Negócios

“O Brasil pode fazer Portugal maior, e Portugal pode fazer o Brasil melhor”, diz Paulo Rios de Oliveira, da AICEP

Executivo da Agência de Investimento e Comércio de Portugal expõe as virtudes do país para os negócios, que vão além do turismo. A nação pode ser a porta de entrada dos empresários brasileiros para a Europa e África

Crédito: João Pedro Domingos

"Com o fruto da globalização, existe uma transferência constante de ativos e talentos que nós temos que produzir, mas também temos que conseguir reter", diz ex-deputado Paulo Rios de Oliveira (Crédito: João Pedro Domingos)

Por Beto Silva

Advogado e ex-deputado português, Paulo Rios de Oliveira esteve dezenas de vezes no Brasil. Tanto por motivos profissionais quanto pessoais. É casado há 14 anos com uma brasileira de Fortaleza (CE). Moram em Portugal. Recentemente, Oliveira atravessou o Atlântico e desembarcou no País pela primeira vez como administrador da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) após seis meses no cargo, que assumiu depois de deixar a Assembleia da República de Portugal, onde foi parlamentar por quatro mandatos. Sua missão agora é fomentar os negócios em Portugal e atrair investimentos de outros países para o território lusitano. Para isso, viaja para nações estratégicas – como o Brasil, que é o sexto no ranking de investimentos estrangeiros em Portugal – para levar a mensagem de que seu país é muito mais do que as belas paisagens do Algarve, a culinária e a arquitetura de Lisboa, a religiosidade de Fátima ou a exuberância do Porto.

“O fluxo de turismo pode aumentar, mas o fluxo de negócios também”, disse o executivo, em entrevista exclusiva à DINHEIRO, em meio a uma agenda de compromissos que preencheu cinco dias em solo brasileiro. Entre os serviços gratuitos prestados pela AICEP estão recepção de players, consultoria, acompanhamento de investimentos, orientação para financiamentos, desburocratização e muitos outros. Investimentos acima de 25 milhões de euros passam necessariamente pela agência.

“Portugal está em destaque, está na moda, está sexy. Transformou-se num país de infraestrutura avançada, com vantagens geoestratégicas e inovação”

DINHEIRO — O que significa essa primeira visita ao Brasil como administrador da agência?
PAULO CÉSAR RIOS DE OLIVEIRA — Foram compromissos com muitas expectativas e com muito entusiasmo. Foi muito mais do que uma visita profissional. A AICEP privilegia muito alguns mercados e alguns países, mas neste caso não foi uma opção só racional. Foi também emocional. O Brasil não é um país qualquer.

Quais são os principais objetivos dessa missão?
Mostrar um Portugal que o Brasil conhece menos. Mostrar aos grandes investidores brasileiros por que Portugal é hoje uma enorme oportunidade. Para isso temos que explicar mais do que o Portugal que é lido, o Portugal que é visto na televisão. Queremos falar de outro Portugal, com números e com fatos.

O turismo é o forte atrativo para negócios?
Fizemos reuniões com associações de turismo e hotelaria brasileira porque nós achamos que existe aqui claramente uma capacidade de correlação de soma, não de divisão nem de concorrência. Nós podemos acrescentar algo à vossa oferta e, ao mesmo tempo, existem oportunidades extraordinárias no Brasil que nós temos que conhecer. Só assim podemos divulgar com credibilidade. O fluxo de turismo pode aumentar, mas o fluxo de negócios também. Tenho duas regras que conduz minha vida. Gosto muito de somar, porque muitas vezes 1 mais 1 é igual a 3. E a outra coisa é que gosto mais de ler tendências do que ler momento.

Que Portugal vocês querem mostrar por aqui?
É um Portugal muito maior do que um povo que fala português. Ter o mesmo idioma é uma coisa que nos une profundamente, é uma vantagem enorme no mundo empresarial, mas não é suficiente. Se Portugal tivesse como único incentivo ou investimento brasileiro a língua, era pouco. Temos condições únicas do ponto de vista geográfico, porque estamos no local da Europa mais próximo dos Estados Unidos, o local mais próximo sob muitos aspectos da África Atlântica e somos da Europa. Significa dizer que quem entra em Portugal está apresentado imediatamente a um mercado 500 milhões de pessoas, e a isso soma-se o mercado da África, com mais 250 milhões de pessoas. Portugal tem centenas de milhares brasileiros que lá vivem, muitos deles a estudar, o que permite ao investidor conseguir mais facilmente transportar a sua filosofia de negócio e a cultura ao modelo europeu, usando a diáspora dos brasileiros.

A proximidade de Portugal a outros países europeus é outra característica que pode ser explorada para quem quer investir?
Desde Portugal é fácil viajar a Europa. A Europa tem o tamanho do Brasil. De automóvel, nós atravessamos Portugal em 6 horas. Você atravessa a Europa toda como atravessa o Brasil. Imagino que um investidor, ao chegar a Portugal, está a dois passos da França, da Alemanha e, se necessário, do Leste europeu. Portugal está em um momento de destaque, está na moda, está sexy. Portugal transformou-se num país de infraestrutura avançada, com vantagens geoestratégicas e também está na linha da frente na inovação. Temos um ecossistema já muito resiliente, com ligações fortes ao Brasil e que nós queremos acelerar. Principalmente por meio das startups, que são, por natureza, inovação pura.

