“Brasil voltou a ser polo de oportunidades em fusões e aquisições”, diz Daniel Maranhão, da Grant Thornton
À frente da operação brasileira da consultoria Grant Thornton, executivo entende que há no País ativos muito baratos para empresas e investidores estrangeiros
Por Hugo Cilo
O empresariado brasileiro se mantém entre os mais otimistas do mundo, mas essa visão positiva está esfriando. Essa é a conclusão do estudo Internacional Business Report (IBR), produzido pela consultoria britânica Grant Thornton. O levantamento com 5 mil empresários em 28 países mostra que o País está à frente de Canadá, China e Estados Unidos, mas atrás de Indonésia, Índia e México. Para o CEO da Grant Thornton Brasil, Daniel Maranhão, o País tem características peculiares que explicam essa visão positiva.
DINHEIRO — Um estudo recente da Grant Thornton mostra que o otimismo das empresas de médio porte recuou, mas as boas expectativas de receita e lucro melhoraram. O que explica essa aparente contradição?
DANIEL MARANHÃO — Explico. O estudo mostrou que 75% dos respondentes falam que estão otimistas. Porém, no semestre anterior eram 80%. Então, houve uma queda, mas se manteve em um percentual alto. Em lucratividade, a expectativa de 74% é de otimismo. Mas no estudo anterior, era maior: 78%.
O que justifica a avaliação positiva?
Diferentes fatores. Um item importante é a exportação. Metade do empresariado que vende para o exterior acredita que a expectativa é aumentar a receita, tanto do ponto de vista de volume quanto de preço. Além disso, as empresas têm investido em redução de custos operacionais e aumento de eficiência. Então, vejo que boa parte da expectativa positiva está sustentada na redução de custos, aumento da lucratividade e mais uso de tecnologia.
“O Brasil está no top 10 dos maiores PIBs do mundo. O mercado é gigantesco. Muitas empresas, quando decidem expandir, não querem ampliar ou construir fábricas. Querem adquirir”
O brasileiro tem uma predisposição a ser otimista. Pelo estudo, o Brasil ficou em patamar equivalente ao dos EUA, mas abaixo de Indonésia, México, Índia, China e Emirados Árabes. O empresário brasileiro está perdendo as esperanças?
O que dá para a gente captar desse estudo em relação a essa nova configuração do otimismo no mundo todo é que os mais otimistas são os emergentes. Essas economias estão atraindo muito investimento e se tornando mais estratégicas para as grandes multinacionais. Embora sejam países com economias em ascensão, estão com dinâmicas interessantes de expansão. Acho que o único país emergente que ficou fora da lista foi a Rússia, por causa da guerra. Os empresários russos estão cabisbaixos.
Qual o outro extremo?
Posso dar o exemplo do México. Os empresários lá estão muito otimistas. Essa constatação não está no nosso estudo, mas vou fazer uma análise minha. O México tem se tornado um grande centro de produção, que antes estava concentrado na China. Muitas empresas americanas estão se mudando para lá.
Isso ocorreu depois da pandemia?
Com certeza. Depois do que aconteceu durante a Covid, com a questões geopolíticas no centro das estratégias empresariais, o México passa a ter um papel mais relevante para os EUA. É um país que concentra mão de obra barata e produz para as empresas americanas com custos extremamente competitivos. Então, esse é um movimento positivo para o México, que pode ajudar outros países da região, como o Brasil. É o que chamamos de nearshoring. Principalmente porque a economia americana continua forte. Isso ajuda a manter o otimismo.
De que forma o Brasil tem sido beneficiado pelo nearshoring?
Por enquanto, não vejo esse benefício para o Brasil. Não tenho visto fábricas mudando a produção para o Brasil. Pode ser que exista algo pontual, mas eu não conheço. Mas, evidentemente, essa migração forte para a América Latina pode, no futuro, beneficiar o Brasil.
O que falta para o Brasil surfar essa onda?
As empresas que se instalam no Brasil estão focadas no grande mercado interno, não nas exportações. O Brasil está no top 10 dos maiores PIBs do mundo. O mercado é gigantesco. Apesar de ter grandes diferenças de classes sociais, tem uma força incrível de consumo. Então, vejo que qualquer espirro de melhora no cenário positivo econômico do Brasil, os negócios deslancham. O Brasil tem esse lado positivo comparado a outros países.
Deslancha de que forma?
Na forma de investimentos. Mais investimento em plantas produtivas, em expansão de produção, aumento de compras, aumento de exportações e planos para adquirir outras empresas. Vejo que muitas empresas, quanto decidem expandir, não querem construir ou ampliar fábrica. Querem adquirir.
Isso já tem acontecido?
Não consigo medir e falar em números, mas percebo que muitas empresas que estão com operações na China e outros países da Ásia têm se interessado em comprar empresas no Brasil. Existe um movimento gigantesco de aquisição. O Brasil voltou a ser um polo de oportunidades em M&A.
“Não tem sido difícil conseguir financiamento em banco público. Aí eu enxergo uma boa oportunidade de negócio para bancos privados e para as empresas”
Em quais setores?
