raros a partir de 2025 impacta o setor?
A decisão da China afeta profundamente o mercado global, pois os ímãs de terras raras são essenciais em tecnologias de ponta, como carros elétricos, usinas eólicas e dispositivos como computadores, celulares e tablets. São equipamentos que fazem parte da transição energética. A China avisou ao mundo que, a partir do ano que vem, não vai exportar mais o ímã. Então, basicamente, se você quiser comprar dela, vai ter que comprar uma parte do equipamento ou o mesmo totalmente pronto. Isso porque o ímã é um produto semielaborado. No novo cenário, a partir de 2025, o equipamento precisará ser adquirido pronto, com outras tecnologias. Dessa maneira, a China cria quase uma dependência de vários fabricantes, algo que ela já possui, de certa forma. Então, determinada empresa, mesmo que desenvolva uma tecnologia em outras etapas, vai acabar sendo obrigada a comprar o produto, já que ela não pode comprar mais o ímã. Isso muda toda a rota do mercado.

Quais são as oportunidades que o mercado chinês oferece?
A China é o principal parceiro comercial do Brasil e o principal destino das exportações brasileiras. Só em 2023, as vendas brasileiras para o país ultrapassaram, pela primeira vez, o valor de US$ 100 bilhões, e o comércio bilateral entre os países chegou a US$ 157,5 bilhões. Sendo assim, também na última semana, uma nova comitiva da instituição foi para Xangai, na China, com o objetivo de conhecer o mercado chinês, buscar fornecedores e aumentar a presença de produtos mineiros no mercado internacional, participando inclusive da China International Import Expo (CIIE), a maior feira de importação do país, além de realizar visitas técnicas e capacitações empresariais. Entre os setores representados na missão estão extrativismo e mineração, alimentos e bebidas, máquinas e equipamentos, construção civil e metalmecânica.

Quais são os desafios para o Brasil no setor de terras raras?
O Brasil tem uma chance única de se tornar competitivo no mercado global, promovendo sua independência tecnológica e industrial. A transição energética aumenta a demanda por terras raras, e o País tem potencial para liderar. O desafio está em desenvolver as tecnologias necessárias, hoje concentradas na China, e avançar com rapidez para aproveitar essa oportunidade. O governo de Minas Gerais já demonstrou visão ao apoiar projetos de pesquisa, mas espera-se maior apoio federal para este setor estratégico. Já vemos alguns acenos nesse sentido.

Por que o Brasil está atrás de outros países, apesar de sua riqueza mineral?
O Brasil enfrenta uma burocracia complexa que atrasa projetos estratégicos, ao contrário de países como a China, que promovem crescimento econômico rápido por meio de investimentos. No Brasil, o desenvolvimento social é muitas vezes tratado apenas por leis, e não pelo incentivo à produção. No setor de terras raras, áreas de mineração podem ser pequenas, mas de alta relevância econômica. Exemplo disso é a mina de nióbio em Araxá, que ocupa apenas 15 hectares, mas é responsável por 95% da produção mundial de nióbio.

“Estamos promovendo energias mais limpas e propondo substituir termelétricas não renováveis por fontes renováveis até 2035”

Como o avanço desse mercado impacta a geração de empregos?
Os acordos com as mineradoras St. George Mining Limited e Perpetual Resources, que incluem iniciativas no Projeto Araxá e em áreas no Sul de Minas e Vale do Jequitinhonha, devem gerar 300 empregos, muitos dos quais qualificados e com altos salários. Esses postos são fundamentais para áreas de pesquisa e tecnologia, essenciais para o desenvolvimento do Brasil.

Há novas parcerias ou negociações em andamento para acelerar a expansão do mercado brasileiro?
Em 2025, a Fiemg realizará missões empresariais no Japão e participará de novos encontros na Austrália e na China. As iniciativas de promoção comercial internacional são cruciais para apoiar as indústrias que já possuem capacidade de diversificar seu mercado, sem ficar dependentes apenas do mercado doméstico. Além disso, com o dólar em alta, investir em estratégias de exportação é muito vantajoso para as indústrias. As oportunidades na China, por exemplo, são muitas. A transição energética global impulsiona a demanda por minerais estratégicos, e a Fiemg busca atrair investidores e expandir o setor de mineração de forma sustentável. Além de incentivar parcerias, a federação enfatiza o compromisso da mineração com a preservação ambiental, destacando o papel das áreas protegidas pelas indústrias de mineração no estado.