Centro de inovação da Lenovo no Brasil é alavanca para o futuro da gigante chinesa
Por Beto Silva
RESUMO
● Em nova fase, fabricante chinesa de computadores aposta cada vez mais em serviços para diversificar receita global de US$ 56,8 bilhões.
● Centro de P&D do Brasil colabora com soluções inovadoras, inclusive na área de saúde, e terá investimento de R$ 2 bilhões nos próximos 10 anos
● A estratégia da gigante chinesa é não ficar tão dependente das vendas de hardwares (PCs e notebooks), algo parecido com o que fez a americana IBM nos anos 1990
● Do Centro de P&D brasileiro saíram 40 patentes registradas nos últimos anos
Sonja Ashauer foi a quinta mulher a graduar-se em Física pela Universidade de São Paulo (USP), na turma de formandos de 1942, e primeira mulher brasileira a conquistar um título de doutorado nessa área no exterior, em Cambridge (Reino Unido), com uma tese sobre eletrodinâmica quântica. Elisa Frota-Pessôa foi uma das fundadoras e pesquisadora emérita do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), além de uma das pioneiras da Física no Brasil. Nascida na antiga Checoslováquia, Johanna Döbereiner foi uma engenheira agrônoma radicada no Brasil, pioneira em biologia do solo. Até a década de 1990, era a sétima cientista brasileira mais citada pela comunidade científica mundial e a primeira entre as mulheres. São três mulheres cientistas, notáveis pelas suas contribuições à sociedade por meio da pesquisa e do desenvolvimento. Elas dão nome a salas do Centro de P&D da Lenovo Brasil, em Indaiatuba, interior de São Paulo, onde também está uma das duas plantas da fabricante chinesa de computadores — a outra é em Manaus (AM).
Por lá, são pelo menos uma dúzia de espaços que homenageiam pessoas que foram referência em ciência. Serve de estímulo para os profissionais que hoje trabalham no espaço, que é um dos 18 centros de inovação da companhia espalhados pelo planeta. Dali saem ideias usadas pela Lenovo mundo afora. É o cérebro brasileiro da Lenovo, pensando no futuro da corporação, líder mundial em PCs e notebooks.
O trabalho realizado no Centro de P&D do País tem produzido resultados positivos. Por isso, a empresa investe cada vez mais nele.
● Em 2017, foram R$ 50 milhões aplicados em pesquisa e desenvolvimento.
● Em 2023, R$ 200 milhões, um recorde.
● Nos últimos 12 anos, foram R$ 840 milhões aplicados para as cabeças brasileiras apresentarem novas soluções.
● Nos próximos 10 anos (até 2034) o plano é injetar R$ 2 bilhões na inteligência verde-amarela, mais que o dobro da última década.
“Quatro anos atrás, iniciamos uma estratégia de transformação que é democratizar a tecnologia inteligente e levá-la para todos. Desde grandes empresas até pessoas de classes sociais mais baixas”, disse à DINHEIRO Ricardo Bloj, CEO da Lenovo Brasil.
Argentino naturalizado brasileiro, apaixonado por inovação, o executivo é formado em engenharia eletrônica com ênfase em robótica. Está há nove anos na companhia, sete deles como CEO. Sua base é o escritório central da empresa, no bairro da Lapa, na Zona Oeste da capital paulista.
Ao menos uma vez por semana vai até Indaiatuba para acompanhar de perto as atividades. Fala com entusiasmo do que vê e participa. O Centro de P&D do Brasil está totalmente alinhado com o plano global da Lenovo em apostar cada vez mais em serviços.
No balanço financeiro da companhia, a receita foi de US$ 56,86 bilhões no ano fiscal 2023/2024 — abaixo dos períodos de pandemia em que as vendas tiveram forte alta, mas acima do registrado em 2019/2020, antes da crise sanitária de Covid-19.
Os PCs são responsáveis por 54% desse faturamento, enquanto serviços, infraestrutura e smartphones (da marca Motorola, de propriedade da Lenovo) são responsáveis por 46% das entradas de recursos.
Engenheiros da Lenovo avançam em dispositivos para automatizar os processos da linha de montagem e gerar maior eficiência, com menos perdas na produção
A estratégia da gigante chinesa é não ficar tão dependente das vendas de hardwares (PCs e notebooks) e avançar em serviços, para diversificar as faturas e gerar receitas mais recorrentes. Algo parecido — guardadas as devidas proporções e diferenças de momento, caixa e desempenho econômico — com o que fez a americana IBM nos anos 1990, quando enfrentou dificuldades financeiras, mas conseguiu se recuperar com uma guinada nos negócios, ao priorizar a prestação de serviços de TI em detrimento de comercialização de seus mainframes, os computadores de grande porte.
“Tem uma certa similaridade, sim, entre os dois casos. Com um adendo: a IBM conseguiu se reinventar com sucesso, mas perdeu em um ponto que poderia deixá-la ainda mais relevante. Vendeu para a própria Lenovo a sua linha de microcomputadores”, disse o professor Vivaldo José Breternitz, doutor em Ciências pela USP, consultor e diretor do Fórum Brasileiro de Internet das Coisas. O especialista se refere ao negócio fechado em 2005, quando a chinesa adquiriu a vertente ThinkPad da americana. Em outro movimento, já em 2014, a Lenovo comprou a unidade de servidores x86 da IBM.
