Economia

O choque de juros será suficiente? Especialistas comentam

Copom surpreende e leva a Selic a 12,25% ao ano. Mas dúvidas sobre o pacote de corte de gastos, travado no Congresso, mantêm as incertezas sobre a economia

Crédito: MATEUS BONOMI

Fernando Haddad declarou que não esperava a alta no nível anunciado, mas que "já havia precificação nesse sentido" (Crédito: MATEUS BONOMI)

Por Marcos Strecker e Viviane Monteiro

Numa decisão dura e surpreendente, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu na última quarta-feira (11) elevar a taxa básica de juros (Selic) em 1 ponto percentual, de 11,25% para 12,25% ao ano, a maior alta dos últimos dois anos. Além disso, sinalizou que as duas próximas reuniões do colegiado, em janeiro e março, deverão adotar dois novos aumentos na mesma proporção (1 ponto percentual), elevando no final a taxa de referência de juros a 14,25% ao ano, mesmo patamar atingido no governo Dilma.

“O BC cumprirá seu papel na condução da política monetária. Mas não é ele que cuida da política fiscal”
Marcus Pestana, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI)

Esse choque de juros tem como base a aceleração da inflação, que se deteriorou no último período, como apontou o relatório divulgado pelo Copom. O aperto monetário maior do que o esperado (a maioria dos analistas apontava para uma alta de 0,75 ponto percentual) visa desacelerar a economia e evitar a pressão sobre os preços, “reancorando as expectativas”. Essa é a explicação técnica.

Mas o recado foi principalmente político, já que o maior rigor “blinda” o novo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, aliado do presidente Lula e do ministro Fernando Haddad, que assume a presidência do Banco Central em janeiro. Com isso, ele é poupado de justificar a alta dos juros, que Lula, desde o início do seu terceiro mandato, elegeu como problema número 1 do País.

Lula e o PT fizeram inúmeras críticas a Roberto Campos Neto, que presidiu a última reunião do Copom em seu mandato. Agora, o ônus recai sobre Galípolo, que, aparentemente, vai seguir alinhado a Haddad. Resta saber se a polícia monetária (do BC) e fiscal (do governo) deixarão de andar “descasadas”, com o governo expandindo os gastos públicos enquanto o BC caminha no sentido contrário, freando o consumo para evitar a disparada de preços.

Aliado de Lula, Gabriel Galípolo assumirá a presidência do BC em janeiro e vai enfrentar o fogo amigo do PT (Crédito:MATEUS BONOMI)

O esforço do Banco Central, de fato, será em vão se o pacote de cortes proposto em 27 de novembro pelo governo não for aprovado no Congresso. A condição de saúde do presidente, que seguia internado em São Paulo após uma segunda internação cirúrgica, também dificulta ainda mais as negociações com o Congresso para liberar emendas parlamentares e destravar a aprovação do pacote. Em compasso de espera pela aprovação, agentes do mercado financeiro elevaram a tensão diante do impasse na tramitação das medidas no Congresso, a uma semana do recesso parlamentar.

O novo aumento do juro, pela 3ª vez consecutiva, confirma as estimativas do mercado, que defende agressividade do aperto monetário, pelo BC, na tentativa de fazer a inflação convergir para meta de 4,5% este ano, contendo a alta dos preços, principalmente de alimentos e serviços.

O desequilíbrio fiscal vem pressionando o dólar e agravando o cenário de inflação, contribuindo para que os juros reais de longo prazo alcancem patamares estratosféricos. O principal desafio para Galípolo será a contenção da inflação. E, na contramão de boa parte do governo e do desejo do PT, ele sinalizou que o Brasil terá de conviver com uma política monetária “mais contracionista”, em cumprimento ao sistema de metas.

“Ele cumprirá o papel dele na condução da política monetária e precisará da ajuda do fiscal, mas não é o Banco Central que cuida da política fiscal”, destacou o diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Marcus Pestana.

