Por que os grandes ainda tropeçam no mundo digital?

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Jorge Sant'Anna: "Resistência à mudança, processo de comunicação, influência, comprometimento, propósito e intenção são pontos vitais em um processo de transformação, devendo, portanto, ser compreendidos e incluídos em qualquer metodologia" (Crédito: Divulgação)

Por Jorge Sant’Anna

A transformação ou mudança organizacional tem sido amplamente discutida nos últimos anos. Impulsionada pelo imperativo do universo digital e do novo ambiente de negócios emergente, as diversas facetas de uma transformação se tornaram objeto de estudo em todo mundo.

As metodologias convencionais aplicadas em processos de mudança ganharam evidência, e muito investimento foi realizado nessa direção.

Embora sempre ressaltando a importância do componente humano, os métodos mais utilizados nunca se aprofundaram no real entendimento das forças emocionais subjacentes a qualquer etapa de transformação.

Como consequência, o número de programas de adequação digital realmente bem-sucedidos é muito tímido. Em seu trabalho “Leading Change: Why Transformation Efforts Fail”, publicado no Harvard Business Review, o pesquisador John Kotter revelou que apenas 30% dos programas de mudança desenvolvidos em corporações em todo o mundo eram efetivados com sucesso. Pesquisas recentes realizadas pela McKinsey & Company e Bain & Company, indicam que a taxa de êxito continua no mesmo patamar. O cenário é pior quando falamos em transformação digital. No máximo, 5% dos projetos alcançam ou superam os objetivos iniciais.

Resistência à mudança, processo de comunicação, influência, comprometimento, propósito e intenção são pontos vitais em um processo de transformação, devendo, portanto, ser compreendidos e incluídos em qualquer metodologia. Todos esses componentes se potencializam quando a mudança exige que a empresa conviva com dois modelos operacionais absolutamente diferentes.

“O pesquisador John Kotter revelou que apenas 30% dos programas de mudança desenvolvidos em corporações em todo o mundo eram efetivados com sucesso. Quando falamos em transformação digital, no máximo, 5% dos projetos alcançam ou superam os objetivos iniciais”

Por um lado, a corporação deve manter uma forma operativa que privilegie a estabilidade, previsibilidade e desenvolvimento de produtos de forma estruturada. Do outro, precisa também implementar ao mesmo tempo outro modelo, flexível, baseado no teste e erro, fluído e ágil em sua execução.

Há quase dez anos, em 2014, o Gartner Group publicou o Bimodal IT: How to Be Digitally Agile Without Making a Mess, criando assim um conceito para execução em TI que nada mais é do gerenciar dois estilos de trabalho separados, mas coerentes: um focado na previsibilidade e o outro na exploração. O professor de inovação e estratégia do Insead, Nathan Furr, desenvolveu os conceitos de Red way of management eBlue way of management para além das fronteiras da tecnologia. Esses dois modelos de negócios são antagônicos. No blue way, o foco está em ter uma organização capaz de testar e errar, falhar rapidamente, conduzir experimentos ágeis e centrados no cliente. Já no red way, o modelo se baseia em planejamento impecável, evitar falhas, otimização, maximização e execução previsível.

Integrar e adotar esses modelos requer liderança madura, um nível extraordinário de segurança psicológica em toda a empresa e uma compreensão real dos fundamentos da criação de valor por parte dos acionistas. Implementar tais abordagens na prática é bastante complexo. Essa dificuldade pode ser uma das razões pelas quais as grandes empresas enfrentam tantos obstáculos ao se adaptarem ao mundo digital.

Jorge Sant’Anna diretor-presidente e fundador da BMG Seguros E membro do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Bancos