O PIB melhorou. Mas vai se sustentar? Confira o que dizem governo e analistas
Por Paula Cristina
RESUMO
● A indústria cresce, o consumo das famílias sobe, o desemprego cai
● A economia vai bem sob Lula. Pelo menos por ora
● Mas o futuro inspira cautela para desviar dos erros da gastança desmedida de outras gestões do PT
Instituições sólidas de poder, capacidade de enxergar janela de oportunidades e, principalmente, habilidade para abrir mão do que é anacrônico. Esta é a fórmula do sucesso econômico segundo James A. Robinson, que ganhou este ano o Prêmio Nobel de Economia. Se o teórico estiver certo, o Brasil pode ter nas mãos a chave para um ponto de inflexão. A construção do Produto Interno Bruto (PIB) de 2024 carrega um pouco de todos os elementos da receita do sucesso de Robinson. A estabilidade política criou um ambiente de mais confiança na economia, há um esforço do governo em apontar novos potenciais mercados e, apesar das muletas das antigas gestões do PT, há indícios de que os erros do passado não serão repetidos. E os efeitos já começaram a surgir.
● A indústria brasileira se aproxima do melhor ano em quase duas décadas, com retomada da participação na composição do PIB para 23,5%, um ponto percentual acima do ano passado e mais perto do patamar registrado no início do século XXI.
● Os serviços, com o motor do investimento tecnológico aquecido, encostam na marca histórica de 72% da composição das riquezas geradas.
● E tudo isso é balizado pelo consumo das famílias, que deve crescer 4,5% este ano, o que levou ao maior PIB per capita da história, de R$ 52,3 mil.
“Tudo isso enquanto a taxa de juros segue em dois dígitos, a economia global enfrenta desafios e a Reforma Tributária ainda não está em vigor. Imagina onde podemos chegar quando todos os fatores estiverem normalizados?”, ponderou à DINHEIRO Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.
Mas, ainda que a agenda do governo apresente um mar de possibilidades, a vida real é um pouco menos promissora. A estimativa de desaceleração da economia em 2025, sinalizada pelo Banco Central, coloca em xeque o plano do governo que, segundo Alckmin, é crescer mais de 9% em quatro anos.
O mapa de 2025 foi desenhado pela Fundação Dom Cabral, no estudo Cenário Macroeconômico Global e Brasil 2025. Segundo Gilmar Mendes, professor da Fundação Dom Cabral e responsável pelo estudo, um dos pilares do esfriamento da economia ano que vem se dará naturalmente com o impacto das altas taxas da Selic no poder de compra do brasileiro.
“A expectativa é que o ciclo de aumento das taxas comece a ser revertido apenas em meados de 2025, com a redução gradual da taxa Selic, mas isso ainda depende de outros fatores”, disse. Alguns destes fatores, explicou o acadêmico, são as reformas setoriais, pilares que podem destravar investimentos e regular a economia. “Além disso, o País ainda enfrenta o desafio de equilibrar suas contas fiscais e finalizar a regulamentação da Reforma Tributária”, afirmou. Se fizer a lição de casa, avaliou o professor, as projeções do Ministério da Fazenda, de crescer mais que os 2% previstos pelo Banco Central, podem se tornar realidade.
Por meio de nota técnica, o Banco Central estima que, ano que vem, as taxas de variação esperadas para o consumo das famílias, o consumo do governo e a Formação Bruta de Capital Fixo (investimentos) são 2,2%, 2,0% e 2,0%, respectivamente. “A expansão mais moderada dos benefícios sociais e de outros gastos governamentais, em comparação ao observado neste ano e no anterior, deve contribuir para atenuar o crescimento do consumo das famílias e do governo.”
ESTÍMULO EM ALTA
Para azeitar o motor econômico, o governo tem apostado alto na indústria. Tanto que, somando recursos públicos diretos e indiretos, a estimativa é que ao menos R$ 500 bilhões sejam injetados no segmento em 2024, a maior cifra proporcional desde 2013.