● Distante do centro da meta de 3% este ano, a inflação oficial, medida pelo IPCA, acumula alta de 4,29% de janeiro a novembro.
● Já nos últimos 12 meses, a alta é de 4,87%. Pelas estimativas do mercado, a inflação deve fechar o ano acima do teto estabelecido para este ano, de 4,5%.
● A inflação dos preços no atacado (medida pelo IPA) acumulada em 5,96% até novembro e em 6,99% nos últimos 12 meses deve pressionar a inflação ao consumidor.
● Isso porque choques em preços de alimentos geralmente são repassados com maior intensidade e velocidade aos consumidores em tempos de aquecimento econômico.

Para Pestana, o Brasil enfrenta um processo contraditório. De um lado, o país registra inflação elevada, crise fiscal, juros elevados e o dólar acima de R$ 6,00. Por outro lado, o Produto Interno Bruto (PIB) cresce acima das expectativas do mercado, tem a menor taxa desemprego da história (6,2%), alta da renda média do brasileiro e superação da miséria e pobreza. O temor é de que a crise fiscal contamine o terreno dos indicadores positivos, conforme o diretor da IFI. “Essas coisas boas podem ser dragadas pelas más notícias futuramente. Elas não se sustentam se não forem corrigidos os problemas estruturais.”

Rodrigo Pacheco e Arthur Lira querem a liberação das emendas para aprovar o pacote de cortes (Crédito:MATEUS BONOMI)

O descontentamento dos agentes econômicos com a condução da política fiscal do governo Lula tem elevado as taxas de juros a patamares estratosféricos – com títulos públicos negociados a 9% de juro real. “O pano de fundo disso é o desequilíbrio fiscal. Esse é o prêmio que os credores da dívida pública pedem do governo pelo risco fiscal”, acrescenta Pestana.

Tradicionalmente, o Estado brasileiro “gasta muito e gasta mal” o que marca a trajetória de déficits nas contas públicas. “O governo tem de pegar dinheiro emprestado para pagar os juros da dívida, porque o dinheiro dos impostos não dá nem para as despesas operacionais – folha de pagamento dos servidores Previdência, além das despesas não obrigatórias”, diz Pestana.

● No acumulado de 12 meses até outubro, o governo federal registrou déficit de R$ 225,3 bilhões, o equivalente a 1,9% do PIB, conforme dados do Tesouro Nacional.

● Enquanto isso, a dívida bruta alcançou 78,6% do PIB e deve fechar este ano em 80% do PIB, pelas previsões da IFI.

● Para o Brasil estabilizar a dívida pública, teria que produzir superávit primário de 2% a 2,5% do PIB ao ano. Embora o quadro fiscal brasileiro ainda não esteja “à beira do colapso”, o desequilíbrio das contas públicas tende a ser agravado a partir de 2027.

“A situação fiscal é extremamente delicada e recomenda muito cuidado, prudência e ação”, alerta o diretor da IFI.

Hospitalização de Lula dificultou negociações com o Congresso e trouxe mais dúvidas (Crédito:MATEUS BONOMI)

PACOTE INSUFICIENTE

E, mesmo que o pacote de cortes seja aprovado no Congresso, isso não garante que o Arcabouço Fiscal de Haddad se sustente. Para o economista da área fiscal do Itaú Unibanco, Pedro Schneider, as medidas anunciadas estão aquém das expectativas e apresentam poucas mudanças estruturais. A principal frustração é com a proposta de isenção imposto de renda (IR) de salários até R$ 5 mil mensais, sobre a qual haveria um custo anual estimado de R$ 38 bilhões a R$ 40 bilhões aos cofres públicos. Para compensar essa perda de receita, o governo propõe uma alíquota mínima de 10% sobre receitas acima de R$ 50 mil mensais, para os chamados super-ricos.

“Sabemos que, no mundo todo, ninguém paga imposto porque quer. Paga-se imposto porque a lei obriga. O que fazem os contribuintes, normalmente, é tentar burlar as regras com criatividade, e isso diminui o potencial de arrecadação, pela chamada ‘elisão fiscal’, que é o planejamento tributário para reduzir a carga tributária, algo muito forte no Brasil”, explica Schneider.

Pesquisa da Quest, divulgada na quarta-feira (11), mostra que 75% apoiam a isenção.

