O plano de Lula para a Petrobras: entenda por que o mercado está apavorado
Maior empresa do País muda política de distribuição de dividendos e espalha medo de ingerência do governo. Mas será que o pânico se justifica?
Por Hugo Cilo e Jaqueline Mendes
Maior empresa brasileira, a Petrobras ocupou o Olimpo dos investimentos nos últimos anos. As ações da companhia, em uma década, se valorizaram impressionantes 185%. Em 2022, embalada pelo lucro líquido de R$ 188,3 bilhões, o maior resultado de sua história até então, foi a segunda no ranking global de pagamento de dividendos, atrás apenas da mineradora anglo-australiana BHP. Para euforia dos investidores, a estatal distribuiu nada menos do que R$ 124,7 bilhões — cifra superior, por exemplo, a todo o lucro de R$ 95,9 bilhões da Vale naquele mesmo ano.
A queridinha do mercado, no entanto, tem gerado desespero nos acionistas desde a semana passada.
• Ao anunciar mudanças na política de distribuição de dividendos extraordinários, a Petrobras encolheu em R$ 55,3 bilhões seu valor de mercado num único dia.
• As ações da companhia, na sexta-feira (8), derreteram 10%.
•A empresa acordou valendo R$ 533,1 bilhões e foi dormir valendo R$ 480,8 bilhões, maior perda desde 22 de fevereiro de 2021, segundo dados da B3.
• Os papéis chegaram a subir próximo a 3% na terça-feira (12), mas o susto não havia passado. E há razões para tantas incertezas.
O mercado teme que a estatal seja explorada como instrumento político do governo Lula e sua equipe econômica — medo que ganhou força na quinta-feira (7), quando o Conselho de Administração da Petrobras aprovou a distribuição apenas dos dividendos obrigatórios (R$ 14,2 bilhões). Outros R$ 43,9 bilhões (dividendos extraordinários) ficaram retidos numa chamada reserva estatutária. No dia seguinte, a companhia tombou.
O presidente Lula classificou a reação como “choradeira” e chamou os investidores de “um dinossauro voraz que quer tudo para ele e nada para o povo”. Mais: “É muito engraçado. Às vezes, vejo notícias assim: ‘Petrobras cresce 30%’, ‘Petrobras bate recorde de produção de gasolina’, ‘Petrobras bate recorde de exportação de petróleo’, ‘Petrobras bate recorde de arrecadação’. E a gente não ganha nada com isso”, disse Lula ao SBT. “Se for atender apenas à choradeira do mercado, você não faz nada.”
Bem, derreter uma companhia em R$ 55 bilhões durante o horário comercial não pode ser chamado exatamente de choradeira do mercado.
Lula até tentou vincular a retenção dos dividendos à solução de temas graves. “Será que o mercado não tem pena de 735 milhões de pessoas [em todo o mundo] que não têm o que comer? Será que o mercado não tem pena das pessoas que dormem na sarjeta no centro de São Paulo e do Rio de Janeiro? Será que o mercado não tem pena das meninas com 12 e 13 anos que, às vezes, vendem o corpo por um prato de comida?”.
A retórica presidencial tem um pouco de falácia, já que o dinheiro não pago como dividendos extraordinários não resolveria nenhum dos problemas anteriores, em especial na dinâmica política brasileira em que o Executivo é refém do Congresso.
LUCRO
A Petrobras contabilizou em 2023 o segundo melhor resultado de todos os tempos, com lucro de R$ 124,6 bilhões. Além disso, a decisão sobre os dividendos não é um confisco das fatias de direito dos acionistas, mas uma retenção dos valores além dos previstos.
Na tentativa de apagar o incêndio, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, afirmou que os dividendos extraordinários não serão utilizados para investimentos ou pagar dívidas. Prates disse que houve ingerência de Lula, mas que se trata de movimento para corrigir uma política exagerada de distribuição dos lucros.
“O dividendo [retido] é para distribuição, de qualquer forma. Não pode pagar dívida ou investir, como falsas notícias que andam por aí”, afirmou Prates. “Clarificando isso, todo esse susto aí desaparece, porque se sabe que essa reserva é dividendo e uma hora volta.”
Prates revelou que os conselheiros indicados pela União votaram para o envio de 100% desses recursos (os R$ 43,9 bilhões extraordinários) para a reserva, enquanto os conselheiros privados, chamados minoritários, votaram todos pelo pagamento de 100% aos acionistas.
Prates se absteve de votar, mas defendeu uma proposta intermediária, da diretoria, de encaminhar 50% para reserva e pagar 50% aos acionistas.
Na quinta-feira (14), ele foi ao X (antigo Twitter) e postou que “o mercado ficou nervoso esperando dividendos sobre cuja decisão foi meramente de adiamento e reserva. Falar em intervenção na Petrobras é querer criar dissidências, especulação e desinformação”.
DÉFICIT ZERO
Na prática, o próprio governo federal deixará de embolsar até R$ 12 bilhões com a decisão da Petrobras de não distribuir dividendos extraordinários de 2023. A União é acionista majoritária da empresa — detém a maior parte das ações com poder de voto. Entre os papéis com prioridade no pagamento de dividendos, possui 28,67%.
Caso a Petrobras mantivesse a postura adotada nos últimos anos e distribuísse 100% dos dividendos extraordinários, a União teria um importante reforço de caixa, em um ano de busca por déficit zero pelo ministro Fernando Haddad. Esse dividendo extraordinário apurado em 2023, no entanto, não tem previsão de pagamento, segundo Prates. Existia folga para pagamento de extraordinário, mas o Conselho de Administração decidiu mandar os recursos para a reserva. Isso se baseia, segundo Prates, na “busca de balanço robusto e cuidado com alocação de capital” em anos com esforço de investimento muito grande para a Petrobras.
