Revista

Na contramão do mundo

Crédito: Rafael Vieira

Marcos Strecker: "A gestão fiscal disfuncional e insustentável afasta investimentos e é ambiente favorável a uma aceleração inflacionária" (Crédito: Rafael Vieira)

Por Marcos Strecker

Há apenas dois anos, o governo eleito aprovou a PEC da Transição que abriu o espaço para mais R$ 145 bilhões de gastos, acima do teto que então vigorava. Justificava-se que a nova administração precisava de “espaço” para os programas sociais. Após a posse, o Arcabouço Fiscal de Fernando Haddad trouxe muitas dúvidas, mas pelo menos prometia disciplinar a expansão das despesas. Não foi o que se viu. O governo Lula passou dois anos pensando em como aumentar a arrecadação, que já inflava com o crescimento do PIB, sem atentar para medidas que pudessem conter a gastança. Resultado: o crescimento do gasto público federal primário (sem considerar despesas financeiras) foi próximo de 6% ao ano desde o início do atual governo. A projeção do FMI é que a dívida pública bruta do País chegue a 97,6% do PIB em 2029, nível que apenas países desenvolvidos conseguem atingir sem perder a credibilidade junto a investidores e financiadores.

Não é surpresa que o País viva uma crise de confiança, com as projeções de inflação, juros e cotação do dólar em alta. O próprio presidente acha que o dólar a R$ 6, caminhando para R$ 7, segundo alguns, é problema da avenida Faria Lima. Como Lula disse no domingo (15), a única coisa errada na economia são os juros altos. O cenário, contudo, está cada vez mais adverso. Haverá cada vez menos bodes expiatórios para as mazelas da atual administração. O “problema” da Selic agora vai cair na conta do próprio governo, já que o choque de juros recentemente aprovado no Copom teve o voto de Gabriel Galípolo, homem de confiança do presidente que assumirá o Banco Central no próximo mês e seguirá com o aperto. Precisará segurar a inflação sozinho, remando contra a política fiscal expansionista.

Especialistas já falam sobre o risco de “dominância fiscal”, que, em resumo, significa que o principal instrumento da autoridade monetária para conter o aumento dos preços (a alta da Selic) deixa de surtir efeito. Mesmo assim, o presidente não vê nenhum sinal amarelo. Popularidade em razoável estabilidade (mas não empolgante), desemprego em baixa histórica, crescimento do PIB acima dos 3% no primeiro biênio e inflação aparentemente controlada (ainda que ameaçando o teto da meta) são motivos de otimismo para o mandatário. A agência de classificação de risco Moody’s elevou a nota da dívida pública em outubro, aumentando o conforto.

Mas o cenário está longe de ser agradável. O pacote de cortes decepcionante, enviado ao Congresso na véspera do recesso junto com mais uma previsão de rombo (fim do IR para salários até R$ 5mil), corre o risco de ser desidratado pelos parlamentares. Mesmo se parcialmente aprovado, há muito ceticismo com a meta de economizar R$ 71,9 bilhões nos próximos dois anos. A gestão fiscal disfuncional e insustentável afasta investimentos e é ambiente favorável a uma aceleração inflacionária.

Esse derretimento fabricado internamente expõe, mais uma vez, o Brasil na contramão do mundo. Enquanto os EUA vivem um boom acionário e de investimentos com a expectativa de menos impostos, desregulamentação e mais eficiência na máquina governamental, aqui os indicadores se deterioram e há o fantasma de mais um voo de galinha na economia. Lula não fez o governo de frente ampla que prometeu, mas manteve Fernando Haddad no comando da economia com um discurso equilibrado e promessa de disciplina fiscal. Seu ministro, entretanto, é desautorizado dia após dia. Talvez Lula aposte em um Haddad enfraquecido, mas como âncora para a reeleição em 2026. Se a economia de fato emborcar, porém, o presidente pode perder sua tábua de salvação.