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Clima, crédito, preço dos grãos… Cenário no campo exige cautela, mas há otimismo

Safra ainda deve ser recorde, mas preços em baixa, alto endividamento das empresas e adversidades climáticas dificultam produção

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Para o ministro Carlos Fávaro, questões climáticas estão postas e precisam ser tratadas com seriedade no plano das ideias e na execução (Crédito: Divulgação)

Por Paula Cristina

O momento pode até ser desfavorável para o agronegócio, com preços baixos e margens apertadas, crise na economia global, eventos climáticos extremos e empresas em recuperação judicial. Mas nem mesmo esse cenário que exige cautela do setor deve impedir que os empresários atinjam, neste ano, o recorde de 326 milhões de toneladas em grãos colhidos, 8,2% acima do ano passado e um recorde, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A mesma expansão deverá ser registrada na área plantada, que somará 81,4 milhões de hectares, 2,1% acima da última safra. E o que explica um cenário de cautela econômica e, ainda assim, crescimento da atividade? Segundo o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, é a resiliência do empresário e a velocidade do governo em resolver eventuais problemas. “Temos feito um trabalho de formiguinha, passo a passo, para entender os problemas e apresentar soluções. E por isso houve, mês a mês, estimativas de melhora na safra”, diz.

(Joédson Alves/Agência Brasil)

“É fato que as mudanças climáticas vieram acima do que poderíamos prever, mas sabemos que o caminho que nos trouxe até aqui não será o que nos levará ao futuro. Precisamos mudar nossa forma de produzir”
Carlos Fávaro, ministro da Agricultura e Pecuária

● Na soja, segundo a Conab, autarquia ligada ao governo, ainda que os preços estejam pressionando as margens dos empresários, há uma tendência de aumento na demanda global, em especial pelo uso da oleaginosa na produção de combustível. As vendas ao mercado externo devem atingir 104,7 milhões de toneladas em 2025, um crescimento anual de 13,3%. Esse contexto favorece a expansão da área plantada, que pode atingir 47,4 milhões de hectares. Além disso, após as adversidades climáticas enfrentadas pelos principais estados produtores, os resultados devem melhorar e alcançar uma safra total estimada em 166,3 milhões de toneladas, um aumento de 12,8% frente à anterior.

No caso do milho, a área plantada deve permanecer praticamente inalterada, mas a previsão é de aumento da colheita, que pode chegar a 119,8 milhões de toneladas, superando em 3,6% a anterior. Em contrapartida, as exportações devem cair 5,6% em comparação ao ciclo anterior, e ficar em 34 milhões de toneladas na safra 2024/25 (o que mantém o Brasil como maior exportador global).

Olhando para as proteínas, é esperado que a produção total de carnes (aves, suínos e bovinos) fique estável em cerca de 30,7 milhões de toneladas em 2025. Enquanto as carnes de frango e suína podem atingir um novo recorde com produção de 15,5 (+2,1%) e 5,4 (+1,6%) milhões de toneladas, respectivamente, a carne bovina deve cair para 9,8 milhões de toneladas (-4,3%). Para o frango, a expectativa é de que as exportações cresçam 1,9% no próximo ano e cheguem a 5,2 milhões de toneladas. Em relação aos suínos, a alta do consumo no mercado interno deve ser de 1,1% com uma oferta de 4,2 milhões de toneladas. Na carne bovina, as exportações estão previstas para aumentar 2,5% em 2025, somando 3,66 milhões de toneladas.

CUIDADOS REDOBRADOS

Para garantir tal êxito, no entanto, é preciso olhar o setor com cautela, e alguns números preocupam. Segundo o Serasa Experian, os produtores rurais que atuam como pessoa física no Brasil realizaram 214 pedidos de recuperação judicial no segundo trimestre, mais que o dobro do verificado nos primeiros três meses do ano e um salto de cerca de seis vezes em relação ao mesmo período de 2023. Quando o recorte é feito entre os que atuam no perfil jurídico (PJ), foram 121 solicitações no segundo trimestre, aumento de 40,6% em comparação com os primeiros três meses do ano. No mesmo período de 2023, os pedidos somavam apenas 34.