NOVAS REGRAS
Após o impasse envolvendo a Petrobras, os acionistas e a equipe de Lula, o governo anunciou que fará mudanças para “oxigenar” os conselhos de administração das empresas estatais.
• No caso da Petrobras, segundo Rui Costa, chefe da Casa Civil, Lula quer que o Ministério da Fazenda ocupe uma das seis cadeiras que o governo tem, como principal acionista, no conselho da estatal.
• O secretário-executivo-adjunto da pasta, Rafael Dubeux, foi indicado.
• Costa afirmou que Lula poderá fazer outras mudanças no conselho da petroleira.
• O presidente definiu uma vaga para a Fazenda após se reunir na segunda-feira (11) com Prates e ministros, entre os quais, Rui Costa, Fernando Haddad (Fazenda) e Alexandre Silveira (Minas e Energia).
• O encontro foi convocado exclusivamente em resposta à polêmica dos dividendos extraordinários.
Pessoas próximas ao governo afirmam que a ordem do presidente é deixar a poeira baixar, e não tomar nenhuma nova decisão nas próximas semanas. Isso porque, na visão do presidente, é injusta a acusação de interferência na Petrobras, principalmente em um cenário de lucros recordes e após quatro anos de gestão pseudoliberal que, na prática, se tornou de total ingerência de Jair Bolsonaro.
Nos quatro anos do último governo, a Petrobras teve quatro presidentes: Roberto Castello Branco, general Joaquim Silva e Luna, José Mauro Coelho e Fernando Borges. Todos foram demitidos ou teriam pedido para sair em razão da discordância de Bolsonaro com a Preço de Paridade de Importação (PPI), política adotada no governo Temer.
ANALISTAS
Seja exagerada ou não a resposta do mercado às mudanças na Petrobras, o fato é que os investidores devem se preparar para uma interferência maior do governo nos rumos das estatais, segundo o economista Rodrigo Marcatti, CEO da Veedha Investimentos. “Não é novidade para ninguém que o Lula tem uma característica mais estatista e de maior controle sobre as estatais”, disse. “O presidente sempre defende que as empresas públicas precisam ter compromissos sociais, não só com retorno aos investidores.”
Na sua avaliação, o medo dos investidores é que a empresa volte a ser explorada politicamente a ponto de retornar aos patamares de dez anos atrás, quando ocupou a vexatória posição de empresa mais endividada do mundo (US$ 237 bilhões), em 2013, segundo relatório do Bank of America Merril Lynch. “Mas essa volta ao passado é difícil que ocorra já que o mundo mudou. Hoje as leis e regras das S/A impedem que o governo faça o que quiser”, disse Marcatti.
• O Plano Estratégico da Petrobras para o quinquênio 2024-2028 prevê investimento de US$ 102 bilhões, alta de 31% em relação ao ciclo anterior.
• O foco será, segundo a companhia, em projetos de transição energética e descarbonização.
Na visão do economista Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, a polêmica dos dividendos pode marcar o fim da lua-de-mel do mercado com a Petrobras, mas não é totalmente justa. Arbetman avalia que mesmo que a Petrobras confirme a redução de 60% para 45% no pagamento de dividendos, não será tão ruim assim. “A reação não foi exagerada, mas pode ser que não dure muito. Afinal, é prorrogativa do controlador fazer a gestão da companhia, conforme seu interesse. E os riscos de se investir em uma estatal já estão precificados nos papeis”, afirmou Arbetman.
“Uma volta ao passado é difícil que ocorra já que o mundo mudou. e Hoje a lei das S/A impede que o governo faça o que quiser.”
Rodrigo Marcatti, CEO da Veedha Investimentos
Assim como Arbetman, a economista Ana Paula Debiazi, CEO da Leonora Ventures, atribuiu o medo dos investidores a uma interferência direta do governo em sua gestão, mas que acabam voltando quando o governo estabiliza. “Os investidores investem por retorno financeiro. Esse é o objetivo. Quando o governo diz que vai mudar as regras, impactando diretamente no retorno financeiro, é obvio que os investidores irão reagir”, disse.
Ela prevê que todos devem esperar esse sobe e desce, mas acreditar que no médio e longo prazo as ações da estatal têm tendência de alta. “Pela importância da empresa na economia e no mundo, as ações estão baratas. O momento é de compra. Os investidores que enxergarem o potencial da empresa vão aproveitar este momento para comprar. E logo se autorregula, os preços voltam a subir.”
“Os investidores que enxergarem o potencial da empresa vão aproveitar este momento para comprar. logo os preços voltam a subir.”
Ana Paula Debiazi, CEO da Leonora Ventures
Essa avaliação está em linha com a do professor de economia do Ibmec-SP Alexandre Pires. Os investidores continuarão recebendo os valores mínimos definidos pelo Conselho de Administração da petroleira, ficando de fora apenas dos dividendos extraordinários.
“Podemos esperar até o fim desse governo que haverá uma tentativa de direcionar os investimentos para regiões mais estratégicas, de acordo com sua agenda política”, afirmou Pires. “Isso não pode levar a uma descapitalização da empresa. Mas só os próximos anos dirão se o governo Lula errou ou acertou na decisão.”
Até lá, não se sabe se a mão de Lula na Petrobras é uma interferência política ou se faz parte de um plano maior.