“Imaginar que 95% das empresas brasileiras não têm acesso a crédito é um absurdo”, diz Décio Lima, do Sebrae
Com dados positivos sobre o empreendedorismo no Brasil, que sofre dificuldade de financiamento, o executivo é taxativo em afirmar não existir povo mais empreendedor que o brasileiro e que a cultura de pôr a mão na massa pode e deve ser incentivada como política pública
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Décio Lima, presidente do Sebrae: "Não acredito que haja nenhum país com esse potencial de espírito empreendedor que o povo brasileiro tem" (Crédito: Erivelton Viana)
Por Airton Seligman
O presidente do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), Décio Lima, é um entusiasta. Filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), ex-deputado e ex-prefeito de Blumenau, fala de Lula com paixão quando se trata de empreendedorismo. Os números apontam certa razão nessa devoção. Somando os microempreendedores individuais (MEI), microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP), o Brasil teve 4.158.122 pequenos negócios abertos em 2024 – melhor resultado do empreendedorismo no País, superando 2021, quando foram criados 3,94 milhões CNPJs. O presidente também dá pano para a manga. No primeiro encontro com ministros em 2025, Lula afirmou que o brasileiro “é um povo que está virando empreendedor”. Lima falou com exclusividade à DINHEIRO sobre este e outros temas ligados ao empreendedorismo nacional, como cultura empresarial, superação de obstáculos e formas de impulsionar a criação de novas micro e pequenas empresas.
O Brasil não tem mais espírito empreendedor por falta de cultura empreendedora, falta de crédito ou falta de inspiradores?
Não falta ao Brasil o espírito empreendedor. O espírito empreendedor está na própria luta do povo brasileiro. De homens e mulheres que, sempre, acordaram pela manhã e nunca desistiram. Agora, o que nós temos que entender é que o empreendedor é um pequeno na economia. O empreendedor é aquele que enfrenta a natural voracidade de um mercado que não foi feito para poder protegê-lo e dar a ele a segurança necessária. O mercado foi feito para acumular riqueza. O microempreendedor nunca foi ao longo da história, salvo exceções, trazido para o mercado com a tranquilidade necessária para que ele possa construir com segurança e dar longevidade à sua criatividade no campo da economia e do mercado.
Até que ponto nossa sociedade foi acostumada ao longo dos anos a focar seu sustento no funcionalismo público (desde Dom Pedro e depois com a expansão dos órgãos de governo e das estatais) e não incentivada a apostar no empreendedorismo?
A sociedade nunca teve, para a grande população brasileira, essa determinação de busca dos espaços nas estruturas do Estado. Esse é um processo muito seletivo e com uma dimensão muito pequena, em razão do tamanho que tem nosso País. Aliás, o Estado sempre foi aquele que sofreu as criminalizações. O Estado é o Leviatã e o mercado é o paraíso. O povo teve que se submeter sempre a uma meritocracia acadêmica, de concursos. O caminho para isso sempre foi um mundo muito privilegiado em relação à grande maioria do povo brasileiro.
Dos empregos formais criados no ano passado, 80% são egressos do micro e do pequeno empreendedor”
Presidente Lula falou que “o povo brasileiro está virando empreendedor”. O sr. enxerga essa vontade real no nosso povo ou precisamos de um empurrãozinho, como programas de apoio, de incentivo, de palestras e painéis em comunidades e escolas?
O presidente Lula é um inspirador. Foi ele quem criou o Super Simples, foi ele quem criou a Lei do Microempreendedor Individual (MEI), ele que recria novamente, após o período de descaso com esse setor, o Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Ele que inicia, pela primeira vez na história, a possibilidade de acesso a crédito para uma população que não tem acesso a empréstimos – o nosso diagnóstico revela que 88% das micro e pequenas empresas no Brasil não têm acesso a crédito.
Do ponto de vista da escola básica, é possível sugerir uma disciplina especial sobre empreendedorismo para menores de 18 anos? Do tipo ensinar quem foi Barão de Mauá, o que é Sebrae, o que é crédito?
O processo de acompanhamento permanente da cultura empreendedora brasileira é importantíssimo sim. Principalmente naquilo que é fundamental para que haja uma clareza da compreensão do que significa ser empreendedor, porque geralmente as pessoas começam seu empreendedorismo via suas vocações naturais, o seu aprendizado comunitário, familiar – assim que se entra no mercado. Eu digo que tudo aquilo que é pertencente ao empreendedorismo tem que ser política de Estado. O empreendedorismo é a grande porta de cidadania e da inclusão do povo brasileiro.
O que o sr. acha que está faltando para o governo apoiar ainda mais o empreendedorismo no Brasil?
Na sua terceira edição, o governo do presidente Lula revela claramente a prioridade desse setor, já com a recriação do Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, e com a valorização de políticas diferenciadas, como o programa Acredita. Entretanto, é evidente que nós temos que alcançar isso no processo republicano, com o envolvimento dos governos estaduais na mesma forma que hoje alcançamos nas cidades brasileiras, com a adesão da grande maioria dos municípios ao Cidade Empreendedora, que é um programa dirigido pelo Sebrae e que hoje toca a população nos bairros, nos municípios, no alcance de mais de 3 mil cidades brasileiras. O que o empreendedorismo sempre precisa é um olhar diferenciado, a fim de que o empresário possa ter segurança no seu negócio e para que possa dar longevidade ao que ele produz, diante da luta permanente que ele realiza, nos contraditórios de um mercado que não foi feito para ele.