O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, embora reconheça a reação negativa do mercado ao anúncio do corte de gastos. está otimista. Ele acredita que as incertezas sobre o pacote fiscal devem ser eliminadas com a aprovação das medidas ainda este ano. “Isso garante que, caso sejam aprovadas, tiraremos de cena todas as incertezas de cálculos sobre a pressão obrigatória nos próximos dois anos. Sob o olhar atento para inflação e a tramitação do pacote fiscal, a indústria se mantém otimista em relação ao cenário econômico. Alguns setores também não consideram o cenário tão preocupante.

“O investimento do setor é de longo prazo, não é definido com base nessas variações temporárias”, argumenta o superintendente de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Mario Sergio Telles.

A avaliação é que o pacote fiscal está na direção correta para o ajuste dos gastos públicos. “Inclusive, como era muito demandado, com medidas estruturais que mudam a composição de gastos públicos – na regra de correção do salário mínimo, no abono salarial e em uma série de alterações que são permanentes e estruturais.”

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, aposta na aprovação do pacote ainda em 2024 e diz que a questão fiscal deve caminhar alinhada com as políticas sociais. “Não se faz o social sem cuidar do fiscal.” Sob a influência positiva do PIB, a indústria deverá crescer acima de 3%, puxada pela indústria de transformação, que deve crescer um pouquinho mais.

Telles discorda de que a alta do PIB seja sustentada pelo gasto público. “As grandes forças do crescimento são o mercado de trabalho, em primeiro lugar, e, em segundo lugar, a concessões de crédito.”

“Se as medidas do pacote forem aprovadas, tiraremos de cena todas as incertezas”
Dario Durigan, secretário-executivo do Ministério da Fazenda

RESISTÊNCIA NO CONGRESSO

Após enfrentar uma enxurrada de críticas do mercado, o pacote de ajuste fiscal, agora, enfrenta resistências de toda ordem no Congresso, tanto na base do governo como na oposição, principalmente em relação aos ajustes previstos ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), abono e salário mínimo, temas considerados “polêmicos”. Por um lado, existem parlamentares que consideram as medidas duras, e outros as consideram insuficientes. “É um assunto que ferve, além da insatisfação pelo não cumprimento de uma lei que foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República”, descreveu o presidente da Câmara, Arthur Lira.

A situação no Legislativo é agravada pelo “toma lá dá cá” dos parlamentares que condicionaram a aprovação das medidas à liberação das emendas parlamentares ao Orçamento. O STF respaldou, no entanto, a decisão do ministro Flávio Dino, que impõe transparência e rastreabilidade total para liberar R$ 29 bilhões. O pacote prevê economizar R$ 71,9 bilhões no próximo biênio – R$ 30,6 bilhões em 2025 e R$ 41,3 bilhões em 2026. Ao todo, o corte estimado é de R$ 327 bilhões até 2030, com contribuição significativa de R$ 109,8 bilhões do reajuste do salário mínimo nos limites das regras do Arcabouço Fiscal.

Mas há dúvidas sobre esses montantes. A IFI aponta divergência de R$ 100 bilhões em relação ao projeto de lei orçamentária em votação para o próximo ano. “Existe um buraco entre superestimação de receitas e subestimação de despesas. Se o pacote prevê ajustar R$ 30 bilhões nas contas no próximo, ainda faltariam R$ 70 bilhões”, explica o diretor da IFI. Nas contas de Pestana, o governo enviou, no projeto de lei, previsão de receitas de R$ 20 bilhões de aumento de alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e de IR sobre juro de capital próprio. “Não acredito que isso passará no Congresso, os projetos estão lá engavetados e ninguém fala em aprovar”, exemplificou.

Apesar da proximidade do recesso de fim de ano, que se inicia no dia 22, ainda há tempo suficiente para aprovar quaisquer medidas, sobretudo em tempos de sessões remotas, observa o cientista político Cristiano Noronha, vice-presidente da ArkoAdvice, que acompanha as discussões no Legislativo. Esse desfecho, assim como a efetividade do aperto monetário imposto pelo BC na última quarta-feira, devem ditar os rumos da economia nos próximos dois anos. E, por tabela, o destino da gestão Lula e suas pretensões de disputar a reeleição.