Economia

O Brasil está menos pobre: será o fim da década perdida?

Expansão de 2,9% da economia impulsiona também o PIB per capita em 2,2%, ritmo que deverá ser semelhante à média mundial pela primeira vez desde 2014

Crédito: Yasuyoshi Chiba

Em 2023, o crescimento do PIB de R$ 10,9 trilhões foi puxado pelo agro (15,1%) (Crédito: Yasuyoshi Chiba)

Por Jaqueline Mendes

A bem celebrada alta de 2,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023 trouxe, a reboque, uma outra boa notícia: o aumento de 2,2% do PIB per capita, para exatos R$ 50.193,72. Como esse resultado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é real (ou seja, já descontada a inflação), isso significa que o Brasil está um pouco menos pobre. O dinheiro cresceu, mas a população de 203 milhões oscilou muito pouco — apenas 0,8% no ano passado contra 2022, pelas estimativas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Entre 2010 e 2022, o avanço foi de 6,45%.

O PIB per capita é uma boa notícia, mas uma constatação ainda melhor surge quando se analisa o dinheiro entrando nos lares. Pelos dados do IBGE, o salário médio das famílias em no Brasil em 2023 foi de R$ 1.893. Isso significa aumento de 11,5% em termos reais [descontada a inflação] frente a 2022.

É a maior alta da série da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, de 2012. Até então, a maior taxa tinha sido de 6,9% de 2022, após queda 7% em 2021. “O aumento de 11,5% da renda per capita é impressionante. Às vezes, o PIB cresce, mas não gera renda para as famílias. Se a renda cresce mais que o PIB, a tendência é mais bem-estar”, afirmou o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marcos Hecksher, ao jornal Valor.

Caso o ritmo de crescimento econômico se mantenha, o Brasil pode atingir o recorde do PIB per capita, batido em 2013, antes de 2026

Já o dado do PIB per capita, que divide o total da riqueza produzida pelo País pelo número de habitantes, ajuda a compreender melhor a performance da economia, pois evita distorções na análise de nações com muitos habitantes ou com expansão demográfica acelerada.

A China (segundo maior PIB do mundo, com US$ 17,7 trilhões) e a Índia (na quinta posição, US$ 3,7 trilhões), por exemplo, têm economias imensas, mas possuem milhões de pessoas na pobreza, entre seus mais de mais de 1,4 bilhão de habitantes cada.

Segundos os respectivos governos, o PIB per capita dos indianos é de US$ 2.085, com 16,4% dos cidadãos em situação de pobreza. Na China, com US$ 11.560, a fatia é de 1,7%. Vale lembrar que esses dados, apesar de oficiais, não são auditados fora dos países.

As exportações brasileiras subiram 9,2%, ajudando o PIB. As importações, por sua vez, caíram 1,2% no ano passado (Crédito:Divulgação )

11,5%
foi o avanço real no salários das famílias em 2023, para R$ 1.893

No caso do Brasil, mais do que um bolo maior de PIB para ser divido, o crescimento sinaliza que a temida década perdida em termos de PIB per capita pode ficar no passado.

Segundo a pesquisadora e coordenadora do Boletim Macro Ibre, Silvia Matos, os dados mostram que o País deixou para trás um cenário de contração de PIB per capita e da produtividade. “Esse crescimento sugere uma postura mais otimista”, afirmou a economista.

Para ela, é possível que o PIB per capita recupere o patamar recorde de 2013 (de quase R$ 51,5 mil em valores atualizados) até mesmo antes de 2026, a depender de um crescimento da produtividade de forma sustentável.

Isso porque a produtividade do trabalho no Brasil cresceu pela terceira vez seguida no terceiro trimestre de 2023. Para Matos, no entanto, 2024 deve ser “o ano da prova”, para avaliar se a produtividade continuará a crescer e, principalmente, se a expansão será espalhada.

Para este ano, com estimativa de alta de 1,5% do PIB e aumento de 0,68% da população, o PIB per capita pode ser um pouco maior.

Na avaliação de Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimentos, o processo de desinflação e a gradual redução da taxa básica de juros ajudou no aumento da renda real das famílias. “Esses dois fatores contribuíram muito com o orçamento das famílias”, disse.

Pesquisadora do Ibre diz que, para este ano, a estimativa é de alta de 1,5% do PIB e aumento de 0,68% da população (Crédito:Divulgação )

Essa perspectiva mais positiva também é vista Marcos Hecksher, do Ipea. Com a alta de 2,2% do PIB per capita, ele acredita que a distância entre o indicador e a média mundial deve ter parado de subir pela primeira vez desde 2014.

Ao longo dos últimos anos, o desempenho no Brasil vinha abaixo da média mundial. Em 2013, o PIB per capita brasileiro estava 6,3% acima da média mundial. Em 2022, já estava 13,9% abaixo, segundo Hecksher.

Em 2023, o crescimento do PIB de R$ 10,9 trilhões foi puxado pela agropecuária (15,1%).
Serviços (2,4%) e indústria (1,6%) foram mais tímidos

A média mundial, segundo ele, ainda não foi divulgada para 2023, mas, considerando a projeção de 3,1% do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a economia mundial, o pesquisador estima em 2,2% o aumento do PIB per capita. “A relação entre o PIB per capita do Brasil e o mundial piora desde 2014. Se isso for interrompido, já é uma melhora”, disse o economista.

DESEMPENHO

Em 2023, o crescimento total do PIB — que totalizou R$ 10,9 trilhões — foi puxado principalmente pela agropecuária (15,1%). O setor de serviços (2,4%) e indústria (1,6%) apresentaram desempenhos mais tímidos, mas foi melhor que o comércio, que avançou 0,6% ano passado, mas tende a reagir com o efeito cascata em 2024. A taxa de investimento em 2023 foi de 16,5% do PIB, ante aos 17,8% de 2022.

Para este ano, no entanto, o ritmo econômico não deve repetir o resultado de 2023. Para Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, a perspectiva para 2024 é de crescimento de 1,7%, já que a conjuntura macroeconômica deve estar menos favorável. “O desempenho não será melhor porque as taxas de investimento estão muito baixas”, afirmou Sanchez.

Melhora do PIB da indústria em 2023 pode ajudar no desempenho do comércio no primeiro trimestre (Crédito: Lalo de Almeida)
(Divulgação)