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“Em dois anos vamos retomar o recorde de 2 milhões de motocicletas, atingido em 2011”, diz Marcos Bento, da Abraciclo

Presidente da Abraciclo está otimista com o crescimento robusto (e sustentável) da indústria motociclística brasileira e espera retomar os patamares históricos

Crédito:  Vivian Koblinsky

Marcos Bento, presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo) (Crédito: Vivian Koblinsky)

Por Allan Ravagnani

Em uma trajetória de crescimento impressionante, a indústria de duas rodas no Brasil alcançou a produção de 1.478.318 motocicletas de janeiro a outubro deste ano, representando um aumento de 11,7% em relação ao mesmo período de 2023, sendo o maior volume registrado em 13 anos, marcando um momento especialmente positivo para o setor.

Apenas em outubro, foram produzidas 154.990 motocicletas, o que significa um avanço de 17,9% em comparação com o mesmo mês do ano anterior, registrando o melhor desempenho para o mês desde 2013. No mercado interno, as vendas também acompanham essa tendência: o emplacamento de 1.577.419 motocicletas até outubro representa um crescimento de 19,6% em relação ao ano passado, com a categoria Street liderando o mercado, com 48,9% de participação. Esse crescimento reflete não apenas a demanda por meios de transporte individuais e ágeis, mas também o papel das motocicletas como alternativa de renda em setores como o delivery.

Por outro lado, as exportações de motocicletas apresentaram queda de 11,8% em relação ao ano anterior, impactadas pela competitividade de produtos asiáticos, que oferecem menor custo, mas também menor tecnologia. Enquanto isso, o setor de bicicletas experimentou uma retração na produção, com 311.995 unidades fabricadas nos primeiros dez meses de 2024, representando uma queda de 24,7% em comparação com o ano anterior. Contudo, a produção de bicicletas elétricas se destacou positivamente, com crescimento de 29,3% no período, refletindo uma mudança no perfil de consumo e maior busca por modelos de maior valor agregado e tecnologia mais avançada.

“A retomada no crescimento das motocicletas se deve ao aumento do uso para delivery, à facilidade de locomoção nos centros urbanos e a fatores de custo, como manutenção e combustível’’

Na entrevista a seguir, o presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo), Marcos Bento, comenta esses números e analisa os fatores que têm impulsionado a produção e o consumo de motocicletas no mercado interno, os desafios enfrentados nas exportações e o papel crescente das tecnologias nacionais, como as motos flex e elétricas. Ele também explora o impacto da alta nacionalização da produção do polo de Manaus, o potencial das motocicletas para promover mobilidade urbana e alternativas de renda, além da importância de acompanhar os padrões globais de emissão e inovação.

DINHEIRO — A que vocês atribuem essa melhora na produção de motocicletas neste ano?
Marcos Bento — A retomada no crescimento das motocicletas se deve ao aumento do uso para delivery, à facilidade de locomoção nos centros urbanos e a fatores de custo, como manutenção e combustível. A motocicleta tem se tornado cada vez mais a opção para quem quer evitar o transporte público e sair das aglomerações, principalmente em grandes cidades. Ela é prática, econômica e uma ótima alternativa em tempos em que as pessoas buscam reduzir gastos com transporte. Além disso, a motocicleta também tem sido uma fonte de renda, especialmente para quem trabalha com delivery. Hoje, muitos entram no mercado de trabalho por meio de uma motocicleta, seja como entregador, mototaxista ou até mesmo para pequenos negócios locais. Esses são alguns dos principais fatores que influenciam o crescimento das motocicletas nos últimos dois anos, trazendo novas perspectivas para o setor.

Esse crescimento é um pico de produção?
Não, o pico histórico foi em 2011, quando ultrapassamos a marca de dois milhões de unidades produzidas. Depois disso, passamos por uma queda significativa, especialmente durante o governo Dilma, em um período em que enfrentamos uma crise de crédito. Com a dificuldade de acesso ao crédito, o mercado encolheu e atingiu menos de um milhão de unidades produzidas. Mas após o impacto da pandemia de Covid-19, conseguimos voltar ao patamar de um milhão de unidades. E agora, nos últimos três anos, estamos experimentando uma retomada sólida, o que nos leva a acreditar que em breve podemos alcançar novamente aquele patamar histórico de dois milhões de motocicletas por ano.

Há uma projeção para quando o setor voltará a esse patamar de dois milhões?
Estamos otimistas e acreditamos que nos próximos dois anos podemos alcançar esse número. Para este ano, devemos fechar com uma produção de cerca de 1,72 milhão de unidades, o que representa um grande avanço para o setor. Esse número é muito positivo e está alinhado com o plano de crescimento sustentável que traçamos. Acredito que o mercado de motocicletas, por sua característica versátil e acessível, continuará crescendo, mas é importante manter esse crescimento de forma sustentável. O patamar de dois milhões está logo ali, e estamos confiantes de que, com a recuperação econômica e uma demanda crescente, vamos alcançá-lo em breve.