DO CORAÇÃO À NUVEM
Do Centro de P&D brasileiro têm saído boas ideias — são cerca de 40 patentes registradas nos últimos anos. E não só para a área estritamente de tecnologia.
A Lenovo já avança, inclusive, para a área de saúde. Com alta tecnologia, óbvio. Em parceria com o Instituto do Coração (InCor), maior hospital especializado em cardiologia da América Latina, a companhia lançou o TRAdA (Telemonitoramento Remoto Assistido de Arritmia), uma plataforma que auxilia na identificação de eventos de arritmia. Trata-se de um dispositivo vestível, com Inteligência Artificial embarcada, para monitoramento cardíaco em tempo real. Por meio de algoritmos avançados, analisa os sinais elétricos do coração e alerta sobre potenciais atividades de arritmia em um painel de monitoramento. “Nosso slogan diz que vamos do bolso [com os celulares] à nuvem. Agora, vamos além: do coração à nuvem”, afirmou Hildebrando Lima, diretor de P&D da Lenovo Brasil.
Três modelos começaram a ser produzidos no Brasil este ano, uma amostra da relevância da operação nacional da companhia chinesa, que tem se destacado em P&D e resultados financeiros
Esse é um exemplo da “tecnologia inteligente para todos”, citada pelo CEO, Ricardo Bloj. Outro é o projeto de tradução on-line, por voz e texto, da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Também com IA, o software avalia os gestos feitos pelas pessoas e converte automaticamente em áudio e escrita. Esse sistema foi apresentado no ano passado, durante o evento mundial de tecnologia da Lenovo. Um funcionário da empresa apareceu em vídeo no telão e, em Libras que virou voz automaticamente, chamou ao palco o CEO global, Yuanqing Yang. O modelo já é sucesso, mas ainda está sendo aperfeiçoado antes de ser lançado ao mercado.
Há também um conceito que saiu do P&D brasileiro voltado ao reparo de computadores que está sendo utilizado internamente pela Lenovo mundialmente. Um programa que roda na rede de 160 espaços de manutenção da empresa, em 56 países, verifica problemas nas máquinas, reinstala programas e deixa os equipamentos prontos para uso novamente. O que era feito manualmente, em um por um, em seus muitos modelos e variações de configurações, agora é feito automaticamente via rede. Já foram feitas 8 milhões de manutenções desse tipo no mundo. “Tudo isso é motivo de orgulho para nós”, disse Lima, ao pontuar que inovações na linha de produção, para automatizar processos de montagem de equipamentos, também estão sendo promovidos por seu time.
OUTROS SERVIÇOS
Além das inovações que surgem do Centro de P&D do Brasil, a operação nacional oferta serviços “mais básicos”, por assim dizer. Vão desde a tradicional garantia estendida até o chamado Premier Services, em que técnicos e engenheiros da empresa resolvem problemas dos computadores de clientes — pessoas e empresas — de maneira remota, sete dias por semana, 24 horas por dia.
Dos computadores vendidos pela Lenovo, 92% já embarcam com esse serviço. Configuração de PCs e notebooks, instalação de programas, aplicação de logotipos a laser na carcaça das máquinas e entregas são outras possibilidades ofertadas no catálogo da companhia.
Também há o serviço de assinatura, o PC as a Service. Ao invés de comprar a máquina, o cliente paga por seu uso — e ela é trocada de tempos em tempos por mais novas, com configurações melhores. A Lenovo ainda oferece consultoria e serviços sob demanda, a partir das necessidade dos clientes. “Ajudamos as empresas a descobrir qual tecnologia elas precisam e como aplicá-la. A IA tem sido muito demandada nesse sentido”, frisou Bloj.
Para Gerson Brilhante, analista de investimentos da Levante Inside Corp, a estratégia da corporação chinesa é inteligente. “A companhia se posiciona em setores de alto crescimento e maior valor agregado. Isso reduz sua dependência do mercado de hardware, que tem margens mais apertadas.”
A opinião é compartilhada por Wally Niz, especialista em tecnologia e diretor de marketing e vendas da Navita Enghouse, focada em gestão de custos de telecom e gerenciamento de dispositivos móveis. “Trilhar o cainho de serviços é uma tendência forte entre as grandes empresas para atingir o modelo one-stop-shop [variedade de produtos ou serviços em um único lugar], com fornecimento de hardware, locação, outsourcing, suporte e outras frentes para aumentar o tíquete de grandes contas.”
CORE BUSINESS
Ao mesmo tempo em que aposta na vertente de serviços, a Lenovo também avança em seu core business e incrementa a produção nacional de notebooks.
● Desde março, o Chromebook Lenovo está sendo fabricado no Brasil. É o primeiro mercado a produzi-lo fora da China. O foco do equipamento são alunos até 12 anos (5ª série do ensino fundamental). Sua principal característica é a robustez. Ele passa por testes de certificação militar, como quedas, torções, temperatura e até resistência a derramamento de água.
