Economia

Governo vai mesmo cortar na carne para fazer o ajuste fiscal? Plano está aí; confira

Crédito: Andrea Puentes

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez uma bateria de encontros com seus pares ministeriais para discutir a execução dos cortes (Crédito: Andrea Puentes)

Por Viviane Monteiro

RESUMO

● Ministro Fernando Haddad realiza últimos ajustes no pacote de cortes que deve reduzir os gastos públicos, visando salvar o Arcabouço Fiscal
● Benefícios de militares entraram na última rodada de negociações

O pacote de ajuste fiscal do ministro Fernando Haddad (Fazenda) vai atacar setores que sempre foram poupados. Entre as medidas previstas estão cortes na Previdência e pensão dos militares das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica). Mas também vai impor regras na correção do salário mínimo, redução de gastos de custeio em áreas sociais como Saúde e Educação no esforço de garantir a sustentabilidade do arcabouço fiscal.

A tesourada sobre históricos privilégios das Forças Armadas, defendida há anos por especialistas para o enxugamento das despesas da máquina pública, atende a um pedido do presidente Lula, que entrou em acordo com o ministro da Defesa José Múcio Monteiro Filho, após reuniões com Haddad.

Em meio à reunião do G-20, esta semana, no Rio de Janeiro, a equipe econômica e técnicos da Defesa se debruçaram, na terça-feira, 19, em Brasília, em busca de consenso nos cortes das despesas no mesmo dia em que a Polícia Federal deflagrou a operação Contragolpe com a prisão de militares que planejaram, no fim de 2022, o assassinato do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes (SFT), o que causou “constragimento” entre os militares, que agora também estão insatisfeitos com a redução de seus privilégios.

Tradicionalmente poupado graças ao forte lobby, os militares estão cedendo e, segundo a Defesa, vão contribuir com o pacote que, no total, deve cortar cerca de R$ 70 bilhões em dois anos, sendo R$ 30 bilhões em 2025 e R$ 40 bilhões em 2026.

Quatro propostas consensuais entre os dois ministérios entraram no radar do pacote e elas devem ser anunciadas juntamente com o restante das medidas.
● Uma prevê criar um Fundo de Saúde com a contribuição de 3,5% da remuneração dos militares até janeiro de 2026.
● Outra institui idade mínima de 55 anos para o militar ter direito à chamada “reserva remunerada”, um tipo de aposentadoria que hoje não exige idade mínima. O tempo de serviço, de pelo menos 35 anos, é o critério adotado para obtenção desse benefício.

Presidente Lula, Rodrigo Pacheco (Senado) e José Múcio (Defesa) em evento no 7 de Setembro (Crédito:Divulgação)

MORTE FICTA

● Outro ponto do acordo acaba com a chamada “morte ficta”, que, na prática, significa morte “fictícia” aplicada a militares expulsos quando forem inaptos para o serviço, seja por crimes ou mau comportamento. Mesmo assim, os respectivos familiares recebem os benefícios integrais como se o militar tivesse morrido, conforme a Lei de 3.765/1960, conhecida com a legislação das pensões dos militares. O consenso, para o ajuste fiscal, é que, nesse caso, a família do militar passe a ter o direito ao auxílio-reclusão.

Para especialistas e parlamentares, os cortes previstos nas despesas das Forças Armadas, que respondem por significativa fatia do bolo orçamentário da União, são alternativas viáveis para o enfrentamento de problemas do déficit público e do crescimento da dívida brasileira. O déficit previdenciário de um militar aposentado ou pensionista é de R$ 159 mil, 17 vezes maior do que o do INSS, reforça o economista Odilon Guedes, vice-presidente do Conselho Regional de Economia São Paulo (Corecon-SP). “São 315 mil militares nessa situação. Representam um déficit total de R$ 49,7 bilhões.” Guedes lembra que o militar “é o único servidor público que se aposenta com salário integral, diferentemente dos demais trabalhadores brasileiros”.

Além de ajustes nas contas da Defesa, a área econômica cogita limitar o reajuste do salário mínimo a 2,5% acima da inflação, mudar os pisos da Saúde e Educação e contingenciar recursos da Ciência, áreas essenciais para o desenvolvimento. Ou seja, “cortar a própria carne”, conforme relatam economistas.

O ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse que o pacote deve ser concluído na sexta-feira (22) e garantiu que não haverá cortes nos investimentos nas áreas de Saúde e Educação. Ele antecipou um bloqueio de R$ 5 bilhões no Orçamento de 2024 pela Junta de Execução Orçamentária. “O corte cotidiano, se necessário e quando necessário, foi e sempre ocorrerá para manter as despesas dentro do limite da lei.”

O diretor executivo para as Américas do EurasiaGroup, Christopher Garman, apoia o esforço e avalia que o governo hoje está mais convencido da necessidade do ajuste. “Acredito que vem um pacote melhor do que o mercado está esperando.” O combate a “privilégios tributários” também está no radar de Haddad que, reiteradamente, critica a renúncia fiscal para o setor empresarial que, muitas vezes,“sem nada em troca”.

As renúncias fiscais totais, de estados e governo federal, alcançaram 7,2% do PIB em 2023, aumento de cerca de cinco pontos percentuais nos últimos 15 anos, conforme relatório da FGV em parceria com o Tax Expenditures Lab e apoio da ONG Samambaia.org.

Um dos responsáveis pelo estudo, Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do IBRE-FGV, destaca a falta de transparência dessas renúncias, além da ausência de controle e de análises de impactos sociais e econômicos. O estudo revela que mais de 70% do total vigoram por tempo indeterminado. A expectativa é de que esse tema seja incluído também no pacote, minimizando o impacto social negativo sobre eventuais cortes.