Quantos programas o Sebrae tem para o desenvolvimento do empreendedor individual? Quantos são de mentoria, consultoria e crédito?
O Sebrae tem desempenhado um papel crucial na capacitação e no suporte às micro e pequenas empresas no Brasil. Não à toa, a instituição foi reconhecida como a marca mais Socialmente Responsável entre empresas e instituições brasileiras em 2024, conquistou a segunda colocação no Ranking das Marcas Brasileiras Mais Fortes para a Geração X e figura ainda, pelo terceiro ano seguido, entre as 10 marcas mais fortes no ranking geral. Esses recursos abrangem áreas essenciais como gestão financeira, marketing, inovação e planejamento estratégico, visando aprimorar as competências dos empreendedores e potenciais.
Costuma-se dizer que há países com espírito mais empreendedor que o Brasil, especialmente os de populações protestantes. A relação com o dinheiro, diz-se, seria mais ambiciosa. O senhor concorda com isso? Se sim, o que podemos aprender com esses países? Quais são?
Eu quero conhecer! Porque não acredito que haja nenhum país com esse potencial de espírito empreendedor que o povo brasileiro tem. Primeiro que a grande maioria das empresas brasileiras são micro e pequenas empresas, chegando a 95% dos CNPJs no Brasil. Dos empregos formais criados no ano passado, 80% são egressos do micro e do pequeno empreendedor. Nós tivemos a criação 2,2 milhões de postos de trabalho formais no Brasil pulverizados em todos os setores da economia, grande parte deles (mais de 60%) são das micro e pequenas empresas. Não nos falta espírito empreendedor, o que falta para nós é ampliar ainda mais as políticas de Estado para que a gente possa ser o grande parceiro dessa atividade.
Como a inciativa privada poderia colaborar para o aumento do empreendedorismo no Brasil?
O empreendedorismo faz parte da iniciativa privada. Os grandes de hoje eram os pequenos ontem. E hoje grande parte dos grandes tem que interagir com as pequenas economias. O modelo antigo da fábrica, o fordismo, que construiu aglutinações de mão de obra, cada vez mais é substituído pelas relações entre microempresas (incluindo os MEIs) e os setores produtivos das grandes cadeias da economia brasileira. Esse processo revoluciona aquilo que a gente sempre chamou de relação no trabalho assalariado e capital. Cada vez mais o próprio sentimento da carteira de trabalho se torna um brado de libertação, quando a relação passa a ser de empresários, cadeias produtivas e pequenas empresas e microempreendedores.
O modelo antigo da fábrica, o fordismo, cada vez mais é substituído pelas relações entre microempresas (incluindo os MEIs)”
Quais os setores privados que mais impulsionam o empreendedorismo? Sabemos de projetos na agroindústria (cadeia de pequenos fornecedores). Onde mais há apoio?
O ano de 2024 registrou um crescimento de mais de 10% na abertura de pequenos negócios em comparação com o ano anterior. As atividades que registraram o maior volume de novos negócios estavam no setor de Serviços. Elas representaram cerca de seis em cada dez novas empresas abertas no ano (59,5%). Na sequência estão os empreendimentos ligados ao Comércio, que superaram a marca de 1 milhão e atingiram 25,1% do total. Os setores da Indústria (321,3 mil), da Construção Civil (283,7 mil) e a Agropecuária (31,6 mil) completam a lista, correspondendo a 15,2% do total.
Diz-se muito que, pela natureza do negócio (tecnologia), as startups costumam escalar rápido. Como um empreendedor da economia tradicional pode almejar ampliação de seu negócio em curto tempo?
O processo da inovação é uma revolução em curso. Ela está acontecendo num processo visivelmente transformador da economia. E não tem mais volta. O empreendedorismo nessa área é a grande alavanca impulsionadora dos processos da inovação. Esse é um desafio: nós temos que proteger este ambiente que se transformou hoje na grande economia no mundo, que se revela, inclusive, com preocupações de grandes acumulações de riqueza, em detrimento do empreendedor, daquele que criou, aquele que fez, daquele que construiu com a sua capacidade, sua inteligência, esse mundo revolucionário da Inteligência Artificial e da inovação.
Está faltando crédito para microempreendedores?
Os microempreendedores, na sua grande maioria, não têm acesso a crédito. Os números revelam que 88% das micro e pequenas empresas não acessam o crédito. Primeiro, porque não temos uma cultura de aval. Depois, porque naturalmente o microempreendedor não tem caução. Ele não tem como dar a garantia, que é a possibilidade única de abertura da porta dos bancos e do crédito. Então nós estamos nesse desafio para interromper esse absurdo que o Brasil vive, no sentido de não permitir que a pequena economia não tenha acesso a crédito. Imaginar que 95% das empresas brasileiras não têm acesso a crédito, que são as micro e pequenas, é um absurdo incompreensível.