Na linha de frente ficou o BNDES que, pela primeira vez em oito anos, liberou mais recursos para a indústria do que para o agronegócio (veja gráfico abaixo). Segundo Cláudio Hamilton Matos dos Santos, coordenador de acompanhamento e estudos da conjuntura na Dimac/Ipea, o crescimento da indústria no segundo trimestre, que apresentou um incremento de 3,9% na comparação anual, foi uma boa surpresa. “Não esperávamos que a economia fosse se mostrar tão aquecida no segundo trimestre, como efetivamente se verificou.”
Quem também se surpreendeu com a resiliência industrial foi o Banco Central, comandado por Roberto Campos Neto, que mudou a projeção de crescimento do setor para o ano de 2,7% para 3,5% “devido a melhorias nos prognósticos para indústria de transformação, construção e eletricidade e gás, água, esgoto e atividades de gestão de resíduos”.
Na nas ondas positivas, o setor de serviços também nada de braçada. Maior empregador do Brasil e produzindo mais de R$ 7,00 a cada R$ 10,00 produzidos no Brasil, os empresários do ramo também têm o que comemorar. Com programas de estímulo à Pesquisa & Desenvolvimento, o governo escoará, só em 2024, R$ 186 bilhões, o maior valor da história.
Nos eventos internacionais, a promoção do Brasil como um polo de inovação também ganhou força este ano. A estimativa do Ministério da Fazenda é de um incremento de 15% em 2024 nos recursos captados no exterior só para tecnologia. Segundo Fernando Haddad, que esteve em outubro em rodadas de negócios nos Estados Unidos, as soluções que envolvem tecnologia e clima são as mais buscadas por empresários ao redor do mundo. “Mostramos que temos capacidade e tecnologia para abarcar inovação, além de biomas para se discutir o futuro do clima no mundo”, disse ele após os encontros.
DEMANDA INTERNA
Outro pilar do crescimento do PIB em 2024 é o consumo das famílias, que deve crescer 4,5% este ano, motivado pela expansão dos benefícios sociais, melhora nos indicadores de emprego e liberação do crédito após o programa Desenrola. Quem sentiu esse movimento foi Felipe Tavares, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio. Segundo ele, em setembro, a intenção de consumo das famílias subiu 10,4%, embora a prioridade ainda seja quitar dívidas. “Com a redução da inadimplência, podemos concluir que as famílias estão aproveitando o crédito mais barato para ajustar seus orçamentos em vez de fazer novos compromissos”, declarou.
O subindicador do levantamento — que mede a perspectiva de consumo para os próximos três meses — continua na área de satisfação, aos 109,7 pontos. Representa alta de 7,8% na comparação com fevereiro de 2023. “A atenção das famílias brasileiras com o planejamento financeiro vem mostrando resultados no mercado de crédito e, apesar de enfraquecer o consumo, a intenção de compra permanece melhor do que em anos anteriores”, afirmou.
E se o brasileiro parece preocupado com as contas em casa, o governo federal tem caminhado na direção oposta. Enquanto se debate um ajuste fiscal para equilibrar as contas públicas, o que se nota é que o governo tem gastado bem mais. No segundo trimestre, o custo da máquina pública atingiu R$ 533 bilhões, ou 8,2% do PIB. Na comparação com 2023, o resultado ficou um ponto percentual menor. Isso, no entanto, não se deu por redução dos gastos, mas pelo aumento da arrecadação, o que pode não se repetir ano que vem. Segundo dados do Tesouro Nacional, houve aumento de 0,48 p.p. do PIB no investimento líquido do governo geral entre o segundo trimestre de 2024 e o mesmo período de 2023.
OLHAR NO CAMPO
Apesar de ser a estrela ascendente do PIB nos últimos anos, o campo deve gerar menos riquezas em 2024.
● Pela metodologia do IBGE, o setor de agropecuária engloba apenas o cultivo e manejo de animais e grãos, e exclui os números da indústria na cadeia do agronegócio, desde a aquisição de tratores até os grandes parques fabris de processamento de alimentos e proteína animal, por exemplo.
● Sob essa ótica, o setor, que representou 6,6% do PIB em 2023, deve ver sua participação encolher para algo em torno de 4,4% este ano.