As exportações de motocicletas diminuíram. O que tem causado essa queda?
A queda nas exportações de motocicletas está diretamente relacionada ao fato de que nossas motocicletas têm alta tecnologia, o que as torna mais caras para mercados como a América do Sul, onde produtos asiáticos de tecnologia inferior e custo mais baixo são dominantes. Continuamos exportando para mercados exigentes, como Estados Unidos, Canadá, Austrália e França, porque nossas motocicletas são harmonizadas com as principais legislações de emissão e ruído desses países, mas para outros mercados da América Latina, onde nossos produtos sempre tiveram uma boa aceitação, estamos competindo com produtos asiáticos mais baratos, mas com menor nível de tecnologia. Isso cria uma barreira para que a exportação cresça, pois os produtos asiáticos, ainda sem as mesmas normas de emissão, entram a preços menores, e isso afeta a nossa competitividade nesses mercados.

“Acredito que o mercado de motocicletas, por sua característica versátil e acessível, continuará crescendo, mas é importante manter esse crescimento de forma sustentável’’

Como o senhor enxerga a evolução da tecnologia nas motocicletas brasileiras em relação a emissões e propulsão?
No Brasil, estamos alinhados com os padrões de emissão europeus, e nossas motocicletas são reconhecidas pela alta tecnologia, baixo consumo de combustível e redução de emissão de ruído. Neste ano, tivemos cerca de 35 lançamentos no setor, o que mostra que o País é realmente um polo de desenvolvimento tecnológico para motocicletas. Estamos, de fato, posicionados como um celeiro de tecnologia fora do eixo asiático, o que é um diferencial competitivo importante. O Brasil é, hoje, o maior produtor mundial de motocicletas fora da Ásia, e com a presença de grandes marcas no Brasil, podemos dizer que o consumidor brasileiro sempre terá à disposição o que há de mais moderno em termos de motocicletas. Estamos sempre acompanhando e implementando as melhores tecnologias globais para o nosso mercado.

Existe capacidade ociosa nas fábricas? Há planos para novas montadoras?
Ainda temos capacidade para crescer. O mercado brasileiro sofreu no período em que tivemos que reduzir quase 50% da capacidade de produção, mas agora estamos vendo um crescimento equilibrado e sustentável. Este ano, devemos fechar com um crescimento de cerca de 9,4%. Algumas novas marcas estão chegando, como a Bajaj, que se associou recentemente à Abraciclo. Além disso, há interesse de outras grandes marcas, o que reforça a força do mercado brasileiro e sua capacidade de absorver novas operações.

O senhor acredita que as motos elétricas têm chance de crescer no mercado brasileiro?
Atualmente, as motos elétricas representam cerca de 0,5% do mercado, mas acredito que haverá um crescimento gradual à medida que mais lançamentos ocorram e o consumidor se interesse por essa tecnologia. Hoje, 65% da nossa produção de motocicletas é de modelos flex, uma tecnologia 100% brasileira que contribui para a descarbonização. A Índia, por exemplo, também começou a adotar essa tecnologia. Então, no que diz respeito à descarbonização, o Brasil já está no caminho certo com as motocicletas flex. No entanto, a introdução das motos elétricas será gradativa, e quem vai ditar esse tempo é o consumidor.

O mercado de motocicletas é mais influenciado pelos juros ou pelo aquecimento da economia?
O mercado de motocicletas é muito dependente do crédito, e o aumento nas taxas de juros afeta diretamente. Foi justamente a restrição de crédito que fez o mercado cair significativamente em 2016. No entanto, com o crescimento sustentável que temos observado, contamos com uma série de fatores que ajudam a manter a estabilidade. Hoje, temos uma das menores taxas de desemprego e um alto número de empregos registrados. O dólar subiu nos últimos três meses, o que afeta os custos, mas, graças ao alto índice de nacionalização no polo de Manaus, conseguimos manter um certo equilíbrio, o que resulta em um produto de preço acessível para o trabalhador de baixa renda, que é um público importante para o setor.

E como está o mercado para motocicletas trail? Há crescimento nas áreas rurais?
O segmento trail tem crescido tanto nas cidades quanto em áreas rurais, especialmente no Nordeste, onde substitui outros meios de transporte, como o jegue. Ela oferece versatilidade e é usada tanto para o trabalho no campo quanto para deslocamento urbano e lazer. Esse tipo de motocicleta permite ao usuário ir até a cidade e também é popular entre pessoas que trabalham o dia todo e usam a motocicleta para estudar à noite. Ela é muito versátil, o que a torna uma escolha comum tanto em centros urbanos quanto em áreas mais afastadas.

Houve uma queda na produção de bicicletas. A que o senhor atribui isso?
Durante a pandemia, houve um aumento nas vendas de bicicletas, mas, após esse pico, o mercado passou por uma desaceleração. Porém, notamos uma mudança no perfil de consumo. Agora, há uma maior demanda por bicicletas de alto valor agregado, como as de fibra de carbono, que podem custar até R$ 80 mil. Então, embora tenhamos perdido em volume, o faturamento do setor não foi tão afetado. Além disso, o segmento de bicicletas elétricas cresceu quase 30%, especialmente para pessoas que usam em centros urbanos e para percorrer distâncias mais longas.

E sobre exportações? Não há dados de exportações de bicicletas, ou não são muito relevante?
O mercado de bicicletas é bastante focado no mercado interno. Atualmente, nossa prioridade é atender à demanda brasileira, que já é bastante significativa, e, por enquanto, a exportação não representa um volume relevante para o setor.