Em vários. É bem diversificado. Mas posso destacar alguns de grande interesse dos estrangeiros no Brasil. O setor de infraestrutura continua sendo o mais relevante. Infraestrutura para tudo. Desde a área de energia até o segmento de construção civil. Está muito aquecido.
Existe alguma projeção de crescimento do M&A no Brasil para este ano?
A gente não fez essa projeção. O que nós temos são dados internos, com base no trabalho que a gente executa suportando as empresas, fazendo a diligência da aquisição. É nisso que a gente sente que o mercado está aquecido.
Existe algum fator macroeconômico que explique esse aquecimento?
Um fator é o câmbio. As empresas brasileiras, os ativos brasileiros em dólar, são atraentes para o estrangeiro investir aqui. Continua sendo. O dólar próximo de R$ 5 mantém o Brasil como de grande potencial para fusões e aquisições.
E as empresas estão subvalorizadas…
Sim. Há muitas empresas em dificuldade financeira, que podem gerar bons retornos para os compradores. Muita empresa alavancada, endividada, que se torna um ativo relevante para quem chega com dólares. Tem muita empresa depreciada, que pode ser estratégica.
Estratégica de que forma?
Para transferir produção para cá, por exemplo. Para quem buscar um mercado potencial e investimento com uma rentabilidade alta, o Brasil é um polo excelente.
Mas tem muito investidor e muitas empresas que reclamam…
Lógico. Tem que ser o profissional certo para jogar o jogo aqui no Brasil. Não é fácil. Por mais que a empresa estrangeira tenha experiência em mercados globais, pode bater cabeça aqui. Com certeza, a realidade de fazer negócio no país dele é diferente no Brasil. Eu diria que é preciso ter muito profissionalismo. E ter assessores profissionais, com conhecimento do mercado brasileiro. Temos muitos profissionais e assessores. A chance de sucesso com uma consultoria especializada em Brasil é muito maior do que se ele jogar o jogo sozinho.
Do ponto de vista dos estrangeiros, quais são os pontos positivos e negativos?
No lado positivo, sem dúvida a fartura de recursos naturais. Tem muito. O agro é outro ponto. E o próprio mercado de consumo. Algo novo que vem acontecendo no Brasil é a desintermediação. Grandes produtores de material de construção, por exemplo, estão começando a vender diretamente para o consumidor final, algo muito comum nos Estados Unidos. Aquele miolo entre a indústria e o cliente final tende a sumir. Tudo isso para otimizar também custos e ganhar eficiência. É uma tendência que vai pegar forte no Brasil. Ainda não chegou para valer, mas vai ser muito mais forte daqui para frente.
E o ponto negativo?
Um ponto negativo é a dívida pública. Antes de investir, o estrangeiro sempre olha isso. Outra questão é a complexidade do sistema tributário brasileiro. O Brasil é um dos países mais caros do mundo. Mas acho que o principal problema é a falta de eficiência da infraestrutura, algo que o governo está olhando. Vai ter investimento do governo, em parceria com o setor privado, as PPPs. Temos que botar investimento pesado na infraestrutura, seja ferrovia, rodovia, porto, aeroporto e saneamento. Tem muita coisa para fazer. O Brasil ainda está engatinhando em saneamento.
Mesmo com o Marco do Saneamento e com as privatizações?
Sim. A privatização da Sabesp, que está a caminho, vai atrair muito investimento estrangeiro. Por enquanto, vejo que saneamento é a grande oportunidade de investimento dentro da infraestrutura.
A Reforma Tributária foi bem recebida pelas empresas estrangeiras?
Não há um consenso sobre os benefícios dessa Reforma Tributária. Existe uma expectativa de o sistema ser mais ágil, menos complexo e com menos impostos. Com certeza vai melhorar na parte da burocracia, na preparação de documentos, na execução de pagamentos e na prestação de contas. Mas nada disso significa que haverá menos imposto. A carga tributária continuará alta. A forma de arrecadar é que deve ser simplificada. As empresas esperam que a carga tributária seja também reduzida. Por enquanto, não é possível saber o impacto que vai ter.
O corte nos juros tem ajudado a melhorar a imagem do Brasil lá fora?
Tem sim. Está ajudando a atrair capital produtivo, não só capital especulativo. É extremamente positivo. Quando há uma queda de juros em que o empresariado consiga tomar empréstimo, é possível gerar lucro, investir em uma nova planta ou desenvolver um novo produto. Vale o mesmo para aquisição de um novo negócio. Os juros impactam na veia. Temos sempre de relembrar que juros altos aumentam os custos. E custos vão parar nos preços. Não adianta, quem paga a conta é sempre a ponta final, o consumidor. Lógico que o corte dos juros precisa ter equilíbrio com a inflação. Juros baixos e inflação controlada são essenciais para o empresário voltar a fazer investimentos.
Qual o cenário atual?
Temos visto muitas empresas recorrendo a linhas de financiamento de bancos públicos, porque a taxa é muito menor. Por enquanto, não tem sido difícil conseguir financiamento em banco público, com taxa de juros relativamente baixa, mas sabemos que há um limite. Aí eu enxergo uma boa oportunidade de negócio para bancos privados e para as empresas. Os bancos precisam emprestar, as empresas precisam investir.