● Os motivos, segundo o Banco Central, envolvem a queda nos preços de algumas culturas, “o que desestimula a expansão da área cultivada e pode reduzir o uso de insumos que aumentam a produtividade da área plantada, limitando o potencial de crescimento da produção”.
Para tentar segurar as pontas, o governo anunciou o maior Plano Safra da história, com valor de R$ 400,59 bilhões, além de outros R$ 76 bilhões em crédito rural. O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, afirmou em entrevista à DINHEIRO RURAL que o ritmo de contratação do crédito está mais acelerado este ano, o que indica “o interesse da cadeia produtiva de todos os portes em inovar e crescer”.
O ministro disse ainda que tem acompanhado os pontos de arrefecimento do agronegócio e trabalhado em soluções conjuntas com o empresariado para mitigar os efeitos nocivos da queda nos preços, quebra de safra e eventos climáticos adversos. “Tudo isso enquanto batalhamos para desbravar novos mercados mundo afora”, acrescentou.
Desde o começo do governo Lula já foram abertos, segundo Fávaro, mais de 180 novas rotas de comércio. Com isso, o ministro de Lula tenta cumprir uma das regrinhas básicas de James A. Robinson para o desenvolvimento de uma nação: a busca por novas oportunidades. Um caminho que, segundo o economista, não pode nunca deixar de ser perseguido, sob o risco de o governo se tornar, dentro da própria gestão, uma peça da anacronia.
Cinco perguntas para Geraldo Alckmin, vice-presidente da República e chefe do MDIC
“Não tenho dúvidas que a indústria fará a diferença no crescimento econômico deste ano. E o resultado será acima da média do PIB”
Hoje já é possível dizer que a indústria será o destaque no PIB deste ano?
Não tenho dúvidas que a indústria fará a diferença este ano. Há enorme possibilidade de crescimento robusto. Acima da média do PIB em todos os trimestres. Precisamos lembrar que este setor é responsável por boa parte das exportações e geração de empregos no País e agora será o pilar para a recuperação e avanço da economia brasileira nos próximos meses.
E como esse incremento tem se desdobrado no dia a dia dos industriais?
A ONU tem um organismo chamado Unido, é a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial. O Brasil ganhou do ano passado para este ano 30 posições. Nós éramos na ONU o 70º. Baixamos para 40º. Ganhamos 30 posições no crescimento industrial, isso é reflexo direto do trabalho amplo, e árduo, de fomentar a indústria e incentivar o futuro.
E como incentivar este futuro?
Queremos estimular a nova indústria. Uma indústria inovadora. Queremos estimular o desenvolvimento científico, a indústria de alta tecnologia. E um terço da pesquisa científica é na Saúde, ela está na vanguarda da inovação – inovadora, sustentável, descarbonizada e competitiva.
Mas tudo isso com recursos públicos?
Não. Temos em mãos oportunidades atraentes também para o mercado de capitais. Em outubro, lançamos a LCD [Letra de Crédito do Desenvolvimento]. Já tem a LCA [agrícola], a LCI [imobiliário] e, agora, a LCD para o comércio, serviços e indústria. Isso é crédito mais barato, e não é governo, é mercado. E quem comprar o título, pessoa física, não paga imposto sobre o rendimento. Pessoa jurídica tem uma redução de 25% para 15%. E esse benefício é direto para o tomador.
Os serviços serão, outra vez, destaque do PIB. Isso é bom para a indústria?
A tecnologia que tem entrado em massa no Brasil é o vetor que une os setores. Gosto muito de falar de Saúde porque é um exemplo em franca expansão. A indústria da Saúde brasileira reflete diretamente no serviço prestado, e quando ele é feito com mais tecnologia, gera mais riqueza ao País, mais renda ao cidadão, mais postos de trabalho. A inovação, a pesquisa e o desenvolvimento são nosso maior objetivo hoje, e com ele-s nós vamos espantar o fantasma da crise e recolocar a indústria brasileira em um grau de excelência de outros tempos. Isso estimula também o agronegócio e o comércio e tem reflexos diretos na balança comercial.