Musk, Ramaswamy e Haddad: semelhanças e diferenças
Por Vitoria Saddi
A dívida pública nos Estados Unidos atingiu 123% do PIB. Considerando os cortes de impostos anunciados por Trump e o aumento de gastos, ela pode chegar a 161% até 2030. Reduzir a dívida pública exige sacrifícios do governo, seja via corte de gastos ou aumento de impostos. Por se tratar de algo impopular, nenhum presidente tem como pauta de campanha a redução da dívida ou o equilíbrio das contas públicas. Ademais, por tratar-se dos Estados Unidos, existe sempre a possibilidade de vender mais títulos para continuar tal jogo. Parece, entretanto, que o convite de Trump a Elon Musk e Vivek Ramaswamy para chefiarem o novo Departamento de Eficiência é o início da implementação de uma grande reforma na máquina pública americana. Musk dispensa apresentações, e Ramaswamy é um conhecido empresário do Vale do Silício na área de biotecnologia. A dupla irá compor um conselho consultivo chamado de DOGE, cujo objetivo é encaminhar recomendações para reduzir o tamanho do governo federal. A dupla irá avaliar o número mínimo necessário de funcionários públicos para manter as agências federais funcionando. Segundo o Financial Times, Trump planeja eliminar várias agências, incluindo o Department of Justice, a Securities and Exchange Commission e a Federal Trade Commission, além de eliminar o Department of Education em sua totalidade. Nos EUA, cerca de 50% do funcionalismo público possui estabilidade de emprego. O restante são cargos por indicação, nas três esferas públicas. Caso esse conjunto de medidas seja de fato implementado iremos observar uma redução no déficit público que poderá melhorar o perfil da dívida em relação ao PIB.
No Brasil, o ministro da Fazenda anunciou dia 28 o tão esperado pacote de corte de gastos desenhado para melhorar o resultado primário e desacelerar o crescimento da dívida. Ele informou que enviará um projeto de lei ao Congresso para isentar do pagamento do IR os contribuintes que ganham até R$ 5 mil por mês. Já a carga tributária para aqueles que ganham acima de R$ 50 mil deverá aumentar, para compensar a renúncia fiscal estimada em cerca de R$ 50 bilhões por ano. As regras de reajuste do salário mínimo também terão mudanças. Hoje, o reajuste do mínimo considera a inflação do ano anterior pelo INPC mais o crescimento do PIB de dois anos anteriores. Pela nova regra, o salário mínimo continuará sendo corrigido pela inflação medida pelo INPC, mas o limite extra de crescimento será o que o Arcabouço Fiscal permitir naquele ano. Caso a expansão do Arcabouço seja 2,5% acima da inflação, o piso poderá ter ganho real de até 2,5%. Se a correção for de 2%, ele valerá para o salário mínimo. Mas, no caso em que o PIB crescer mais do que o Arcabouço, vale a regra fiscal. No entanto, se crescer menos do que 0,6% ou tiver crescimento negativo, o mínimo terá um reajuste de pelo menos 0,6% acima da inflação.
O governo também propôs alterações na Previdência dos militares, em emendas parlamentares, concursos públicos, subsídios e gastos com servidores. Além disso, pretende diminuir o número de pessoas que ganham abono salarial – benefício que equivale a um 14º salário para quem ganha até dois salários mínimos com carteira assinada. Haverá um endurecimento das regras daqueles que recebem o BPC (Benefício de Prestação Continuada) e o Bolsa Família. Com tais medidas, o governo espera cortar R$ 327 bilhões nos próximos cinco anos. Em 2025 e 2026, o impacto estimado é de R$ 72 bilhões.
O mercado não recebeu bem o pacote e pela primeira vez o dólar atingiu R$ 6. Fica claro que os cortes são insuficientes para promover uma melhora na dívida. De fato, segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), o resultado primário do governo central é um déficit de 0.8% do PIB para 2025 e 2026.
É interessante observar o contraste entre os EUA e Brasil em relação ao ajuste fiscal. Enquanto lá temos Musk e Ramaswamy elaborando um plano para cortar ao mínimo o funcionalismo público, no Brasil o governo acredita que taxar quem ganha muito (R$ 50 mil) irá equilibrar as contas públicas. Enquanto nos EUA eles estão tentando eliminar o excesso de pessoas na máquina pública, o Brasil pune com maiores impostos quem produz e ganha muito. Ajuste fiscal requer sacrifícios. No Brasil tais sacrifícios têm que passar pelo corte do funcionalismo, militares, juízes e aposentadorias especiais. No entanto, estes grupos possuem lobbies muito forte no Congresso sendo sempre imunes a mudanças.
*VITORIA SADDI é estrategista da SM Futures. Dirigiu a mesa de derivativos do JP Morgan e foi economista-chefe do Roubini Global Economics, Citibank, Salomon Brothers e Queluz Asset, em Londres, Nova York e São Paulo. Também foi professora na California State University, na University of Southern California e no Insper. É PhD em economia pela University of Southern California.