Transformação do varejo: novos desafios e estratégias
Por Silvio Stagni
A dinâmica do varejo brasileiro é conhecida por ser altamente sensível ao nível de atividade doméstica, cujos efeitos apresentam impacto direto nos indicadores de desempenho financeiro das empresas. Em 2023, o varejo enfrentou obstáculos significativos, com o aumento das despesas financeiras e do custo do capital gerado pela alta taxa de juros, pela competição acirrada dada a intensificação da presença de empresas estrangeiras, como Shein, Shopee e Aliexpress, e até com grandes nomes lidando com recuperação judicial.
O cenário da economia doméstica tem sido marcado por uma série de desafios e o varejo é um dos setores mais afetados pelas oscilações dos níveis de consumo, devido às incertezas que refletem a expectativa do que ocorrerá com a atividade econômica. Neste contexto, algumas tendências devem ganhar relevância ao longo deste ano, como a continuação do ciclo de corte da taxa de juros, taxação de compras feitas no exterior, aumento do consumo das famílias gerado pela redução do desemprego, recuperação do acesso ao crédito e menor endividamento, fomentado a partir dos programas de renegociação do governo federal. Por consequência, a confiança dos consumidores acerca da resiliência da atividade econômica tende a aumentar, favorecendo o varejo.
É importante distinguir bens de consumo cíclicos e não-cíclicos para identificar os que sofrem oscilações na demanda de acordo com a atividade econômica. Os produtos eletrônicos são itens não-cíclicos e ainda enfrentam uma dificuldade maior na recuperação das vendas, após apresentarem um crescimento atípico no período da pandemia. Por outro lado, produtos de utilidade básica e o setor de serviços passaram a ser priorizados com a retomada das atividades presenciais e a deterioração do poder de compra das famílias. Muitas empresas que atuam no varejo de eletrônicos têm adotado estratégias inovadoras para suas operações como forma de mitigar os efeitos negativos das variáveis econômicas no desempenho financeiro e manter seus diferenciais diante da concorrência. Algumas focaram na oferta de produtos com serviços agregados, como seguros, garantias estendidas e experiências personalizadas, visando fortalecer a fidelização de seus clientes.
Outra prática que tem ganhado destaque é a de economia circular, cuja dinâmica ocorre através da venda de produtos seminovos. Essa abordagem, classificada como C2B (consumer to business), revela um mercado promissor em ascensão, que consiste no reaproveitamento de produtos disponibilizados por consumidores que querem se desfazer de seus pertences de forma responsável, e no recondicionamento por parte das empresas que buscam oferecer produtos de maior valor agregado a preços mais acessíveis.
A sustentabilidade é outro tema que ganha relevância, especialmente com relação ao uso consciente de recursos naturais e descarte responsável de produtos usados. Diante das externalidades geradas por fenômenos climáticos, os consumidores estão cada vez mais exigentes no que diz respeito à atuação das empresas. De acordo com o Índice de Sustentabilidade 2023, divulgado pela Kantar, 56% das pessoas entrevistadas pararam de adquirir produtos e serviços de empresas que não dedicam recursos para a sustentabilidade ou que adotam práticas nocivas ao meio ambiente.
Por fim, a adaptabilidade dos varejistas em situações complexas será essencial para a superação dos desafios relacionados à conjuntura macroeconômica, ao aumento da concorrência e às mudanças de hábitos de consumo. Em um cenário marcado por tantos obstáculos, o potencial de crescimento das empresas está relacionado à capacidade de resiliência e inovação.
Silvio Stagni é CEO da Allied Tecnologia