“Brasil possui um dos ecossistemas de fintechs mais avançados do mundo”, diz especialista Anett Numa
Ex-conselheira de Transformação Digital da Estônia, um dos países mais digitalizados do mundo, afirma que o País pode promover eficiência e transparência de dados através de plataformas descentralizadas e ressalta importância de parcerias público-privadas
Por Letícia Franco
Na jornada digital do Brasil, a falta de integração entre bancos de dados governamentais é um desafio relacionado ao uso de informações e à cibersegurança. Essa é a afirmação de Anett Numa, chefe de Relações Governamentais e Comunicações da Accelerate Estonia, laboratório governamental de inovação que molda políticas públicas para permitir negócios impactantes. A executiva foi conselheira de Transformação Digital da Estônia, que com pouco mais de 1,3 milhão de habitantes tornou-se um dos países mais digitalizados do mundo, onde só é necessário sair de casa para divórcios. Em entrevista exclusiva à DINHEIRO, a especialista em inovação digital afirmou que o Brasil avança lentamente na digitalização do sistema de identificação, especialmente em áreas como governo eletrônico, finanças e tecnologia de dados, mas considera o setor de fintechs do País um dos mais desenvolvidos do mundo, o que aumenta o potencial do Brasil para alcançar a infraestrutura digital da Estônia. Para apoiar a discussão e construção de um ecossistema que promova uma identidade digital global e acelerar o avanço do Brasil em uma jornada digital, a Unico, empresa brasileira especializada em identidade digital, trouxe Numa ao Brasil, no último mês, em evento com empresas de finanças e tecnologia.
DINHEIRO — Como a Estônia se tornou referência em serviços digitais, especialmente no setor público?
ANETT NUMA — A Estônia construiu uma sociedade digital em que 99% dos serviços públicos do país, como registros de empresas, certidões de nascimento e pagamento de impostos, são totalmente acessados de forma on-line. Esse alto nível de serviços públicos digitais trouxe benefícios ao PIB, ajudando o governo a economizar tempo e dinheiro, além de oferecer mais tempo livre aos cidadãos. No país, apenas um serviço exige a presença física do cidadão em uma instituição governamental: o divórcio. Mas isso também está mudando até o final do ano. Todo o restante, desde abrir uma empresa até votar nas eleições parlamentares, locais e da União Europeia, pode ser feito sem deslocamentos ou papel, apenas com uma assinatura digital. Dos 1,3 milhão de estonianos, 98,2% possuem uma identidade digital com um chip que lhes concede acesso a todos os serviços governamentais e do setor privado. A biometria facial tem sido uma grande aliada nessas mudanças, permitindo uma identificação rápida e eficaz. Além de facilitar o fluxo de negócios, cuidar da segurança do consumidor é um dos aspectos mais relevantes para a imagem e credibilidade das organizações.
Como tem sido essa relação entre entidades brasileiras e estonianas?
No final de 2021, o fundador da Unico, Diego Martins, e executivos, visitaram a Estônia pela quarta vez. Em junho de 2023, foi a vez de Andres Sutt, ex-ministro de Empreendedorismo e Tecnologia da Informação do governo estoniano, vir ao Brasil para conhecer a trajetória brasileira e observar como a Unico está se espelhando na estrutura digital da Estônia para desenvolver soluções, investindo em tecnologia para construir um ecossistema completo de identidade digital usando biometria facial.
“A Estônia tem 99% dos serviços públicos digitais e isso trouxe diversos benefícios para o PIB’’
Quais os benefícios da revolução digital da Estônia para empresas, governo e cidadãos?
A infraestrutura digital da Estônia oferece conveniência e transparência notáveis. Para os cidadãos, os serviços são acessíveis on-line, economizando tempo e recursos. Abrir uma empresa, por exemplo, leva apenas 15 minutos, sem necessidade de presença física. Além disso, as ferramentas digitais promovem a e-democracia, permitindo aos cidadãos participar de forma transparente nos processos decisórios. Para o governo, a digitalização impulsiona a eficiência e a economia de custos, exemplificada pela iniciativa de assinatura digital, que sozinha economiza 2% do PIB da Estônia.
E a cautela com a gestão de dados?
A gestão de dados na Estônia prioriza confidencialidade, integridade dos dados e acesso a informações atualizadas. A plataforma descentralizada de troca de dados X-Road suporta interações seguras ao criptografar, registrar o tempo e usar blockchain KSI para segurança adicional. Um recurso de rastreamento de dados ainda oferece transparência aos cidadãos sobre como seus dados são utilizados.
Como a Inteligência Artificial impacta o desenvolvimento digital da Estônia?
A IA está profundamente integrada à abordagem de digitalização da Estônia, com mais de 30 projetos de IA no setor público desde 2019. O país foca na construção de um ecossistema sustentável de IA que impulsione o crescimento econômico, otimize serviços públicos e melhore a qualidade de vida dos cidadãos. A Estônia também lançou mais de 60 componentes de IA de código aberto, promovendo a inovação e a adoção da tecnologia.
O desenvolvimento digital avançado, como da Estônia, pode significar a redução de empregos?
Os avanços da Estônia não necessariamente reduzem as oportunidades de emprego, mas alteram funções laborais. Tarefas manuais são frequentemente automatizadas, gerando demanda por programas de requalificação e aprimoramento para preparar a força de trabalho para novos papéis no ambiente digital. A Estônia enfatiza o aprendizado ao longo da vida para apoiar essa transição digital.
