Brasil pode liderar aviação sustentável, mas há desafios há superar
O país tem potencial para liderar a produção mundial de Combustível Sustentável de Aviação (SAF), aproveitando recursos como o etanol e os resíduos agrícolas para reduzir as emissões de carbono do setor aéreo
Por Allan Ravagnani
RESUMO
● A utilização de recursos renováveis, como o etanol e os resíduos agrícolas, coloca o país em uma posição estratégica para liderar a transição energética global
● Estudos indicam que o Brasil pode converter até 3,4 bilhões de litros de etanol em SAF nos próximos 10 anos
● Mas custo de construção de uma biorrefinaria é elevado, chegando a US$ 1 bilhão
● Além do alto custo, outro desafio é a logística
A aviação, movida tradicionalmente por combustíveis fósseis, tem sido apontada como uma das principais fontes de emissões de gases de efeito estufa. De acordo com estudos do MIT, o setor aéreo é responsável por aproximadamente 5% da sobrecarga climática global. Com a crescente demanda por soluções mais sustentáveis, o Brasil se destaca como um país com grande potencial para liderar a produção de Combustível Sustentável de Aviação (SAF), um biocombustível que oferece uma alternativa limpa e renovável.
O SAF pode ser produzido a partir de diversas fontes, como:
● resíduos agrícolas,
● óleo de cozinha usado,
● e até sebo bovino, o que se alinha com a vasta capacidade brasileira de geração de biomassa.
Por aqui, entre as principais matérias-primas para a produção desse combustível está a cana-de-açúcar, amplamente utilizada para a produção de etanol. “Estudos indicam que o Brasil pode converter até 3,4 bilhões de litros de etanol em SAF nos próximos 10 anos, o que contribuiria significativamente para as metas de redução de emissões do setor aéreo”, explicou Ricardo Bendzius, da Nuseed, uma das empresas envolvidas no desenvolvimento de novas tecnologias para a produção de biocombustíveis.
A demanda por SAF tem crescido rapidamente, especialmente devido às metas globais de descarbonização estabelecidas por organizações como a Organização Internacional de Aviação Civil (OACI). O SAF, atualmente, representa menos de 1% do consumo global de combustíveis para aviação, mas especialistas acreditam que essa participação pode aumentar para até 20% nos próximos anos.
“Se o Brasil já consome 6,5 bilhões de litros de querosene de aviação, reduzir 50% desse consumo com SAF seria um avanço significativo”, destacou Bendzius. O estudo “Disponibilidade de matéria-prima para combustíveis sustentáveis de aviação no Brasil”, realizado pela Mesa Redonda sobre Biomateriais Sustentáveis (RSB), aponta que o País tem condições de produzir até 9 bilhões de litros de SAF por ano, mais do que o consumo atual de combustível fóssil do setor aéreo brasileiro. Essa capacidade coloca o Brasil em posição de destaque para fornecer tanto ao mercado interno quanto ao internacional.
ETANOL
Um dos principais biocombustíveis produzidos no Brasil é visto como uma solução pronta para a descarbonização da aviação. A Raízen, uma das maiores produtoras de etanol do mundo, já exporta etanol para a produção de SAF em outros países e está desenvolvendo parcerias para viabilizar a produção local. “O Brasil está preparado para não só ser fornecedor de matéria-prima, mas também para se tornar um produtor relevante de SAF”, afirmou Raphael Nascimento, diretor de novos negócios da Raízen. A cana-de-açúcar, além de ser uma matéria-prima amplamente disponível, pode ser aproveitada de maneira sustentável.
A Nuseed, por exemplo, desenvolveu uma nova variedade da cana conhecida como cana-energia, que tem uma produtividade de açúcares fermentáveis muito maior do que a cana tradicional. “Nossa variedade consegue produzir até 100 toneladas de cana por hectare, mesmo em ambientes restritivos. Isso permite uma maior longevidade dos canaviais e contribui para a produção sustentável de etanol e, futuramente, de SAF”, explicou Bendzius.
Além disso, há uma grande oportunidade de expansão do plantio de cana em regiões como Goiás e Mato Grosso do Sul, onde há terras subutilizadas que podem ser convertidas para a produção de biocombustíveis. Segundo Bendzius, “o Brasil tem potencial para aumentar sua área plantada de cana-de-açúcar em 2,6 milhões de hectares nos próximos 12 anos, o que permitirá atender à crescente demanda por biocombustíveis sem competir com a produção de alimentos.”
