Empresas digitalmente inteligentes
Por Luís Guedes
A forma pela qual as empresas vêm criando valor mudou profundamente. A transformação digital em curso, no entanto, tem deixado valor sobre a mesa – parte da energia, dos recursos físicos, humanos e financeiros estão presos em “fazer”. É pouca “transformação” para muito “digital”…
A literatura e a experiência executiva sugerem três dimensões de criação sustentável de valor na era digital: valor na relação com clientes (cross-selling, aumento do lifetime value, capacitação estratégica dos colaboradores da linha de frente); valor por meio da otimização das operações (aumento exponencial da eficiência, modularidade, automatização de processos) e valor dos ecossistemas (parcerias na velocidade do digital, que permitem acesso a mais clientes, a ilhas de competência e a financiamento inteligente). É somente depois da articulação de uma estratégia de geração de valor que devem ser elaboradas as formas, nada simples, de implementação.
A inteligência digital vai muito além do domínio da tecnologia; trata-se de um conceito fundado em servir clientes e cidadãos, descobrindo brechas para oferecer valor de forma única. Ao mesmo tempo em que fazem isso, empresas digitalmente inteligentes reforçam suas capacidades de execução e a integração dos talentos internos e externos, melhorando radicalmente a produtividade do que fazem hoje – parece difícil e é bom que seja assim. Há poucos para competir no ar rarefeito da empresa ambidestra e digitalmente capaz.
A inteligência digital vai muito além do domínio da tecnologia; trata-se de um conceito fundado em servir clientes e cidadãos, descobrindo brechas para oferecer valor de forma única
A escolha das alternativas estratégicas deve ser um esporte estudado, aprendido na teoria e, mais que tudo, exercitado com maestria. A habilidade de jogar na era digital começa nessa capacidade de articular um modelo de negócio que não seja apenas superior, mas único e difícil de copiar. As empresas que se saem melhor são aquelas que se concentram primeiro no problema que vão resolver para os seus clientes para, somente depois, pensar no arsenal tecnológico que pode ser empregado. Um dos gigantes da inovação contemporânea escreveu um livro sobre isso, que recomendo enfaticamente à atenta leitora, ao interessado leitor: em “Muito além da sorte: processos inovadores para entender o que os clientes querem”, Clayton Christensen explora como as empresas devem antes de tudo compreender profundamente as necessidades dos clientes, conceito que o autor chama de job to be done (em tradução livre, trabalho a ser feito). Christensen argumenta que os consumidores “contratam” produtos e serviços para realizar tarefas específicas em suas vidas (ter uma boa noite de sono, achar um novo emprego, mudar de cidade). O livro demonstra que o sucesso na inovação não se dá por acaso, mas por meio da compreensão profunda dos trabalhos que os clientes precisam resolver – a inteligência digital está aqui também, apoiando gestores e gestoras a conhecerem e compreender profundamente o comportamento de consumidores e cidadãos.
A soma dessas muitas competências sugere que há um caminho longo para ser trilhado, que envolve a aquisição de novos saberes, novos meios de produzir, atrair e reter os melhores e, enfim, de servir. As empresas digitalmente inteligentes não estão preparadas para o futuro – elas são o futuro.
Luís Guedes é professor da FIA Business School