Segundo o diretor de agronegócio do Serasa Experian, Marcelo Pimenta, o incremento é reflexo da conjuntura adversa que atinge campos e lavouras, em que o aperto de margens se alonga desde a pandemia. “Tudo isso afetou a estabilidade financeira no campo, principalmente para produtores que já estavam muito alavancados”, diz.

Apesar do avanço de quase seis vezes, o número pode ser considerado pequeno diante de um universo de mais 1,4 milhão de produtores que acessaram o crédito rural nos últimos dois anos. “Nesse caso é preciso olhar o contexto e avaliar o que o cenário nos apresenta, para que não se torne um problema maior mais à frente”, afirma. Entre os pontos de atenção, ele cita os estados de Mato Grosso e Goiás. “Isso tem gerado um pessimismo para credores que passaram a atuar na região nos últimos anos”, afirma o executivo.

(Camila Domingues)

“O PIB do agronegócio pode corresponder a 21,8% do PIB do Brasil em 2024, abaixo dos 24% registrados no ano passado.”
Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada)

Com a desvalorização dos grãos batendo em 30% em algumas culturas só em 2024, o resultado operacional das empresas, e sua relevância no PIB nacional, também arrefecem.

Segundo o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), em parceria com a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), no segundo trimestre a redução do PIB do setor foi de 1,28%, acumulando retração de 3,5% neste ano. “Diante disso e considerando-se também o desempenho da economia brasileira como um todo até o momento, o PIB do agronegócio pode corresponder a 21,8% do PIB do Brasil em 2024, abaixo dos 24% registrados no ano passado”, informou o Cepea, em nota.

No recorte agrícola, a queda foi de 1,22% no segundo trimestre, acumulando forte baixa de 5,1% no ano.

O PIB da pecuária, por sua vez, também caiu no trimestre (-1,2%), mas ainda sustenta alta em 2024, de 0,5%.

“Neste caso, o avanço no ramo pecuário na parcial do ano se deve sobretudo ao desempenho positivo nos segmentos agroindustrial e de agrosserviços, que registraram respectivos aumentos de 5,29% e de 3,78% em 2024”, revela o relatório.

SOLUÇÕES

Diante de uma tempestade, se sai melhor que tem onde se proteger, e é isso que o ministro Carlos Fávaro diz estar fazendo. Segundo ele, as questões climáticas estão postas e precisam ser tratadas com seriedade no plano das ideias e na execução. “É fato que as mudanças climáticas vieram acima do que poderíamos prever, mas sabemos que o caminho que nos trouxe até aqui não será o que nos levará ao futuro. Precisamos mudar nossa forma de produzir”, diz.

No campo, as medidas para retomada passam por programas de renegociação de dívidas que diminuam a alavancagem das empresas. Para se ter uma ideia, um levantamento recente da consultoria Virtus revelou que a alavancagem das empresas de agronegócio listadas na B3 gira em torno de R$ 90 bilhões, sendo algo em torno de R$ 12 bilhões em dívidas de curto prazo.

Há ainda a estimativa de algo entre R$ 70 e R$ 80 bilhões entre as empresas de capital fechado, neste segmento os débitos de curto prazo podem chegar a 40% do total.

Com tais números, em especial para as empresas de menor porte ou familiar, o acesso ao crédito tem sido restrito, o que diminui a eficiência do Plano Safra deste ano, que liberou uma cifra recorde (R$ 475 bilhões), mas tem apresentado um ritmo mais lento de captação que em 2023. Com todos estes cenários desenhados, é preciso ser assertivo para fazer valer um dito popular relacionado ao clima: depois da tempestade, vem sempre a calmaria.