Acordo UE-Mercosul: as dúvidas persistem
Por Marcos Strecker
A cúpula do Mercosul, prevista para esta sexta-feira (6), em Montevidéu, deve marcar mais uma oportunidade perdida para o tratado que há 20 anos mobiliza negociadores da União Europeia e do bloco formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. O governo Lula apostou todas as fichas na conclusão do acordo de livre-comércio durante essa reunião, com a presença da presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen. Mas a expectativa já havia se esvaziado na véspera do encontro.
Representantes dos dois blocos encerraram a rodada mais recente de negociação no dia 29, em Brasília. As últimas pendências foram reduzidas, mas o problema não é apenas técnico. Ao contrário dos sorrisos otimistas exibidos pelo presidente e por von der Leyen na última cúpula do G20, no Rio de Janeiro (imagem ao alto), o clima é de apreensão. Os ventos políticos mudaram. No Mercosul, o Uruguai, mesmo com um novo presidente esquerdista, mostra-se impaciente com as resistências sul-americanas que limitam o acesso a novos mercados, principalmente à China. O presidente argentino, Javier Milei (que deve assumir a presidência rotativa do Mercosul), é um crítico do bloco e tem no topo de suas prioridades novas concessões do FMI. Para isso, aproveita sua grande proximidade com Donald Trump, que também pode franquear acesso privilegiado do mercado americano aos argentinos, ao contrário do que ameaça fazer com o resto do mundo.
O novo presidente americano, na verdade, representa um grande estímulo para que as tratativas avancem. Os europeus sabem que o comércio com os EUA será dificultado pelo republicano e uma nova onda planetária de barreiras tarifárias deve ser estimulada com a sua posse em 20 de janeiro. O Mercosul tem um potencial extraordinário para estabelecer um mercado de 780 milhões de pessoas e um fluxo de produtos manufaturados e agrícolas de até R$ 274 bilhões. Para os europeus, que enfrentam crescimento pífio e alto endividamento público, trata-se de uma grande oportunidade. Mas essa visão não é unânime. Na França, os agricultores estão em pé de guerra temendo a invasão da carne do Mercosul, o que o recente incidente com o CEO global do Carrefour apenas ressaltou. Emmanuel Macron se alinhou a essa reivindicação protecionista para tentar salvar o governo do premiê centrista Michel Barnier, que acaba de cair. Polônia, Áustria e Holanda também rejeitam o acordo com o Mercosul.
Ursula von der Leyen, que acaba de ganhar um novo mandato como presidente da Comissão Europeia, tem mostrado habilidade para driblar a ascensão da extrema-direita no continente. Mas o colapso do governo do social-democrata Olaf Scholz e o avanço dos radicais na Alemanha e em diversos países mostra que as forças protecionistas se expandem, na esteira de Trump. A própria corda-bamba de Macron mostra que a dificuldade não para de crescer. Lula defendeu a candidata Kamala Harris e viu a democrata perder de forma humilhante. Defendeu na Argentina a eleição do peronista Sergio Massa, para em seguida ver o “anarcocapitalista” Milei triunfar. Peitou Macron nas negociações entre os dois blocos (“a França não apita nada no acordo”), mas pode agora enfrentar um novo governo em Paris muito mais crítico. Há dois anos, o petista apoiou o esquerdista Jean-Luc Mélenchon contra Macron. Desejou a extrema-esquerda no poder na França, mas pode acabar negociando com a direitista Marine Le Pen.