Pacote anti-ESG de Trump atrapalha, mas não define o jogo

Ricardo Voltolini: "Como nada é tão ruim que não possa piorar, entre as medidas sociais, dez visam reduzir a pó a agenda de diversidade e inclusão nos EUA" (Crédito: Divulgação)
Por Ricardo Voltolini
Donald Trump nem terminou de assinar a última das 78 medidas apresentadas em sua posse, e as redes já estavam inundadas de posts sobre a derrocada do ESG. Muitos não se contiveram em anunciar também a morte do Acordo de Paris. Reações compreensíveis, é verdade. Mas, até prova em contrário, exageradas.
Do pacote de indignidades, a retirada do Acordo de Paris era a maldade mais esperada de todas. Durante a campanha eleitoral, Trump já havia prometido recolocar o elefante negacionista na loja de cristais. E é certo que essa medida provocará estragos no conjunto de esforços globais de redução global das emissões de gases de efeito estufa (GEEs).
Presidente do segundo maior emissor de carbono do planeta, Trump sabe que, ao sair do jogo, ele está, na verdade, melando o campeonato – segundo a regra da ONU, o resultado de tratativas multilaterais como as que serão encaminhadas na COP 30, de Belém (PA), depende de consenso entre os países. O “não” dos EUA amplia as dúvidas de que seremos capazes de manter em 1,5 grau o aumento da temperatura média do planeta, até porque vem acompanhado de disposições que elevarão a carga de carbono nos próximos anos.
Para “fazer a América grande”, Trump assinou decretos que cancelam restrições à perfuração de petróleo e gás, revogam normas de emissão de carbono, flexibilizam padrões de eficiência energética e liquidam estruturas de controle climático.
Ao mesmo tempo em que autoriza o fim de subsídios para energia renovável, o presidente aumenta os incentivos para os combustíveis fósseis, criando um ambiente para os EUA serem, na contramão da história, o maior exportador global de energia vinda de petróleo. Com o aval das big techs.
Como nada é tão ruim que não possa piorar, entre as medidas sociais, dez visam reduzir a pó a agenda de diversidade e inclusão nos EUA. São ações que compreendem desde o fim da obrigatoriedade de treinamento de diversidade até a redefinição oficial de gênero baseada em sexo biológico e a redução de políticas de combate à discriminação no local de trabalho. Mesmo antes do anúncio dos decretos, empresas norte-americanas que até pouco tempo atrás exibiam orgulhosas suas políticas de DE&I começaram a rezar na cartilha anti-woke de Trump.
Acho justa a indignação provocada por tais medidas. Mas, vale ressaltar, ainda que viessem a ser implantadas (não serão, pois não se sustentam se confrontadas com leis e regras comerciais), elas não teriam o poder de destruir o ESG. O mundo se organiza sob nova configuração de forças. E já há um razoável consenso global de que a ameaça climática representa um risco de curto prazo para a humanidade. A China tem mostrado vontade de “limpar” o “made in China”. A Europa quer manter seu protagonismo. O Brasil também deseja ser player no jogo global da transição energética.
Estou entre os que acreditam, inclusive, que com a retirada dos EUA o Brasil pode até receber um fluxo ainda maior de capital em fundos sustentáveis. É sempre bom lembrar: movimentos como a sustentabilidade empresarial, surgidos no fim dos anos 1990, ganharam força nas duas primeiras décadas deste século fazendo oposição ao business as usual que Trump está tentando ressuscitar. Para toda narrativa há sempre uma contranarrativa. E a da sustentabilidade, que um dia pareceu ingênua, tem muito mais seguidores hoje do que em qualquer outro tempo.
Algumas horas depois da posse de Trump, Michael Bloomberg anunciou que vai financiar o órgão climático da ONU. No Brasil, a Natura publicou um manifesto reafirmando suas crenças num mundo mais ético, justo e inclusivo. O secretário-geral da ONU, António Guterres, convocou os líderes de todo o mundo a manterem seus compromissos de redução de emissões. A briga promete ser boa. E barulhenta. Conforta saber que o mundo não é o quintal dos EUA.
RICARDO VOLTOLINI é CEO da Ideia Sustentável, fundador da Plataforma Liderança com Valores, mentor e conselheiro de sustentabilidade