DESAFIOS E OPORTUNIDADES
Embora haja oportunidades, a produção de SAF no País ainda enfrenta alguns desafios. O custo de construção de uma biorrefinaria, por exemplo, é elevado, chegando a US$ 1 bilhão, o que representa um grande investimento inicial. Amanda Gondim, coordenadora do Projeto de Gestão da Rede Brasileira de Bioquerosene e Hidrocarbonetos Sustentáveis de Aviação (RBQAV), ressalta que, mesmo com a necessidade de investimentos elevados, o País tem condições de liderar esse mercado. “Com a vasta disponibilidade de biomassa e a capacidade de gerar hidrogênio verde, o Brasil tem uma vantagem competitiva significativa”, explica Gondim.
Além do alto custo, outro desafio é a logística. A produção de SAF é mais eficiente quando realizada próxima à fonte de matéria-prima, o que torna o mercado brsileiro um local estratégico. “Precisamos de cerca de 1,7 litro de etanol para produzir 1 litro de SAF, então produzir o combustível perto das usinas de etanol no Brasil é uma solução eficiente tanto do ponto de vista ambiental quanto econômico”, afirma Raphael Nascimento, da Raízen.
Para superar esses desafios, será necessário um esforço conjunto entre o setor público e privado. O governo brasileiro já deu passos importantes ao criar políticas públicas que incentivam o desenvolvimento de biocombustíveis. Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, destacou recentemente a importância dos biocombustíveis para a descarbonização do setor aéreo e anunciou novos investimentos para expandir a produção de SAF. “O Brasil tem potencial para se tornar um dos maiores produtores de biocombustíveis do mundo, e o SAF será uma peça central nessa transição energética”, afirma Silveira.
Um dos principais benefícios do SAF é sua contribuição para a economia circular. Empresas como a JBS já transformam resíduos animais em biocombustível em países como os Estados Unidos e Austrália.
Jason Weller, CSO global da JBS, explica que a reutilização de resíduos contribui diretamente para a sustentabilidade do setor de aviação: “Ao reaproveitar resíduos animais, ajudamos a reduzir o desperdício e promovemos uma cadeia de produção mais sustentável”.
No Brasil, a Friboi e a Biopower, ambas subsidiárias da JBS, estão estudando a viabilidade de produzir SAF a partir de resíduos de suas operações, contribuindo para a implementação de uma economia circular no país. Além disso, o uso de SAF pode reduzir as emissões de carbono em até 70%, sem a necessidade de modificações nos motores das aeronaves, facilitando sua adoção.
FUTURO
A produção de SAF no Brasil deve começar a ganhar força nos próximos anos, com projetos como o da Brasil BioFuels (BBF), que pretende iniciar a produção de biocombustíveis para aviação em 2025. A BBF utilizará óleo de palma como matéria-prima, reforçando a diversidade de recursos que o Brasil pode aproveitar para a produção de SAF.
Com a crescente demanda global por combustíveis sustentáveis, o Brasil está bem posicionado para se tornar um dos maiores fornecedores de SAF. segundo especialistas, se 25% da demanda global por SAF for atendida pela tecnologia AtJ, utilizando etanol como matéria-prima, isso representaria uma demanda adicional de 9 milhões de metros cúbicos de etanol, o que corresponde a menos de 10% da produção global atual.
Henrique Baudel, engenheiro químico do Instituto SENAI, ressalta que o Brasil tem todas as condições para liderar o desenvolvimento de SAF no mundo. “Temos a matéria-prima, a tecnologia e o capital humano necessário para transformar o Brasil em um dos principais players globais na produção de biocombustíveis”, explicou Baudel.
A produção de SAF no Brasil representa uma oportunidade única de alinhar desenvolvimento econômico com sustentabilidade.
● A utilização de recursos renováveis, como o etanol e os resíduos agrícolas, coloca o país em uma posição estratégica para liderar a transição energética global.
● Embora existam desafios a serem superados, as perspectivas são promissoras, com investimentos já em andamento e uma demanda crescente por soluções que reduzam as emissões de carbono no setor aéreo.
● O país com sua capacidade de produção de biomassa e inovação tecnológica, está pronto para desempenhar um papel central nesse novo cenário.
● A união de esforços entre o setor público e privado será o fator-chave para transformar potencial em realidade, fazendo do Brasil um protagonista na descarbonização da aviação global.
“Precisamos de cerca de 1,7 litro de etanol para produzir 1 litro de SAF, então produzir o combustível perto das usinas de etanol no Brasil é uma solução eficiente tanto do ponto de vista ambiental quanto econômico”
Raphael Nascimento, diretor de Novos Negócios da Raízen