● Outra novidade é a linha ThinkBook, de 14 e 16 polegadas, que começou a ser montado no País em outubro. A máquina ocupa uma faixa comercial um pouco acima do padrão de entrada.
● E o terceiro equipamento que começou a ser fabricado no Brasil em agosto é o ThinkPad, uma workstation de alto desempenho para engenharia, design gráfico e outras missões críticas. “Na pandemia, vendíamos um desse a cada 145 computadores para as empresas. Hoje são um a cada 60. A tendência é continuar essa demanda”, destacou Leandro Lofrano, diretor de produtos para o mercado corporativo da Lenovo Brasil.
O executivo revela o número mágico a ser alcançado pelas três linhas de equipamentos que começaram sua produção no País — e também as demais: de 20% a 25% de marekt share, no mínimo. Para isso, a companhia conta com alguns fatores que influenciam positivamente o setor.
Estudo da IDC, divulgado em setembro, aponta que o mercado global de computadores pessoais fechará 2024 com aumento de 2,6%, para 398,9 milhões de unidades vendidas. A Lenovo tem cerca de 23% de fatia do setor, segundo a consultoria. Situações como renovação dos equipamentos comprados há quatro anos, durante a pandemia, embarque de IA nos equipamentos e o fim do suporte ao suporte para o Windows 10 em outubro de 2025 são alguns dos gatilhos para uma performance de vendas melhor ainda para o ano que vem. Animam o mercado e a Lenovo.
“Estamos vislumbrando um novo ótimo ciclo”, afirmou Ricardo Bloj. O futuro da Lenovo passa pelo Brasil, seja com seu enorme mercado ou com sua reconhecida inteligência.
ENTREVISTA
Ricardo Bloj, CEO da Lenovo Brasil
“O setor de computador no Brasil ainda tem muita oportunidade de crescimento”
O sr. ingressou na empresa em 2015 e no ano seguinte assumiu o comando da operação. Podemos considerar que hoje a Lenovo já é uma outra companhia?
Nós tínhamos em 2017 algo em torno de 10% de market share. Hoje é praticamente 20%. De lá para cá, nos tornamos líder do segmento de varejo, com altas vendas em Casas Bahia, Magazine Luiza, Amazon, MercadoLivre… Nesse segmento nós somos número 1 no Brasil há pelo menos quatro anos, com toda a concorrência que temos por aqui. Chegamos a ter um período de perdas, especialmente nos anos de 2016 e 2017. Mas tivemos uma retomada muito boa, de crescimento com lucratividade.
No período complicado, de 2016 e 2017, foi um problema de mercado ou da própria empresa?
O mercado vinha diminuindo em razão de uma bolha. Tivemos um boom de vendas de computadores anos antes. No Brasil, o mercado chegou a 12 milhões de unidades comercializadas em 2012. Hoje está em torno de 7,8 milhões. Aquele pico foi maior do que a explosão de vendas da pandemia, que chegou perto de 10 milhões. Mas o setor de computador no Brasil ainda tem muita oportunidade de crescimento. Nós temos crescido mais do que o setor. No último trimestre [julho a setembro], o setor caiu 2% e nós avançamos 14%.
Como avalia a performance da empresa em 2024?
O primeiro semestre, até junho, foi mais difícil, com muita influência da taxa de juros, da inflação, incertezas do mercado… A volatilidade do câmbio também atrapalha um pouco. Desde o ano passado as empresas estavam segurando um pouco os investimentos. Mas temos notado agora que o mercado corporativo e o varejo pararam de cair. As pessoas estão mais confiantes. Os dados de desemprego nunca tiveram tão baixos nos últimos anos. Do ponto de vista econômico, temos uma demanda melhor do que a do ano passado.
Quais as expectativas daqui para frente?
Estamos vislumbrando um novo ótimo ciclo. Primeiro, pelo fim do suporte do Windows 10, em outubro do ano que vem, com muitas empresas já migrando para o Windows 11. Sem essa mudança, a segurança cibernética fica comprometida. Também pelo avanço da Inteligência Artificial embarcada nos produtos. As empresas avaliam quais as necessidades computacionais para poder cada vez mais usar a IA generativa, os assistentes pessoais… Tudo isso que vai trazer uma demanda. Temos equipamentos com o Copilot, assistente de IA da Microsoft. A previsão é de que 80% dos computadores, em 2027, vão ter capacidade de processamento desse sistema.
O Brasil possui um Centro de P&D que tem se destacado. A Lenovo deve aumentar os investimentos nele nos próximos anos?
Nos últimos 12 anos investimos R$ 840 milhões. Devemos bater quase R$ 2 bilhões nos próximos 10 anos. Nós participamos de projetos globais a partir do Brasil. E produzimos soluções aqui que são usadas pela empresa no mundo todo. Aqui no Brasil temos uma posição bastante diferenciada, de fabricar produtos, desenvolver tecnologia própria. A gente pode usar essa tecnologia para melhorar a qualidade de vida das pessoas, da sociedade. A operação brasileira é importante e estratégica. E essa representatividade acaba gerando mais investimentos.