O mundo cresceu em 2024, apesar dos desafios. E no futuro?
O FMI prevê crescimento global de 3,2% este ano. O Brasil também deve se expandir acima de 3%, mas dificuldades criadas internamente ameaçam essa trajetória
Por Marcos Strecker*
Do “fim da história”, conceito cunhado por Francis Fukuyama nos anos 1990 como síntese de um planeta que caminhava para uma ordem global liberal, até a atual era de convulsões e incertezas, passaram-se apenas três décadas. As gerações que surgiram após a Segunda Guerra Mundial conheceram a Guerra Fria na época da União Soviética e os conflitos pós-coloniais no Terceiro Mundo (atuais países emergentes, em vias de serem atraídos pelo Brics), mas nada abalou nos últimos 80 anos o consenso ocidental de um futuro abundante e próspero garantido pelos EUA, inclusive militarmente. Isso é passado.
O panorama no momento é de risco existencial para a OTAN, os EUA mergulhando no protecionismo comercial e isolacionismo político (como acontecia há um século), o Oriente Médio em convulsão, a China se armando rapidamente e a Rússia exigindo manu militari o restabelecimento do seu império perdido com o esfacelamento do comunismo – o país de Vladimir Putin não reconhece mais o direito à soberania dos vizinhos. A globalização parece um conceito fracassado, superado por um mercantilismo renascido. Nunca os ditadores se sentiram tão à vontade e confiantes. Há muito tempo as democracias não se sentiam tão ameaçadas. Mesmo assim, os países continuam a prosperar.
É o que indica o FMI, que prevê uma expansão global de 3,2% em 2024, com inflação em queda, empregos em alta e juros em retração. As projeções da OCDE também são otimistas. Cravam o mesmo crescimento mundial para este ano, e de 3,3% para 2025. Ainda que nos países da OCDE, especificamente, a expansão prevista seja mais modesta este ano (1,7%), no G20, que reúne as maiores economias, o crescimento deve registrar sólidos 3,3% neste ano e no próximo.
Esses índices positivos são puxados em grande medida pela exuberância da economia americana, que tem se mostrado o motor de fato do crescimento mundial, com produtividade em alta e desemprego em baixas históricas. Mesmo a China, que preocupa dez entre dez analistas internacionais, está se mostrando resiliente e deve crescer 4,8% este ano, segundo o FMI. Isso não quer dizer que não existam dúvidas sérias no mundo desenvolvido. A Europa se debruça sobre o problema de produtividade estagnada e nações altamente endividadas. É o caso do Reino Unido, por exemplo. Mais grave é a situação da França, cuja dívida elevada é um problema ainda mais premente diante de um Emmanuel Macron cada vez mais enfraquecido. Pior ainda está a Alemanha, com um governo demissionário e sua indústria, base do modelo exportador e responsável pela sua força econômica, em xeque.
Há mudanças em curso no equilíbrio global. O Japão tenta sair de sua armadilha de baixo crescimento eliminando os estímulos monetários, mas foi obrigado a moderar esse ajuste quando uma alta de juros local derrubou bolsas globais, causando calafrios em quem enxergou uma eventual reedição da tragédia de 2008. Esse susto, em agosto passado, não foi suficiente para arrefecer a exuberância dos mercados acionários, que devem crescer mais de 20% em 2024, pelo segundo ano consecutivo.
E o Brasil? Instituições estrangeiras já veem o dólar em novo patamar no próximo ano, na casa de R$ 6, com possibilidade de alta, dependendo da condução da política fiscal pelo governo (o boletim Focus mais recente do Banco Central, do dia 6, ainda apostava em R$ 5,77, mas em alta). É inevitável que essa desvalorização do real em mais de 24%, apenas desde janeiro, pressione ainda mais a inflação, que já superou o teto previsto acima da meta. Como consequência, a Selic também está em alta e tudo indica que pode atingir os índices do governo Dilma, quando bateu 14,25%. E o fato de os juros subirem a essa altura tem que ser comemorado. A decisão do Copom na quarta-feira (11), de aumentar a Selic em um ponto percentual, mostra o compromisso de manter o rigor monetário, sem aventuras. Mas isso é apenas um remédio amargo.
Fernando Haddad precisará se esforçar ainda mais para convencer o presidente de que a disciplina fiscal ainda é o melhor caminho para evitar mais um voo de galinha na economia brasileira, ou seja, que a expansão do PIB não se sustente diante de uma economia aquecida apenas pelos gastos públicos, mas em desequilíbrio. Se o ministro da Fazenda conseguir garantir o Arcabouço Fiscal, o que é duvidoso pela tentação gastadora do governo, poderá de fato alinhar o crescimento brasileiro ao resto do mundo. Em 2025 e no futuro.
Marcos Strecker é jornalista, diretor do Núcleo de Negócios da Editora Três (ISTOÉ DINHEIRO, DINHEIRO RURAL e MOTOR SHOW)