E a mão de obra estrangeira? Há muitos profissionais de tecnologia de outros países, como o Brasil, na Estônia?
A Estônia atrai talentos internacionais com seu ecossistema favorável com iniciativas como o visto para startups. Esse ambiente motiva empreendedores, incluindo brasileiros, a estabelecerem negócios no país. Para quem prefere permanecer no Brasil, a Estônia oferece o programa de e-residência, permitindo que não-residentes criem e gerenciem empresas na UE remotamente, aproveitando sua infraestrutura digital.
Como está o avanço digital no Brasil?
O Brasil está avançando lentamente na digitalização do sistema de identificação, especialmente em áreas como governo eletrônico, serviços financeiros e tecnologia de dados. Nos últimos anos, iniciativas como a identidade digital e o gov.br demonstram o progresso. O País possui um grande potencial devido à sua ampla base de usuários e à crescente penetração da internet, com mais de 70% da população conectada. No entanto, o Brasil enfrenta obstáculos estruturais que dificultam um avanço mais rápido, como desigualdade de acesso digital, diferenças entre classes sociais, infraestrutura de TI desigual e desafios no desenvolvimento de políticas de privacidade e proteção de dados. O papel de empresas como a Unico é fundamental na promoção da identidade digital, um dos pilares da digitalização e inovação no País. A Unico tem investido em autenticação por biometria facial e colaborado com o governo e empresas nacionais para desenvolver soluções inspiradas em modelos globais, como o da Estônia.
Com a digitalização, o Brasil dá controle ao cidadão sobre seus dados e eleva a confiança no serviço público’’
O que tem se destacado no Brasil no âmbito da evolução digital voltada aos negócios?
O Brasil possui um dos ecossistemas de fintechs mais avançados do mundo, promovendo inclusão financeira por meio de pagamentos digitais, empréstimos on-line e open banking. Esses avanços são cruciais para comunidades periféricas ou pessoas sem acesso a bancos tradicionais. Embora ainda exista um longo caminho para alcançar a infraestrutura digital da Estônia, há um enorme potencial no Brasil. A colaboração entre governo, empresas e sociedade pode acelerar esse progresso, tornando a digitalização mais segura e inclusiva.
Como a inovação e a tecnologia são essenciais para o sistema de pagamentos?
A inovação transformou o setor de pagamentos ao aumentar a velocidade, segurança e acessibilidade. Tecnologias como carteiras digitais, pagamentos por aproximação e autenticação biométrica tornaram as transações mais convenientes e seguras. Desenvolvimentos recentes incluem moedas digitais de bancos centrais (CBDCs) e uso de IA para detecção de fraudes em tempo real. Essas soluções têm sido fundamentais para promover a inclusão financeira e impulsionar o crescimento econômico globalmente.
Quais são os principais desafios do Brasil no uso de dados e cibersegurança?
O Brasil enfrenta desafios como a falta de integração entre bancos de dados governamentais, dificultando a eficiência e a transparência. A infraestrutura de proteção de dados ainda é limitada, o que compromete a segurança da informação. Apesar de avanços com leis como a LGPD, ainda há dificuldades em implementar medidas robustas de cibersegurança, proteger infraestruturas críticas e construir confiança pública no uso de dados. Além disso, lacunas de habilidades em cibersegurança precisam ser preenchidas para proteger sistemas dos setores público e privado. Investimentos em educação, capacitação e parcerias público-privadas são essenciais para enfrentar esses desafios.
Quais lições o Brasil pode aprender com o progresso digital da Estônia?
O Brasil pode adotar várias lições, como estabelecer uma plataforma descentralizada e segura de compartilhamento de dados, semelhante ao X-Road da Estônia, para melhorar a comunicação entre departamentos. Promover transparência e dar controle aos cidadãos sobre seus dados pode aumentar a confiança nos serviços públicos. Além disso, investir em identidades digitais acessíveis pode incentivar maior participação digital, tanto no setor público quanto no privado. A educação em cibersegurança e parcerias público-privadas também podem fortalecer a defesa digital no Brasil.
Como um ecossistema de identidade digital global segura poderia transformar a sociedade?
Um sistema seguro e reconhecido globalmente simplificaria o acesso a serviços transnacionais, aumentaria a confiança nas interações on-line e apoiaria a inclusão financeira e o comércio global. A e-residência da Estônia é um exemplo de sucesso nesse campo, permitindo que pessoas realizem negócios internacionais remotamente e com segurança.
Como as empresas podem contribuir para os avanços digitais no Brasil?
A Unico, por exemplo, investe em autenticação de identidade precisa para aumentar a confiança em transações on-line, criando um ecossistema de soluções completas que incluem biometria facial, prova de vida, validação de identidade em compras digitais e gestão de admissões digitais. Tudo isso promove maior segurança e melhor experiência do usuário, ajudando empresas e governos a evitar fraudes e oferecer serviços mais confiáveis e acessíveis.
Qual a importância de parcerias para compartilhar experiências no Brasil?
Compartilhar conhecimentos no Brasil tem sido enriquecedor e desafiador devido à diversidade cultural e socioeconômica do país. É essencial adaptar abordagens para atender às diferenças regionais, de acesso à tecnologia e de infraestrutura. Parcerias entre setores público e privado são fundamentais para digitalizar sistemas de identificação e criar soluções inclusivas.