Trump assume com grande apoio

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Norberto Zaiet: "Haddad e Lula, apesar de odiarem hedge funds, estão dando um presente a eles" (Crédito: Divulgação)

Por Norberto Zaiet

Trump começa o seu segundo governo com o pé direito: apoio popular, equipe motivada e uma oposição completamente desestruturada e sem liderança, indelevelmente manchada pelos últimos atos de Joe Biden à frente da Casa Branca. Biden se consolida no imaginário popular como o pior presidente americano da história recente e, por comparação, Trump não precisa acertar muito para ser percebido como substancialmente melhor: é só não errar demais.

Na secretaria do Tesouro, sai Janet Yellen e entra Scott Bessent. Dadas as devidas proporções, seria o equivalente a substituir, para quem viveu a época ou a estudou, Chico Lopes e sua banda diagonal endógena por Armínio Fraga, com seu pragmatismo e capacidade de execução. Dois economistas notáveis, com a diferença que um deles sabe como ganhar e conhece a dor de perder dinheiro no mercado.

Bessent trabalhou com George Soros, é contemporâneo de Armínio e foi instrumental na concepção da operação que quebrou o Banco da Inglaterra no início dos anos 90. Bessent conhecia a fundo o mercado de crédito imobiliário britânico. Sabia que qualquer alta de juros do Banco Central para defender o câmbio afetaria diretamente o valor das parcelas que cada mutuário britânico teria que pagar no seu empréstimo imobiliário. As taxas das operações de crédito imobiliário não eram fixas, mas flutuantes. Isso colocava uma restrição enorme na habilidade do Banco Central de defender a moeda por meio de juros mais altos, e ajudava a enfraquecer ainda mais a libra. Bessent forneceu a Soros e a Stanley Druckenmiller uma peça-chave no tabuleiro do jogo de xadrez que colocou a libra em xeque.

Depois da eleição, Bessent tem sido extremamente econômico nas suas declarações públicas. Nem precisa ser diferente: há bastante material para entender como sua cabeça funciona.

Bessent acredita que a única maneira de os EUA saírem da armadilha do déficit fiscal é por meio do crescimento da economia, e o governo tem dois papéis principais nesse processo: desregular e deixar o “espírito animal” do setor privado atuar, e garantir a dominância e independência americana na definição de suas fontes de energia. Não é surpresa que essas duas áreas estão entre as diversas ordens executivas assinadas por Trump no seu primeiro dia de governo.

Bessent acredita que a economia global passará, necessariamente, por um novo realinhamento à la Bretton Woods, no que diz respeito ao comércio e às políticas globais. Em 1944, o acordo original criou o mecanismo para um sistema fixo de taxas de câmbio que acabou estourando nos anos 1970. Algumas instituições que surgiram com a medida, no entanto, ainda são importantes para a economia global, como o FMI e o Banco Mundial. Bessent é um estudioso do tema, e acredito que a obstinação de Trump em defender o dólar como a moeda dominante no comércio mundial está alinhada com esse raciocínio. O FMI e o Banco Mundial que se cuidem.

Scott Bessent acredita que a macroeconomia é uma consequência da microeconomia, ou seja, é o micro que conduz o macro. Minucioso nas suas análises e confiante em suas conclusões, avisa que as ocasiões em que ganhou mais dinheiro foi quando identificou um governo pilotando a 200km/h em direção a um muro de tijolos – sempre chega a hora em que é inevitável diminuir a velocidade e mudar de rota. Haddad e Lula, apesar de odiarem hedge funds, estão dando um presente a eles.

Trump 2.0 vai mexer com muita coisa estabelecida por muito tempo e em muitos lugares. Muitas políticas mundiais, hoje em velocidade de cruzeiro, podem estar navegando em direção a um muro chamado Donald Trump. Quem perceber primeiro vai levar vantagem.