Em quais outros setores as relações podem ser estreitadas?
Nós temos grandes oportunidades em Portugal. Na agroindústria, por exemplo, não porque temos coisas para ensinar aos brasileiros, mas o fato de encontrarmos na Europa o vosso know-how instalado em Portugal pode ser muito útil, especialmente para quem quer diversificar mercados. Temos também oportunidades grandes na área da saúde. Portugal tem dado passos muito concretos e em algumas áreas somos mesmo referência mundial. Como diz um amigo, o Brasil pode fazer Portugal maior, e Portugal, quem sabe, pode fazer o Brasil um pouco melhor. Temos que ganhar escala e temos que fazê-lo com os nossos amigos. O Brasil tem que ganhar maior conhecimento nesse enorme mercado europeu, perceber melhor a filosofia, os regulamentos, e nós estamos cá para ajudar nisso.

A ideia principal é fazer de Portugal a porta de entrada do investidor brasileiro na Europa?
Um exemplo muito concreto: Portugal precisa de investimento estrangeiro, o que traz transferência de tecnologia e um know-how muito grande para nós. Claro que cria empregos, gera impostos, mas com vantagens de registro de patentes, de marcas, na Europa. Quem registra suas marcas em Portugal passa a estar regido na Europa. Portugal, pela sua dimensão, é ótimo para fazer uma primeira experiência internacional. Porque não obriga a chegar a uma Alemanha com a concorrência feroz, com uma língua difícil e com regras muito apertadas. Portugal, embora seja pequeno, pode ser uma primeira experiência feita à dimensão que o brasileiro quiser. Temos o Porto de Sines, de águas profundas, com calado para grandes navios, para quem quer trazer mercadorias dos EUA e da África, com uma zona logística que fica abaixo de Lisboa. É uma área enorme, está preparada em infraestrutura para ter qualquer tipo de investimento de larga escala.

Ainda na área de tecnologia e inovação, o Brasil é um dos players globais mais avançados em fintechs, por exemplo. Portugal também por extrair experiências do Brasil nesse setor?
Nós queremos aprender convosco e também queremos compartilhar o que estamos a fazer bem. Existe um acordo em relação à Inteligência Artificial (IA). Portugal estará em coordenação com o Brasil nessa área que é o futuro e cujo alcance nós próprios ainda não conseguimos saber totalmente. Mas estamos alinhados na progressão da IA. Vamos fazer juntos. O Brasil, desse ponto de vista, não tem muito a aprender. O que estamos a oferecer é parceria. Traz a tua inovação e eu levo-te à minha. Oferece-me o teu mercado, que é de 200 milhões de pessoas, que eu ofereço o meu, com 500 milhões. Vamos fazer isso juntos. Uma das coisas que sinto é que nossa ligação ao Brasil é absolutamente umbilical. Está muito para além das pessoas, para além dos governos, para além dos momentos, para além dos pequenos problemas. É uma coisa ancestral. Essa ligação é tão profunda entre os dois povos que são irmãos, que tem de haver maior reflexo comercial. Nós somos irmãos e também podemos ser sócios. Somos irmãos e também temos de ser parceiros.

“Nossa ligação ao Brasil é umbilical. Ancestral. Tem de haver maior reflexo comercial. Nós somos irmãos e também podemos ser sócios”

 

Com tantos universitários brasileiros em Portugal, a mão de obra é um diferencial para investidores?
Neste momento, não só no Brasil ou em Portugal, todas as entidades perceberam que em muitas áreas o maior ativo é o talento, os recursos humanos. Com o fruto da globalização, existe uma transferência constante de ativos e talentos que nós temos que produzir, mas também temos que conseguir reter. Portugal tem orgulho de ter muitos estudantes brasileiros a fazer aprendizagens de alto nível, mestrado e doutoramento. Esse talento nós gostaríamos que ficasse em Portugal. Acreditamos que ele ficará mais depressa a serviço de investidores brasileiros que vão aproveitá-lo mais fácil para transmitir o mindset brasileiro, que não é igual ao português. Nisso, um papel importante é uma ligação que durante muito tempo não existiu e que hoje é completamente evidente: empresas e academia, universidades e corporações. A Academia AICEP faz exatamente isso, a ligação entre a universidade e as companhias. Ao mesmo tempo, faz outra coisa, que é capacitação das empresas. Preparamos para os desafios de inovação, de ESG…

Em ESG, o Brasil tem questões de energia limpa avançadas. O País pode colaborar com Portugal nesse sentido?
Essa preocupação ambiental, nós temos que confessar que chegou mais cedo no Brasil do que em muitos outros países. É uma das questões críticas do nosso sucesso do futuro e da nossa sobrevivência. Neste momento, na Europa, esses valores são muito presentes, por vezes até levados ao limite máximo. Mas nós temos também de perceber que muitas vezes onde é produzida a maior poluição, as alterações climáticas não são tão combatidas. A Europa tem que dar o exemplo desse ponto de vista. A Europa, que neste momento defende fortemente a reindustrialização, vai ter que começar a medir com muita responsabilidade a relação de custo-benefício entre as questões ambientais e as industriais. Em relação a isso, nós não podemos ser fundamentalistas. Existe na Europa essa vontade de reinicialização que é uma oportunidade extraordinária, porque quer fazer coisas grandes. Tem de haver compatibilização entre o meio ambiente e a indústria. O Brasil é aquela voz da consciência que não nos deixa dormir e descansar. Nem que o mundo tente ignorar o tema, o Brasil normalmente não deixa. O Brasil é uma potência mundial.

A relação institucional entre os dois países é positiva neste momento. Em que isso ajuda a fortalecer laços e negócios?
O momento é bom, sim. Portugal é hoje em dia uma democracia madura, estável. Quando há mudanças do governo, não muda tudo. Nas relações externas existe um grande sentido de responsabilidade, um sentido de consequência, de coerência. Na estratégia da condução externa do país, isso também gera muita credibilidade e previsibilidade. E se mudar o governo? Com Portugal nós contamos! A relação é sempre muito profunda entre Brasil e Portugal. Já não depende de governos.