“Permacrisis”: a crise permanente
Por Jorge Sant’Anna
Desastres climáticos, desigualdade galopante, respostas políticas precárias, nacionalismo crescente, declínio na cooperação global, economias empobrecidas, insegurança mundial, guerras e pandemia, entre tantos outros distúrbios globais, levaram o dicionário Collins a cunhar, em 2022, o termo “Permacrisis”. Lá, o termo é definido como “um longo período de instabilidade e insegurança, especialmente resultante de diversos eventos catastróficos” e tornou-se tema de livro de G. Brown, M.A. El-Erian e outros: Permacrisis: A Plan to Fix a Fractured World.
Em visão abrangente, os autores delineiam vários movimentos tectônicos que abalam as relações comerciais, econômicas, sociais e ideológicas e que estão transformando o mundo. Segundo eles, a primeira grande mudança consiste em um novo arranjo mundial onde migramos de uma hegemonia geopolítica, notadamente americana, para uma multipolaridade. Outra diz respeito à substituição do neoliberalismo pelo neonacionalismo. Nas últimas décadas, a economia impulsionou a tomada de decisões políticas, prevalecendo o pragmatismo comercial. Agora, é a política que determina as decisões econômicas, e com isso assistimos à crescente escalada de proteção ideológica e até isolacionista.
E, após décadas de globalização plena, partimos para uma ordem mundial fragmentada, fundamentada por alterações nas cadeias produtivas com base no “near-shoring” ou “friend-shoring”, onde o foco de negócios está circunscrito às jurisdições que apresentem alinhamento político e ideológico, e não mais com foco em produtividade. Como agente acelerador temos um ambiente tecnológico capaz de catalisar rapidamente as transformações descritas. Para além da tecnologia, os riscos de uma crise climática em escala global se intensificam.
Os impactos são inusitados. Exigem um novo modelo de gestão. Pense bem: a maioria dos líderes hoje no comando e nos conselhos de administração se desenvolveu em um ambiente de negócios pautado pela abertura, livre trânsito entre países, busca de produtividade através de escala global e hegemonia política e econômica. Para os executivos e líderes, tudo muda. Não se trata mais do que conhecemos, mas sim do que precisamos conhecer. Até mesmo a seleção do tipo de conhecimento e onde buscá-lo torna-se complexa. O conhecimento técnico e mesmo o talento cognitivo não são mais suficientes.
Se antes pensávamos em desenvolvimento de carreira, hoje os projetos de desenvolvimento de indivíduos devem ser priorizados. Temos que ter legitimidade e franqueza
Para lidar com essas tempestades, autores de The Journey of Leadership: How CEOs Learn to Lead from the Inside Out, todos partners na McKinsey &Company, apresentam um novo caminho: “Líderes devem se conectar primeiro consigo mesmos antes de inspirarem ou capacitarem suas organizações”. Humildade, confiança, resiliência e flexibilidade passam a fazer parte das principais competências de qualquer líder. O ego, talvez a característica predominante nos líderes atuais, deve ficar fora das empresas.
Temos que evoluir de nossa lista rotineira de “to do” para uma lista franca de “to be”. Se antes pensávamos em desenvolvimento de carreira, hoje os projetos de desenvolvimento de indivíduos devem ser priorizados. Não seremos capazes de impulsionar nossas empresas sem uma transformação individual. Temos que ter legitimidade, franqueza e comprometimento em todas as nossas ações. Independentemente da posição ou da formação, é preciso ter sensibilidade para entender a importância da mudança. Aí sim se terá um papel significativo neste novo ambiente de negócios.
Jorge Sant’Anna é diretor-presidente e cofundador da BMG Seguros E membro do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Bancos