A moeda de troca de Trump contra os Brics: taxação total
Próximo presidente dos Estados Unidos ameaça punir quem buscar alternativas ao dólar e coloca Lula em posição diplomática complicada
Por Paula Cristina
A discussão de uma moeda alternativa ao dólar para o comércio global não é nova. Em 2008 quando o sistema financeiro norte-americano colapsou, os países discutiram alternativas ao dólar para os negócios globais. O assunto, no entanto, adormeceu. Recentemente, no bloco dos países emergentes, o Brics, o tema voltou a ganhar espaço nas reuniões. A ideia, encampada pelo Brasil na figura da ex-presidente Dilma Rousseff, e hoje presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), o Banco do Brics, recebeu apoio da Rússia, do presidente do Brasil e uma sinalização positiva da China e da Índia. O burburinho bastou para que o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, reagisse com uma ameaça.
“Exigimos que esses países se comprometam a não criar uma nova moeda do Brics, nem apoiar qualquer outra moeda que substitua o poderoso dólar americano. Caso contrário, sofrerão tarifas de 100% e deverão dizer adeus às vendas para a maravilhosa economia norte-americana.” À DINHEIRO, Dilma afirmou que o uso do dólar “como arma política” tem sido algo que afeta todo o comércio global e novas discussões precisam ser feitas à medida que a economia se transforma.
Ainda que a criação de uma nova moeda seja praticamente inviável, visto a complexidade logística e distintos interesses dos países envolvidos, Dilma afirma que há outras formas de avançar o assunto de modo a facilitar o comércio global. Uma das opções é criar uma moeda usada exclusivamente para o comércio, avaliada com base em uma cesta de moedas e/ou commodities, como ouro ou petróleo. Tal divisa funcionaria de forma semelhante aos Direitos Especiais de Saque (SDR) do Fundo Monetário Internacional (FMI). O SDR é um ativo financeiro internacional, avaliado com base nas taxas de câmbio diárias do dólar, euro, yuan, iene e libra. Há ainda a alternativa de construção de uma moeda digital do Brics, também usada apenas para transações comerciais, com lastro, mas em um modelo mais dinâmico e mais próximo do que entendemos como os criptoativos.
Em tom de ameaça, o futuro presidente dos EUA afirmou que taxará em 100% qualquer país que embarque na criação de uma nova moeda
Na última reunião da cúpula do Brics, em outubro, Lula falou abertamente sobre o tema em seu discurso. “Agora é chegada a hora de avançar na criação de meios de pagamento alternativos para transações entre nossos países. Não se trata de substituir nossas moedas. Mas é preciso trabalhar para que a ordem multipolar que almejamos se reflita no sistema financeiro internacional. Essa discussão precisa ser enfrentada com seriedade, cautela e solidez técnica, mas não pode ser mais adiada”, disse.
REAÇÕES
Depois da fala de Donald Trump, o porta-voz Lin Jian, parte do ministério das Relações Exteriores afirmou que o Brics defende a abertura e inclusão em uma dinâmica ganha-ganha e “não o confronto em bloco”. Segundo ele, “a China está pronta para continuar trabalhando com os parceiros do Brics para aprofundar a cooperação prática em vários campos e contribuir mais para o crescimento sustentado e constante da economia mundial”.
O porta-voz do Ministério das Relações Internacionais da África do Sul, Chrispin Phiri, em postagem no X no domingo (1), afirmou que as discussões dentro do Brics focam no comércio entre países-membros usando suas próprias moedas nacionais. “Os líderes do Brics pediram um sistema financeiro internacional reformado para facilitar o comércio em moedas locais. No entanto, o Brics não está discutindo a criação de uma moeda comum do Brics”, escreveu. Já o Kremlin classificou como um “tiro pela culatra” as ameaças de Trump de impor tarifas aos países do Brics caso avancem na criação de uma moeda própria e abandonem o dólar. Segundo o porta-voz Dmitry Peskov, a pressão de Washington apenas reforçará a tendência global de adoção de moedas nacionais nas transações comerciais.
Com muita bravata e pouco caminho traçado, o futuro de uma moeda do Brics hoje figura no plano das ideias e, para o professor de relações internacionais da UnB, Sérgio Feitosa Filho, neste momento, só apimenta um mundo polarizado. “Ao entrar nessa briga, Lula caminha em uma seara pouco conhecida. Uma coisa é se alfinetar no passado. Outra coisa, bem diferente, é enfrentar a maior economia do mundo sendo a maior autoridade no Brasil.” Para o acadêmico, a hora é de Lula olhar para dentro do Brasil e cultivar mais aliados que inimigos.